Em defesa da paz

Os tambores da guerra rufam mais uma vez no Médio Oriente, desta vez com a possibilidade de um ataque iminente à Síria, após a alegada utilização de armas químicas pelo seu governo. É precisamente em tempos de crise como este que a defesa da paz pode ser feita da maneira mais clara e mais óbvia.

Em primeiro lugar, não temos qualquer prova sólida de que o governo sírio tenha utilizado armas químicas. Mesmo se tal prova fosse apresentada por governos ocidentais teríamos de permanecer cépticos, recordando os muitos incidentes dúbios ou falsificados utilizados para justificar corridas à guerra: o incidente do Golfo de Tonquim, o massacre de bebés na incubadora do Kuwait, o massacre Racak no Kosovo, as armas de destruição maciça no Iraque e a ameaça de um massacre em Bengazi. Vale a pena notar que a evidência que aponta a utilização de armas químicas pelo governo sírio foi proporcionada aos Estados Unidos pela inteligência israelense, a qual não é exactamente um actor neutro.

Mesmo que desta vez as provas fossem autênticas, isso não legitimaria ação unilateral por parte de ninguém. A ação militar ainda precisa de uma autorização do Conselho de Segurança. Aqueles que se queixam da sua “inação” deveriam ter em mente que a oposição russa e chinesa à intervenção na Síria é motivada em parte pelo abuso das potências ocidentais da resolução do Conselho de Segurança a fim de executar “mudança de regime” naquele país. Aquilo que no Ocidente é chamado de uma “comunidade internacional” desejosa de atacar a Síria está reduzido essencialmente a dois países importantes (Estados Unidos, e França), dentre as quase duas centenas de países do mundo. Não é possível qualquer respeito pelo direito internacional sem o respeito pela opinião decente do resto da humanidade.

Mesmo se uma ação militar fosse permitida e executada, o que podia ela conseguir? Ninguém pode controlar armas químicas seriamente sem por “botas sobre o terreno”, o que não é considerado uma opção realista após os desastres do Iraque e do Afeganistão. O Ocidente não tem aliado verdadeiro e confiável na Síria. Os jihadistas a combaterem o governo não tem mais amor ao Ocidente do que aqueles que assassinaram o embaixador dos EUA na Líbia. Uma coisa é receber dinheiro e armas de um país, mas outra muito diferente é ser um aliado genuíno.

Tem havido ofertas de negociação provenientes dos governos sírio, iraniano e russo, as quais têm sido tratadas com arrogância pelo Ocidente. Aqueles que dizem “não podemos conversar ou negociar com Assad” esquecem que isto foi dito acerca da Frente de Libertação Nacional na Argélia, de Ho Chi Minh, Mao, a União Soviética, a OLP, o IRA, a ETA, Mandela e o ANC e muitas guerrilhas na América Latina. A questão não é se alguém fala com o outro lado, mas após quantas mortes desnecessárias se aceita fazê-lo.

O temor de que os EUA e seus poucos aliados remanescentes atuassem como polícia global está realmente ultrapassado. O mundo está a tornar-se mais multipolar e os povos do mundo querem mais soberania, não menos. A maior transformação social do século XX foi a descolonização e o Ocidente deveria adaptar-se ao fato de que não tem nem o direito, nem a competência, nem os meios para dominar o mundo.

Em parte alguma a estratégia de guerras sem fim fracassou mais miseravelmente do que no Médio Oriente. No longo prazo, o derrube de Mossadeg no Irão, a aventura do Canal de Suez, as muitas guerras israelenses, as duas guerras do Golfo, as ameaças constantes e sanções assassinas primeiro contra o Iraque e agora contra o Irã, a intervenção líbia, não conseguiram nada mais do que novos banhos de sangue, ódio e caos. A Síria só pode ser mais um fracasso para o Ocidente sem uma mudança radical na política.

A verdadeira coragem não consiste em lançar mísseis de cruzeiro meramente para exibir um poder militar que se está a tornar mais ineficaz. A verdadeira coragem é romper radicalmente com essa lógica mortal. Em obrigar, ao invés, Israel a negociar de boa fé com os palestinos, convocar a conferência Genebra II sobre a Síria e discutir com os iranianos o seu programa nuclear, levando em conta honestamente os legítimos interesses econômicos e de segurança do Irã.

A recente votação contra a guerra no Parlamento Britânico, bem como reações nas redes sociais, refletem uma alteração maciça de opinião pública. Nós no Ocidente estamos cansados de guerras e estamos prontos para juntarmo-nos à comunidade internacional real exigindo um mundo baseado na Carta das Nações Unidas, desmilitarização, respeito pela soberania nacional e igualdade de todas as nações.

O povo do Ocidente também pede para exercer seu direito à auto-determinação: se tiverem de ser travadas guerras, elas devem ter como base debates abertos e a preocupação pela nossa segurança nacional e não sobre alguma mal definida noção de um “direito a intervir”, o qual pode ser facilmente manipulado e abusado.

Cabe a nós obrigar os políticos a respeitar esse direito.

PELA PAZ E CONTRA A INTERVENÇÃO

Os signatários são antigos altos funcionários das Nações Unidas:

  • Hans Christof Graf von Sponeck, Secretário-Geral Assistente da ONU, Coordenador Humanitário para o Iraque (1998 -2000).
  • Denis J. Halliday, Secretário-Geral Assistente da ONU, (1994-98)
  • Dr. Saïd Zulficar, funcionário da UNESCO (1967-1996), Director, Divisão do Património Cultural (1992 -1996).
  • Dr. Samir Radwan, Funcionário da OIT (1979 – 2003). Conselheiro do Director Geral da OIT sobre politicas de desenvolvimento (2001 – 2004). Antigo ministro das Finanças do Egipto.
  • Dr. Samir Basta, director do gabinete regional para a Europa da UNICEF (1990-1995). Director do Gabinete de Avaliação da UNICEF (2985-1990)
  • Miguel d´Escoto Brockmann, presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas (2008-2009) e ministro das Relações Exteriores da Nicarágua (1979-1990).

    02/Setembro/2013 O original encontra-se em www.lemonde.fr/…

    Este documento encontra-se em http://resistir.info/ .