“EM QUE PESEM OS AVANÇOS DIPLOMÁTICOS, ISRAEL CONTINUA NA VANGUARDA COMO FORÇA PRINCIPAL DE INCENTIVO À GUERRA”

James Petras, em sua coluna na Rádio Centenário, Montevidéu (CX36)

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EChI: Bom, como nas últimas edições, gostaria de começar com a Síria, dados os últimos acontecimentos.

JP: Bom, sobre a Síria temos aqui nos Estados Unidos umas apresentações oficiais que indicam a existência de muitas possibilidades de frear o processo diplomático para uma resolução pacífica.

Está pendente, por exemplo, a questão dos inspetores que vão revistar as armas químicas sírias. Os inspetores poderiam ser especialistas, porém também podem ter afiliações e orientações políticas que podem prejudicar qualquer medida adotada pelos governantes na Síria. Temos visto, por exemplo, no Iraque, onde alguns dos inspetores realmente eram espiões dos Estados Unidos e quando foram investigar as armas, também compilaram informação útil para o posterior ataque e bombardeio norte-americano. Em vez de servir como forma de reunir informações, investigavam para o imperialismo, facilitando os ataques aéreos quando lançados.

Portanto, como e quem serão os inspetores é  um ponto alto nesta discussão.

Obviamente que os países ocidentais buscam inspetores que atuem a favor de sua agenda, que não se trata simplesmente de resolver o problema, mas também de criar as condições para relançar a agressão militar. Isso me parece claro.

O segundo são os obstáculos que estão inserindo as Chancelarias dos Estados Unidos e França; querem toda a contabilidade de todas as armas em 60 lugares, em todos os esconderijos, numa semana. E dizem que se não cumprirem numa semana, vão anular o acordo.

Creio que o acordo é algo conjuntural, porque era um momento muito desfavorável politicamente para Washington. Não é possível esquecer que a opinião pública e o Congresso norte-americano se oporiam à guerra; inclusive alguns setores mais bélicos teriam posturas contrárias à guerra. Então, era um momento muito desfavorável. Sem falar da situação internacional, onde não puderam conseguir o apoio que esperavam dos vizinhos para o momento do lançamento. E muito mais ainda com a questão de quem vai se beneficiar com o bombardeio, que era algo muito discutível, por exemplo, no caso do poder dos extremistas islâmicos. Essas considerações eram muito desfavoráveis para o governo.

Agora, uma vez que baixa a temperatura, o Congresso já não está em sessão, a opinião pública sente um alívio porque não fará guerra; é um momento onde a oposição diminuiu e podemos dizer que Washington não possui a mesma resistência.

Para esta jornada se espera que o cliente de Washington, o secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, leia o informe dos inspetores da ONU sobre o uso de armas químicas na Síria. E acredito que tudo indica – segundo manifestou o próprio Moon – que o gás tóxico era produto do governo, apesar de nunca terem entrevistado ninguém em posição objetiva, porque simplesmente não foram além de recolher amostras e de falar só com os opositores. É muito questionável esta inspeção, pois se confirmarem que o gás foi utilizado, não há nenhuma investigação sobre quem o utilizou. Portanto, existe uma inferência que será feita caso se confirme que o mesmo foi utilizado pela política bélica do governo sírio e não, como muitos dizem – inclusive os russos e outros especialistas – de que foi produto dos opositores. É outro ponto que queríamos dizer.

Em terceiro lugar, temos o problema neste processo onde o chanceler estadunidense, John Kerry, diz que o “problema do Irã” continua sendo central. Em que pese o Irã tenha adotado posições muito moderadas e havia, inclusive, troca de cartas entre os presidentes Hassan Rouhani e Barack Obama.

É que entre os setores mais bélicos nos Estados Unidos continuam pensando na guerra e o enfoque da guerra na Síria é para ameaçar o Irã.

Em todo este marco, devemos notar que Israel sempre está na vanguarda como força principal incentivando a guerra e, como resultado disso, os representantes de Israel no governo estadunidense – assessores, chamados especialistas sionistas, etc. – permanecem falando que as negociações vão fracassar e quando isso ocorrer, o governo deve lançar as bombas sem consultar o Congresso para, assim, evitar o que aconteceu recentemente.

Dennis Ross, que é um dos principais sionistas com profundos e extensos contatos com o governo de Benjamin Netanyahu, anunciou que agora não deve existir mais nenhuma outra discussão acerca do descumprimento da Síria. Ele assume o descumprimento, ele assume que o governo deve bombardear a Síria sem consultar o Congresso; ou seja, evitar qualquer consideração democrática, simplesmente cumprir com as tarefas definidas por Israel.

Isso é um exemplo do que representa o sionismo em Washington.

Então, eles sofreram um golpe tático com a decisão de aceitar a proposta de Vladimir Putin; no momento – recordem do que dissemos na segunda-feira passada – em que enviaram centenas de funcionários para invadir e pressionar o Congresso. Porém, o resultado foi o primeiro grande golpe, quando o Congresso repudiou suas pressões. Isto é algo insólito na história recente. 99% das cartas que chegaram aos congressistas – que foram centenas de milhares – posicionavam-se contra a guerra. Como podiam submeter-se aos sionistas quando quase 100% dos votantes se opunham à guerra?

Inclusive, alguns sionistas se dividiram no Congresso. Alguns continuam apoiando a guerra, outros, sob pressão dos cidadãos, tiveram que dizer não estarem completamente satisfeitos com a política de guerra.

Então, estamos numa situação de transição, onde as pressões populares, a iniciativa de Putin, pesaram por um lado na solução diplomática e política. E, do outro lado, temos os falcões no governo, como o senhor Kerry, os sionistas e o resto dos belicistas, que estão buscando um pretexto para neutralizar esta onda pró-diplomática, pró-reconciliação, pró-resolução do problema sem entrar em guerra.

Porém, outro argumento que os falcões estão usando é aumentar e fortalecer a transferência de armas aos grupos terroristas, porque dizem: ‘se não atirarmos bombas, pelo menos armamos a oposição’, ou seja, os terroristas, com as melhores armas.

Isso parece ser considerado agora e outra vez os que buscam soluções diplomáticas defendem que não se deve aumentar o envio de armas, porque isso pode afetar a destruição das armas químicas.

Tudo isto deve ser inserido num contexto mais amplo. A questão é: Esta ideia de desarmar a Síria constitui parte de uma trajetória para a solução ante a guerra ou é um mecanismo para debilitar a Síria e depois atacá-la?

É outra hipótese que estamos considerando. Porque já aconteceu no Iraque, os inspetores, o desarmamento e, depois, a volta de um ataque mais agressivo e com menos consequências.

Acredito que é outro mecanismo. Em vez de atuar diretamente, os Estados Unidos utilizam terceiros, como é o caso de François Hollande e David Cameron, para fazê-lo, já que encontram muita resistência no país. É mais fácil para franceses e ingleses canalizarem as armas que, neste momento, os Estados Unidos, onde, por muitas razões, depois de tantas guerras, esgotamento, desencanto, é mais complicado. Não se pode esquecer que há muita gente, inclusive da esquerda, que pensa que a Europa é mais moderada, civilizada, que os Estados Unidos. Esquecem que ingleses e franceses mataram milhões de pessoas nos países coloniais; e continuaram no período pós-colonial com intervenções na Ásia, África e, inclusive, América Latina, apoiando terroristas, guerras coloniais, etc.

Sempre que vão a Paris, ao Museu do Louvre, ou vão a Londres, ver o Palácio de Buckingham, etc.; porém, muita gente na América Latina se esquece que, com a Magna Carta, o Parlamento britânico não era um obstáculo para fomentar a fome e a morte de mais de 50 milhões de hindus, ou atacar a China, destruir a vida dos escravos africanos e, ainda mais, nas guerras na Indochina, no Quênia, Malásia e no pós-guerra.

Não é nada surpreendente que os chamados socialistas na França e os trabalhistas na Inglaterra, assim como os conservadores, estão envolvidos nesta guerra, tomando partido junto aos Estados Unidos.

Fonte: http://www.radio36.com.uy/entrevistas/2013/09/16/petras.html

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)