O caminho das pedras
Greve dos garis levou prefeito à lona e deixou o sindicato mal, num movimento espontâneo exemplar
O final vitorioso e surpreendente da greve dos garis da Comlurb, festejada ao som dos tamborins, é uma porrada que acerta em cheio, por igual, a já combalida administração da Prefeitura do Rio de Janeiro, o sindicato pelego e os protagonistas institucionais e políticos da cidade e do país.
A paralisação guarda parentesco íntimo com a insatisfação exposta nas passeatas de protesto desde junho do ano passado e expõe um cenário incontrolável, aprofundando o abismo entre todo o sistema de poder, claramente em decomposição, e uma realidade injusta que explode por todos os poros.
Os garis impuseram uma derrota acachapante ao conluio político, apoiado numa controvertida aliança dos contrários, que garantiu a reeleição de um prefeito gaiato e manteve no governo seus miquinhos amestrados. Mas não tem sustância para aguentar o tranco e responder pelas suas responsabilidades básicas de gestão.
O modus faciendi de governabilidade local em uso tem por escopo o suborno dos políticos profissionais e das representações da sociedade, pelo loteamento calculado da máquina pública e pela distribuição de favores sujos e por baixo do pano entre as lideranças cartoriais de partidos, mídia, entidades de classe e movimentos sociais.
Há uma renúncia consensual de personalidade própria, ou melhor, de toda e qualquer personalidade. Parlamentares e dirigentes políticos são comprados num mercado mau caráter e sem vergonha, renunciando aos deveres da representação, da fiscalização e da ação legislativa, protagonizando uma grande farsa de forma irresponsável e imediatista, como se tudo na vida se resumisse ao saque compadrio por tempo determinado.
Em função de acordos imorais e insustentáveis à luz do dia, cria-se um profundo vazio que deixa órfã a plebe ignara, sem ninguém para fazer o meio de campo e sem ferramentas para uma relação racional com o poder corruptor e com as elites e os moldadores de opinião, juntos e misturados no exercício da injustiça, do embuste e da opressão.
A greve que encurralou um prefeito despreparado e sem estatura para o ofício se deu por combustão espontânea. Não teve líderes, nem organizações na sua gênese. Aconteceu num momento desconfortável para a Prefeitura por impulsos da lógica primária. Tratados a pão e água o ano inteiro, os garis sabiam muito bem da hora em que são valem ouro. Daí para a greve massiva, enquanto o sindicato subornado se conformava com as migalhas de sempre, foi um passe de mágica.
Pirralhos políticos que mais se afiguram os anões da Branca de Neve não contavam com a astúcia de quem ganha uma mixaria para correr oito horas atrás dos caminhões, em atividade laboral de suplantar os esportes olímpicos. Mixaria mesmo: ao contrário dos tempos áureos da Comlurb presidida pelo sanitarista Luiz Edmundo Costa Leite, quando a empresa dava treinamento para congêneres de vários países, e produziu as primeiras cargas de gás natural veicular e, posteriormente, do economista Ivan Lagrota, que im plantou a primeira usina de compostagem, a Comlurb se tornou literalmente um lixo sob o comando de um vizinho do ex-prefeito Cesar Maia, oriundo da antiga Telerj.