CARTA DE SEROPÉDICA/RJ – II Seminário Nacional de Educação em Agroecologia (SNEA)

imagemNós, 420 profissionais da extensão, ensino e pesquisa, da comunicação, estudantes dos diferentes níveis e modalidades de ensino, agricultores e agricultoras, povos e comunidades tradicionais, jovens, mulheres e homens de todo o Brasil nos reunimos em Seropédica- RJ, de 25 a 27 de outubro de 2016, no II Seminário Nacional de Educação em Agroecologia (SNEA), para debater o tema “Educação em Agroecologia: resistências e lutas pela democracia”. Este tema reflete os acúmulos e aprendizados desde o I SNEA e a preocupação com as ameaças de desmonte institucionais que colocam em risco os avanços duramente conquistados pela sociedade brasileira em seu processo de democratização.

Fortes ataques à educação brasileira são claras expressões deste risco, a exemplo do fechamento das escolas do campo; da PEC 241/2016, que propõem congelar os gastos públicos por 20 anos e com isso, interdita a continuidade, o aprimoramento e a expansão do ensino médio, tecnológico e superior no Brasil, em que os maiores atingidos serão as populações mais vulneráveis e pobres; a Medida Provisória 746/2016 que prevê a reformulação do ensino médio, excluindo do rol das disciplinas obrigatórias Artes, Filosofia, Sociologia e Educação Física, condicionando o/a estudante a optar por uma área de formação sem ter concluído o ensino médio, negando o princípio da complexidade para a formação da cidadania crítica; o Projeto de Lei 293/2016 (conhecido como Lei da Mordaça) que cerceia a autonomia de profissionais de educação para abordar dimensões políticas, étnico-raciais, de gênero e sexualidade, ressaltando que professores/as que descumprirem estas orientações estarão sujeitos à exoneração dos cargos.

Repudiamos as ações antidemocráticas implementadas recentemente, a exemplo da prisão política de militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; as medidas da SETEC/MEC para que os dirigentes dos Institutos Federais delatem os estudantes envolvidos nas ocupações; e medidas arbitrárias e autoritárias para desocupação das Escolas, cerceando o livre direito de manifestação da sociedade. Dessa forma, nos solidarizamos com o movimento dos/as estudantes de ocupação das escolas, das universidades e institutos federais que lutam por uma educação pública, gratuita e de qualidade.

Nesta conjuntura o II SNEA promoveu uma rica reflexão. Foram socializadas e debatidas 170 experiências de Educação em Agroecologia, articulados a partir de eixos temáticos sobre a construção do conhecimento agroecológico, a formação do profissional em agroecologia e a questão agrária e agroecologia. Estas experiências são fruto do acúmulo histórico protagonizado por educadores/as, estudantes e pelos movimentos sociais do campo.

Evidenciamos ainda no evento o fornecimento de alimentos agroecológicos de famílias agricultoras para a alimentação dos participantes e a realização da Feira Agroecológica e Cultural “Sabores e Saberes” como um espaço educativo, tendo os momentos culturais como mediadores de diálogos e conexões entre a cidade e o campo.

Reconhecemos alguns temas fundamentais para a construção de uma Educação em Agroecologia, como a luta pela terra, a reforma agrária, a defesa dos bens comuns e dos territórios, a indissociabilidade da extensão, ensino e pesquisa, a transdiciplinaridade, o feminismo, a construção do conhecimento e o diálogo de saberes, as juventudes, o diálogo intercultural, a sexualidade, as políticas públicas, a segurança e soberania alimentar, a saúde e a economia solidária. Percebemos que os princípios da Vida, da Diversidade, da Complexidade e da Transformação propostos no I SNEA para a Educação em Agroecologia vêm sendo reforçados e colocados em prática nestas experiências.

Observamos que a Educação em Agroecologia se constrói com o fomento e o apoio do Estado a partir de políticas públicas. Ressaltamos o apoio dado aos Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs), que desde 2010, passam a ser fomentados por Ministérios envolvendo um grande número de professores, estudantes de ensino médio, de graduação e pósgraduação; técnicos extensionistas e representantes da agricultura familiar, em cerca de 281 projetos, em 102 instituições de ensino, beneficiando mais de 47.000 agricultores e agricultoras familiares em todo o país.

Denunciamos os ataques às políticas públicas voltadas para o campo, para a agricultura familiar e a reforma agrária, a exemplo da extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e o corte de recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA e da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO. Denunciamos a desterritorialização dos povos e comunidades tradicionais e o avanço do agronegócio como expressão do capitalismo no campo, da degradação ambiental, da concentração da riqueza e do esvaziamento do campo.

A Educação em Agroecologia deve se dar no contexto territorial em que se encontra, com seus atores, debatendo as relações de poder e os conflitos, devendo-se contribuir para fortalecer a organização social e a construção de um projeto popular que tenha como centralidade a luta pela terra em consonância com os princípios da agroecologia e o bem viver. Uma educação que valoriza a pesquisa e o trabalho como princípios educativos, favorecendo uma perspectiva crítica e politécnica da formação profissional.

Reconhecemos que a agroecologia tem sido construída em diferentes processos educativos, seja na escola, nas universidades, nos institutos federais, seja no chão do trabalho e nas lutas sociais e populares do campo e da cidade. Isso vem possibilitando a experimentação de diferentes perspectiva pedagógicas utilizando-se de práticas da educação popular que articulam extensão, ensino e pesquisa, como as caravanas, intercâmbios, estágios de vivência, instalações artístico-pedagógicas, entre outras, que nos apontam a necessidade de romper com uma educação bancária e anti-dialógica. A formação em agroecologia deve ser interdisciplinar, baseada na complexidade e no diálogo de saberes.

Contudo, é fundamental para que isto ocorra, reconhecer que a ciência dominante e a educação conservadora são limitadas e parciais, sendo necessário buscar outra ciência que possibilite novas relações dos seres humanos entre si e com a natureza.

Defendemos uma educação com diferentes perspectivas pedagógicas que floresçam da relação entre a ciência e os conhecimentos populares, como as pedagogias do trabalho, da autonomia, libertária, da terra, da vida, do alimento, griô, da alternância, construindo uma pedagogia socioecológica.

Ressaltamos que nesta perspectiva, a cultura é elemento político de diálogo com os territórios, uma vez que é a representação da diversidade e dos saberes populares. Ela deve compor a totalidade dos espaços educativos. As representações culturais são responsáveis pela construção de um povo. Assim, a cultura é memória e denota a necessidade de reconhecermos os saberes ancestrais, aprendendo com os mesmos e renovando-os.

Repudiamos qualquer tipo de violência contra as mulheres e defendemos a diversidade sexual e o direito às livres escolhas de gênero. Entendemos que as experiências em educação em agroecologia devem valorizar e fortalecer o protagonismo das mulheres como portadoras de conhecimentos e práticas sociais que favoreçam o avanço da construção do enfoque agroecológico.

Por fim, defendemos que o Estado brasileiro nas suas diferentes esferas reconheça todos/as profissionais que se dedicam a Agroecologia possibilitando a realização de concursos públicos, e fomentando espaços de atuação, visando o cumprimento das diversas políticas públicas que apontam a necessidade de construção de uma outra perspectiva de desenvolvimento, a exemplo da Política Nacional de Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção – PNAPO.

Por Educação em Agroecologia que considere “uma agri-cultura da alma, do território, da alegria, dos sentidos, dos tempos e dos espaços” (Déa Trancoso).

http://aba-agroecologia.org.br /wordpress/?p=2862

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