Unidade Classista na luta em São José do Rio Preto (SP)

Unidade ClassistaLenina Vernucci da Silva*

ATRIBUIÇÃO DE AULAS E A INFELICIDADE DE SER DOCENTE DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE SÃO PAULO

A Unidade Classista em São José do Rio Preto, SP, começou a tomar força com as eleições da APEOESP em maio de 2017. O Bloco de Oposição da qual faz parte conseguiu realizar um bom trabalho junto aos docentes das escolas da cidade e da região. A união decorrente do processo – que foi marcado por inúmeras tentativas da articulação em lesar o processo, impugnando urnas ou tentando roubá-las, enfim, um processo truculento como há muito ocorre com essa corrente majoritária do sindicato – fortaleceu a Unidade Classista que pôde se formalizar na cidade. Ao final do ano começaram as formações junto à categoria.

Para o processo de atribuição de aulas – momento fundamental para os docentes da Rede Pública Estadual, em que escolhem suas aulas, complementam ou ampliam carga horária ou para atuação em projetos – foi realizada uma formação técnica sobre seu funcionamento e para, assim, realizarmos uma espécie de “ponto de apoio aos docentes” nos dias em que ela ocorresse.

Camaradas Thiago Vinicius e Manoel Messias, ambos do PCB e da UC de Rio Preto, estavam presentes no momento das arbitrariedades cometidas pela Diretoria de Ensino com a categoria O

O processo de atribuição de aulas da Rede Estadual de Ensino de São Paulo ocorreu nos dias 22 a 31 de janeiro[1], envolvendo tanto professores efetivos quanto candidatos à contratação.  Foram 91 diretorias de ensino em todo o estado, 5,1 mil unidades de ensino e cerca de 370 mil professores[2] que participam do processo. Desses, cerca de 40% não são efetivos[3].

Ficamos todos os dias posicionados em uma mesa que identificamos com a bandeira da UC e que servimos café, água e orientação sobre o processo de atribuição, além de nos apresentarmos como oposição, marcando nosso posicionamento político para a construção do sindicato. Impressionante como apenas a presença já confortava os que estavam ali, torcendo para conseguir suas aulas numa mesma Unidade Escolar, com tranquilidade de horários. Infelizmente não foi assim para os professores e professoras da chamada Categoria O.

Unidade Classista na luta em São José do Rio Preto (SP)Categoria O: o terceirizado da educação e o subemprego

 O foco do presente artigo é trazer à tona a triste situação que se desenvolveu no último dia de atribuição com a Categoria O. Essa categoria é formada por docentes com contratos vigentes e candidatos à contratação (portanto, sem vínculo com o Estado) que estão sujeitos à precarização, humilhação e subemprego nas diretorias de ensino.

A subdivisão da categoria fez parte da estratégia criminosa do governo do PSDB. Divide-se a luta; a solidariedade e a coletividade se perdem. A “sopa de letrinhas” que ocorre na educação paulista faz com que a ideia de “categoria” seja um termo vazio de significado: não se reconhecem como docentes da rede pública de São Paulo, sujeitos às mesmas arbitrariedades e violências. O que foi vivenciado nesses dias de atribuição de aulas foi um verdadeiro massacre ao professorado estadual, em particular aqueles submetidos às maiores violências: categoria O.

O fenômeno não é só de São José do Rio Preto. Mas aqui adquiriu uma dimensão assustadora, pois os responsáveis pela atribuição fizeram com que algo já estressante se tornasse insustentável. Segundo o calendário (publicado em diário oficial) após o término da atribuição para os efetivos e estáveis, foi a vez dos celetistas e ocupantes de função atividade[4]. Somente após esses, no dia 31 de janeiro foi a vez dos docentes com contratos vigentes 2015/2016/2017 e aos candidatos à contratação inscritos no processo de atribuição de aulas 2018. Estes estavam já, portanto, sujeitos a pegar “as sobras”: poucas aulas e mal distribuídas nos quatro cantos da cidade e da região. Até aí nada novo sob o sol. Mas o que a categoria não contava era chegar ao local no horário publicado (repito, em diário oficial) e após esperar horas para serem chamados recebem a notícia de que “a banca de atribuição cometeu um erro com os contratos vigentes que pegaram menos aulas do que o permitido na resolução”. Pararam o processo que estava iniciado para ligar para os professores que ou já haviam ido embora (mas que não pegaram a carga horária mínima a ser atribuída) ou que sequer estavam presentes. Ao ligar, a Diretoria de Ensino fez algo inesperado: atribuição de aulas à distância!

Duas violências foram cometidas: àqueles que possuíam contrato vigente foram forçados a pegar a carga horária inicial (19 aulas) em qualquer canto, em várias escolas e horários picados, independentemente de sua vontade e, caso negassem, teriam o contrato extinto, ficando sem possibilidade de aulas ao longo do ano. Portanto, lhes foram compulsoriamente atribuídas aulas[5]. Alguns ficaram com duas aulas em uma escola, duas em outra, e assim por diante, em uma situação cujo salário não seria suficiente para compensar a distância percorrida. Os que aguardavam para ter aulas atribuídas tiveram sorte pior: após tanto tempo na fila saíram da mesma forma que entraram: sem aulas.

Vamos à lei. De fato está previsto no artigo 25 da Resolução SE 72, publicada em 22 de dezembro de 2018 que a carga horária mínima para os docentes contratados e os sujeitos à contratação é correspondente à jornada inicial de trabalho (19 aulas), mas o artigo tem algo que parece não ter sido levado em conta no processo, já que afirma que tal contratação deve ser feita “integralmente em uma única unidade escolar ou em mais de uma, se houver compatibilidade de horários e de distância entre as escolas”. Ora, como pegar cinco escolas diferentes pode ser considerado legal? Ainda que seja uma por dia, não ferindo, portanto, a questão da compatibilidade de horário, coloca o professor em uma situação absurda em relação ao seu trabalho. Não criará vínculo nas escolas, com os seus alunos e alunas e não receberá o que necessita para seu sustento (não cabe aqui analisar como o dissídio tem estado muito aquém do desejado na nossa profissão), estando sujeito a um subemprego.

Agora analisemos o que a diretoria fez: ligar para os que foram presencialmente na atribuição, mas pegaram a carga menor ainda está dentro da lei (lembrando, novamente, que forçar a pegar aulas em tantos lugares diferentes continua sendo absurdo e fere em princípio o artigo acima citado). Agora ligar para TODOS os que têm contrato vigente e que não compareceram já é algo fora de qualquer artigo da resolução mencionada. Ora, o processo é feito PRESENCIALMENTE. Os professores sujeitos à contratação ficaram horas esperando para que uma pessoa que não estava presente tivesse aula atribuída? Desrespeito não é suficiente para nominar tal fato!

Ao indagarmos os responsáveis pelo processo ficamos flutuando em interpretações da lei (“não fala que pode ligar, mas tampouco fala que não pode” foi uma das tantas justificativas). Sabemos que não é tão simples extinguir um contrato vigente, que o governo não se dispõe a abrir novos contratos (como se os contratos tivessem algum valor legal de garantias de direitos!), e que os responsáveis em nível de diretoria estão fazendo aquilo que são orientados por seus superiores, portanto, nossa luta não é aqui, mas com esses daí de cima que se divertem enquanto seus subalternos batalham entre si, colocando toda a categoria contra si mesma, dificultando qualquer união e, assim, aceitando as migalhas, as humilhações, a falta de direitos em que o professorado se encontra.

Embora muitos tenham conversado conosco, foi difícil convencer a gravarem as denúncias. Medo de perseguição e a falta de credibilidade na justiça contribuem para o marasmo da luta. Além da dificuldade em ter no sindicato fonte de confiança e respeito. Quando nos apresentamos como Unidade Classista fomos bem recebidos: percebia-se ali uma vontade de um outro sindicato. Tanto que neste fatídico dia, mesmo sem nos conhecer, confiaram em nós para colher as denúncias e buscar um respaldo.

Afirmarmos, como oposição à majoritária da APEOESP, que em um momento tenso é estratégico dizer aos trabalhadores e trabalhadoras da educação que a construção de um sindicato combativo e revolucionário não só é possível como necessário. Afinal, a classe está dividida, multifacetada e descrente. Um sindicato de luta precisa ser fortalecido, principalmente para mostrar que não se deve culpar os docentes que não estavam presentes e “ganharam as aulas”, tampouco os supervisores (a maioria claramente confusa com toda gama de orientação distinta que recebiam) e PCNPs[6] que estavam coordenando o processo. Nosso inimigo é muito claro e deve ser combatido pela via revolucionária (e não pela conciliação como querem os pelegos da articulação). Nossa luta é política, contra os mandos e desmando de um sistema cruel e mesquinho, que quer a todo e qualquer custo privatizar um direito do povo brasileiro, da classe trabalhadora!

Infelizmente já sabemos o final da historia: milhares de estudantes ficarão sem aulas, pois os docentes não conseguirão se descolar com aulas tão espalhadas. Docentes se afastando cada vez mais por motivos de saúde (já somos a segunda profissão com maior número de depressão e suicídio). Categoria cansada e humilhada demais para lutar.

Parabéns, governo do Estado de São Paulo. Cada vez mais superando o absurdo do descaso e abandono para com a educação estadual paulista. Parabéns, APEOESP, por ter ficado apenas observando sua base sofrendo. Até quando?

Ilustração:Paulo Camillo do PCB e da UC, Lenina Vernucci do PCB e da UC e Zezé da UC. Ponto de apoio aos professores e professoras durante o processo de atribuição de aula.

*Lenina Vernucci da Silva é Mestra em Sociologia pela UNESP e professora efetiva da Rede Estadual de educação de São Paulo. É militante pela Unidade Classista na APEOESP, sendo conselheira por este sindicato.

1. http://201.55.46.199/wp-content/uploads/2018/01/Portaria-Conjunta-3-de-janeiro-2018.pdf

2. Difícil precisar os dados sobre o professorado paulista, tendo em vista, principalmente, a quantidade de docentes que pedem demissões: são cerca de 330 demissões por mês, segundo dados da APEOESP (com base nos dados da própria Secretaria da Educação). Disponível em: http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias-2016/334-professores-pedem-demissao-do-estado-por-mes-em-2016-em-sp/

3. https://professortemporario.wordpress.com/2011/09/11/acaixa-preta-da-educacao-no-estado-de-sao-paulo/

4. Ocupantes de função atividade (OFA) categoria P, N e F são estáveis. Para saber mais: https://professortemporario.wordpress.com/2011/09/11/acaixa-preta-da-educacao-no-estado-de-sao-paulo/

5. Ao contrário da categoria F que pode ter aulas atribuídas de forma compulsória, o docente dessa categoria (com contrato vigente) não tem que pegar aulas caso não queira. A lei é confusa e suas brechas, obviamente não favorecem o lado mais fraco.

6. Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico, um cargo técnico que toda disciplina possui para auxiliar os docentes nas suas respectivas matérias.