O Rio virando um rio
Heitor Cesar*
Todo ano, quando ocorre um temporal como o que atingiu a cidade do Rio de Janeiro no dia 15/02, ouvimos das “autoridades” que “choveu o previsto para um mês inteiro”, “chuva inesperada”, “ninguém esperava essa quantidade de chuva”. Duas conclusões parecem obvias: o sistema de previsão de chuva não funciona muito bem e a outra é que, sabendo que as chuvas em forma de temporal costumam castigar o Rio nessa época do ano (entre os meses de janeiro e março), caberia às “autoridades” preparar a cidade para esse tipo de intempérie que já demonstrou não ser nada eventual, nem acidental, mas algo quase que certo de acontecer nesse período do ano. Todo mundo sabe que chove como se não houvesse amanhã no Rio nos primeiros meses do ano.
E como fazem isso?
A resposta é obvia, não fazem.
Pelo contrário, a cada obra que fazem só se intensifica o processo de impermeabilização da cidade. O Rio de Janeiro está se tornando uma ilha de concreto, com canais e rios canalizados, grandes áreas verdes aterradas, quadro caótico no qual ainda se soma a falta de saneamento básico em boa parte da cidade, onde as galerias de água pluviais praticamente não funcionam ou, quando funcionam, estão atreladas à rede de esgoto, também sem implementação em larga escala.
No fim das contas, quem morre, quem perde a casa, quem fica doente, quem se desespera preso no trânsito com medo do patrão, quem sofre todos os transtornos é a classe trabalhadora.
No ano que vem, possivelmente nessa mesma época do ano nos noticiários veremos as “autoridades” dizendo novamente que choveu mais do que o esperado, que foi algo extraordinário e por isso a cidade não aguentou, que choveu o previsto para um mês inteiro em algumas horas… e assim vai… a não ser que a classe trabalhadora organizada comece a mudar o curso do Rio. Os interesses privados sobre a cidade não podem se sobrepor aos interesses públicos. As obras e intervenções que a cidade recebeu e sofreu com o intuito de prepará-la para receber grandes eventos e grandes investimentos deformaram mais ainda a sua estrutura.
Historicamente, o Rio de Janeiro vem sofrendo um processo de modernização conservadora, por meio do qual os interesses empresariais e das classes dominantes se impõem como modo de desenvolvimento. Os interesses imobiliários deformaram a cidade, a transformaram em um monstro de concreto, assim como os interesses empresariais no setor rodoviário intensificaram a construção de rodovias, avenidas, que aterram, mudam paisagens naturais, modificam sem levar em conta os impactos ambientais de tais mudanças, ao invés de providenciarem ferrovias e outras formas de transportes como o hidroviário.
O Rio de Janeiro é pensado para atender interesses e negócios dos grupos dominantes e não da população, da classe trabalhadora que vive e trabalha na cidade.
O resultado é o obvio: o caos ambiental em que vivemos. Uma cidade que sofre anualmente com chuvas de verão não está preparada para aguentar chuvas de verão. Dessa forma o Rio vira um rio.
É preciso repensar a cidade e sua organização, não para atender interesses privados, mas sim para atender os interesses de quem vive e trabalha na cidade, os interesses da grande maioria, os interesses da classe trabalhadora.
Ilustração: “Tensão Intransitável”em Avenida Oliveira Belo, na Vila da Penha.
*Membro do Comitê Central do PCB