Cursinho Popular Lima Barreto: uma frente de trabalho junto aos jovens da periferia

Cursinho Popular Lima Barreto: uma frente de trabalho junto aos jovens da periferia“Quando eu entrei no Cursinho Popular Lima Barreto (indicado por meu amigo) no começo desse ano, eu estava extremamente cansada, desanimada e sem vontade alguma de estudar todas as matérias de novo e passar pelos mesmos vestibulares. Realmente achei que seria a mesma coisa que no meu antigo cursinho Etapa, que foi maravilhoso pra mim em muitas questões, só que em um cursinho popular, e foi bem diferente. Lá eu vi educadores que realmente amam o que fazem e se preocupam com o futuro dos jovens que não tem nada fácil na vida, eu tive cafés da manhã coletivos e cantei um grito de guerra, eu vi estudantes que não me olhavam como se eu fosse só mais uma concorrente a ser passada, e sim como alguém que está no mesmo barco que eles, lá eu senti liberdade em expor a minha opinião e perguntar coisas do ensino fundamental sem que me olhassem como se eu fosse burra, lá eu aprendi o que é política em seu sentido mais puro, eu tive aulas sobre assuntos além do vestibular, conhecimento que vou levar pra vida toda, lá eu senti que iria vencer junto com eles, me senti acolhida, eu entendi tambm que há coisas que não dependem só de mim, eu fui incentivada e motivada e recebia uma injeção de ânimo todo fim de semana, lá eu conheci pessoas maravilhosas que vou levar no meu coração pra sempre. Obrigada a todos vocês por essa oportunidade, por esse ano e por tudo!”[1]

Foi com este depoimento que o Cursinho Popular Lima Barreto (CPLB) terminou o ano de 2017, realizando a festa de confraternização no último dia 25/11. Toda a coordenação do cursinho pensou: MISSÃO CUMPRIDA! Este cursinho popular não nasceu com o objetivo de fazer os estudantes se transformarem em “decoradores de fórmulas e formas” para passar no vestibular. Não nasceu para ser um lugar de passagem, sem transformação dos indivíduos. Nasceu da iniciativa do Coletivo Negro Minervino de Oliveira (CNMO), que apresentou um planejamento em que estar na periferia é um dos compromissos assumidos, enquanto trabalho de base.

Hoje, finalizado o segundo ano, o CPLB é organizado tanto pelo CNMO quanto pelo Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro (CFCAM) e pelo Coletivo LGBT Comunista, além de membros do PCB e amigos, efetivamente encarregados desta tarefa. Nossa principal marca é a metodologia da Educação Popular. Nos preocupamos com o incentivo à autonomia dos estudantes, pois compreende a educação como parte do caminho a ser percorrido para a tomada de consciência. Concebemos o conhecimento como construção coletiva, porque o trata como parte constitutiva dos sujeitos, membros de qualquer comunidade. Não tratamos o conhecimento científico como algo preexistente, externo, estanque e “encoberto” em que educadores conduzem educandos em sua descoberta, sendo os últimos somente espectadores do conhecimento, como acontece normalmente nas escolas públicas formais em que nossos estudantes estão inseridos (WANDERLEI, 2010).

A Educação Popular seguida pelo CPLB tem, por característica, estabelecer uma forma diferente de aprendizagem, mas sem a ilusão de acreditar que isso seja suficiente. Diferente de muitos grupos que acreditam que partir da realidade imediata seja começar dela sem considerar todo o conhecimento científico existente anteriormente, sabemos que temos a obrigação de apresentar conceitos e categorias previamente selecionados, determinados e hierarquizados, que não levam em consideração as motivações, interesses e realidades distintas. No entanto,

[…] Acreditamos que um dos aspectos da prática educativa – consideramos mesmo um aspecto fundamental – é o de “socializar” conceitos e categorias que são ferramentas essenciais para a compreensão e transformação da realidade. Esses conceitos são evidentemente selecionados e nesse campo intervém, temos ciência disso, a escolha de categorias e conteúdos que tem por base considerações valorativas, posicionamentos de classe, visão de mundo e a subjetividade de quem seleciona (IASI, 2007, p.160).

Desta forma, nossos estudantes são introduzidos aos debates das contradições da sociedade, apresentados a posições contrárias e devem chegar a uma conclusão própria. A nós se impõe a tarefa de que os educandos tenham os elementos ainda que iniciais para compreender a realidade imediata conectada com a totalidade, compreender a necessidade de transformação da sociedade e qual seu papel nesta transformação.

Em nenhum momento esta tarefa se move perdendo o objetivo primeiro de jovens e adolescentes entrarem na universidade. A prática educativa implementada nesta experiência relaciona o cotidiano imediato dos educandos com o conhecimento universal acumulado pela humanidade, “[…] de forma que o conhecimento universal é anterior e constitui a base real pela qual se alavanca o processo educativo e o contexto imediato (incluindo aí o trabalhador, sua cultura, linguagem, valores e percepções) e o meio no qual deverá se traduzir o esforço educativo”. (IASI, 2007: 162).

Sendo assim, podemos afirmar que o conhecimento adquirido durante o processo educativo ganha sentido, na medida em que se traduz para um contexto concreto, respondendo às necessidades concretas daqueles que estão ali, assim como esse contexto só consegue ser compreendido baseando-se no conhecimento anterior transmitido pelos educadores. Desta maneira é possível perceber o progresso e amadurecimentos dos estudantes. A cada atividade formativa, materializa-se as mediações entre a realidade imediata expressa através da cultura de cada estudante e as concepções, sistematizadas ou não que estes estão apreendendo.

Outro aspecto importante para a concretização deste cursinho se dá a partir da realização de uma observação minuciosa na região da Vila Progresso, bairro da Zona Leste de São Paulo que tem índices de violência bastante altos. Tal situação é ainda mais sensível para os jovens concluintes do ensino médio, violentamente vitimados pela falta de perspectivas provocadas pela marginalização social, pela deficitária qualificação diante das exigências do mercado de trabalho e pela discriminação racial. Nas palavras de Michael Douglas Venâncio, 22 anos, aluno do cursinho em 2016:

“Quando era mais novo não acreditava que poderia estudar para ser alguém na vida, achava que ficar no bairro e vivo já era o suficiente. Estudar então sempre foi muito chato, não tínhamos algumas aulas, a escola não me ajudava”.

Bruna Pereira dos Santos, aluna do cursinho em 2016, complementa:

“Por eu sempre ter estudado em escola pública, e sabemos que o ensino é um pouco precário, e o Enem seria uma das poucas oportunidades que eu teria para conseguir entrar na faculdade, quando surgiu a oportunidade de participar eu não pensei duas vezes e resolvi participar para que eu fosse realmente preparada para o Enem”.

A implementação do cursinho se deu através da parceria com o Centro Social Marista Irmão Lourenço[2], que cedeu o espaço e a infraestrutura de uma sala de aula. O espaço possibilita uma ótima relação com a comunidade da Vila Progresso e tem um histórico de trabalhos educacionais e socioeducativos entre crianças e adolescentes, além de desfrutar de uma elevada credibilidade no bairro, decorrente dos anos de estreita relação com a população local.

Portanto, o CPLB funciona todos os finais de semana, das 9 horas até as 12 horas e 30 minutos. Atualmente são quinze coordenadores, dividindo as tarefas que vão desde o acompanhamento das aulas até a busca de professores voluntários e a relação com instituições locais e outros cursinhos populares. Durante o ano, são, ao todo, 32 encontros, com 4 aulas por final de semana, distribuídos em atividades transdisciplinares, com o objetivo de estimular o crescimento psico-sociocultural dos estudantes para enfrentar os desafios de sua realidade.

Além das aulas curriculares planejadas, também realizamos atividades extras que tem por objetivo estreitar a relação com o local em que estamos, com a comunidade em torno e com outros cursinhos populares. Realizamos em 2016, um Café das Profissões, uma caminhada de reconhecimento pelo bairro, um Seminário de formação e, em 2017, participamos da realização da II Jornada de Educação Popular.

Nestes dois anos de existência, obtivemos resultados mais que positivos: conseguimos expandir a coordenação, reforçar os vínculos com os estudantes, seus familiares e o Centro Social Marista, alcançar cerca de 700 pessoas por postagem na página do facebook (https://www.facebook.com/cplimabarreto). Em 2016, dos 35 alunos que estiveram no CPLB, seis conseguiram entrar na universidade, ou pelo SISU ou pelo PROUNI, transformando nossa atuação em algo, além de tudo, materializador de resultados.

Claro que temos desafios! O principal deles é manter uma formação eficaz e continuada dos militantes e não nos deixar atropelar pelas ações imediatistas. Além disso, precisamos nos inserir mais no bairro da Vila Progresso, conversar com simpatizantes, aproximar e estreitar laços com os professores voluntários, não esquecendo de manter a qualidade das aulas e do espaço que utilizamos. Por fim, precisamos estreitar laços também com outros coletivos partidários e nos aprofundar nos debates sobre a Universidade Popular. O CPLB é uma frente de atuação de nossa estratégia de PODER POPULAR, com a preocupação de relacionar teoria e prática. Sigamos em frente, rumo ao terceiro ano de existência!

REFERENCIAS

PEREIRA, Cristiane. Centro Social Marista Irmão Lourenço. Encontro Interdisciplinar. 2016. Disponível em https://prezi.com/yk5wy8jlrbmg/centro-social-marista-ir-lourenco/. Acessado em 15/08/2017.

IASI, Mauro. Consciência e metodologia da educação popular: contribuição à discussão metodológica. In: IASI, Mauro. Ensaios sobre consciência e emancipação. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

WANDERLEI, Luiz Eduardo. Educação Popular: metamorfoses e veredas. São Paulo: Cortez, 2010.

1. Depoimento da aluna Victoria Daniela Marques, aluna do CPLB em 2017.

2. O Centro Social Marista Irmão Lourenço, ligado à Rede Marista de Solidariedade, trabalha há 22 anos na Vila Progresso, oferecendo atividades de educação integral e projetos com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Fica situado no meio do bairro, entre as duas comunidades mais carentes. Até 2013, atendia jovens na faixa etária de 15 a 18 anos, em atividades socioeducativas e de educação profissional. Por conta das modificações internas, a partir de 2014 restringiu seu público alvo e a parceria entre o Centro Social e o Cursinho Popular Lima Barreto se mostrou importante para o atendimento desta faixa etária (PEREIRA, 2016).

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