50 anos das Greves de Contagem!
A Ousadia que Desafiou a Ditadura Militar!
Fábio Bezerra*
Em abril de 1968, há exatos 50 anos, o movimento sindical desafiava o estado de exceção instaurado com o golpe civil-militar em 1964. A greve dos trabalhadores(as) da cidade industrial de Contagem colocava em evidência a política de arrocho salarial e a redução de direitos sociais, condições imprescindíveis da política econômica da Ditadura á época. As greves operárias em Contagem (abril) e em Osasco (julho), ocorridas em 1968, demarcaram um período importante da luta sindical no Brasil e da resistência à Ditadura Militar.
Em 16 de abril iniciava-se a greve dos trabalhadores metalúrgicos numa seção da Companhia Belgo-Mineira, mobilizando cerca de 1200 operários! Mas, ao contrário do que alguns historiadores sustentam e alguns jornais à época procuraram evidenciar, o movimento paredista não foi espontâneo, nem autônomo em relação às organizações políticas que atuavam no movimento sindical em Contagem.
Segundo o dirigente sindical do PCB e diretor do Sindicato dos Tecelões no período, camarada José Francisco Néris, a greve : “(…) foi preparada com antecedência, ao menos contou com a participação de militantes do PCB, da Polop e do PCBR e alguns da ALN que desenvolviam algum tipo de trabalho nas bases, denunciando a política de arrocho e as constantes investidas do governo”.
Em 1967 o Departamento Regional do Trabalho tentou impugnar o nome que encabeçava a chapa de oposição à diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Contagem, dirigida naquele momento por pessoas de confiança da DRT e dos patrões. Ênio Seabra, destacado militante operário que atuava na Mannesman, então a maior metalúrgica do Estado de Minas, teve seu nome impugnado pela DRT, mas isso não impediu que se formasse a chapa de oposição, que continha membros do PCB e foi vitoriosa nas eleições sindicais. A chapa contava com uma plataforma ousada e que contrariava o regime ditatorial. Expulsão dos pelegos, oposição ao fim da estabilidade para a implementação do FGTS e ao arrocho salarial, organização de núcleos de base nas fábricas eram algumas das propostas da chapa vitoriosa.
Ainda em 1967, segundo Néris, alguns sindicatos em Minas tentaram formar uma Frente Sindical para combater a política de arrocho salarial. Diversas lideranças operárias do campo da oposição haviam sido demitidas arbitrariamente e ou estavam na clandestinidade devido as perseguições do DOPS. Mesmo com toda a repressão, o Comitê Intersindical Anti Arrocho foi criado no início de 1968, tendo o apoio de setores ligados à Pastoral Operária.
A agitação de base se intensificava, até porque : “(…) as correntes partidárias que estavam na clandestinidade faziam intensa propaganda anti-arrocho e em defesa da Greve”. E o que se iniciou em uma assembleia dos operários da Belgo na manhã do dia 16, como rastilho de pólvora se espalhou por toda a cidade industrial, que naquele período contava com cerca de 18 mil operários em um município que tinha 28 mil moradores. Segundo Néris, o Sindicato dos Metalúrgicos rapidamente tomou a frente nas negociações com o governo. O PCB possuía três dirigentes na Diretoria (Antônio, Joaquim Fonseca e Gaspar), os quais, nas assembleias, sempre garantiam a palavra ao diretor cassado, Énio Seabra, que se destacou na condução do movimento. Foi apresentada a proposta de reajuste de 10% no salário base, a melhoria das condições de trabalho e a não perseguição aos operários paralisados.
Após uma semana de impasses, o Ministro do Trabalho do Regime Militar, General Jarbas Passarinho, foi pessoalmente a Contagem e pediu a palavra em uma assembleia grevista, que já extrapolava os limites de Contagem e chegava as fábricas de Belo Horizonte e Sabará. O receio que o movimento se ampliasse para outros polos industriais preocupava o governo, apesar de toda a censura e a repressão.
Para a Ditadura, a continuidade da Greve seria “o início da guerra”, nas palavras de Jarbas Passarinho! A Polícia Militar do Estado de Minas foi acionada e diversos regimentos do interior se mobilizaram e ocuparam as ruas da cidade Industrial, reprimindo as assembleias de turno de forma violenta! No mesmo dia, diversas diligências da PM, em conjunto com as chefias das fábricas, percorreram as vilas operárias intimando os trabalhadores e as trabalhadoras a retornar ao trabalho, sob pena de demissão sumária. O Sindicato foi ocupado pelas tropas da PM, e diversos diretores foram presos e torturados. O governo e os patrões partiam para a contraofensiva.
Ao contrário do que muitos esperavam, a greve continuou na maioria das fábricas. Nas que retornaram, sob coerção brutal, muitos operários paralisavam as atividades em turnos específicos, por várias horas em protesto contra as prisões arbitrárias e a repressão violenta. Há relatos de que, em muitos bairros operários, ocorreram o toque de recolher, após as 20 horas, como forma de se tentar evitar reuniões clandestinas dos grevistas.
Mas de nada adiantou: o movimento paredista continuava. As vésperas do 1º de Maio, o General Costa de Silva, que ocupava a presidência, anunciou em cadeia de rádio a extensão do abono salarial de 10% para todos os trabalhadores no Brasil. Naquele momento, chegava ao fim a primeira grande greve de resistência política e com reivindicações da classe trabalhadora no período da Ditadura Militar. Apesar de não terem conquistado todas as reivindicações e o sindicato ter ficado durante anos sob intervenção da DRT, o dirigente sindical José Francisco Néris considerou o feito uma grande vitória da classe trabalhadora e das organizações de esquerda, pois : “(…) muitos não acreditavam que seria possível uma vitória e, para nós, ter conseguido aquele reajuste, mesmo sendo um abono, naquelas condições, foi uma grande vitória da resistência e da unidade(…)”.
Mais do que o reajuste, a greve expôs os limites e a truculência do Regime, possibilitou aos operários em Contagem experimentar o empenho da ousadia e descobrir a força do movimento de massas. Ainda haveria outra greve naquele ano, mais precisamente em outubro, de menor duração, mas com significativa intensidade (chegou a mobilizar 20 mil operários). Nesse período, comissões de fábrica foram organizadas para operacionalizar as ações grevistas e driblar a repressão, grupos de autodefesa também foram organizados para proteger os dirigentes das comissões de fábricas nas assembleias e nas negociações, e um fundo de reserva criado para manter as famílias dos operários contou com a solidariedade de outras categorias e sindicatos.
Em julho de 1968 ocorreria, em Osasco, uma greve dos metalúrgicos que teve início na Cobrasma e mobilizou milhares de operários. Tudo indica que, meses antes, lideranças do movimento sindical em Osasco estiveram em contato com as lideranças mais destacadas da greve de Contagem, para apreenderem as táticas de mobilização, agitação e manutenção da greve.
O lastro de resistência e ousadia se espalhava pelos centros industriais do país, e isso atemorizava tanto a burguesia quanto o Regime Militar, que já se preocupava com as constantes manifestações estudantis e o crescente movimento de oposição que se organizava no país. Era, pois, necessário para os golpistas desenvolver outra estratégia para reprimir as manifestações de oposição e garantir a continuidade do ciclo de reformas conservadoras em curso.
Em 13 de dezembro daquele mesmo ano, o Regime Militar decretada o famigerado Ato Institucional nº 05 (AI-5) que suspendia o Congresso, fechava partidos, restringia direitos políticos e civis e sepultava os últimos resquícios de democracia no país. Dezenas de sindicalistas e dirigentes foram, a pretexto da Lei de Segurança Nacional, presos e exterminados. O direito à greve, na prática, era suspenso e os sindicatos eram fechados ou sofriam intervenção, o que sacramentaria um longo período de ostracismo e derrotas do movimento popular, em especial o movimento operário e sindical brasileiro. Apenas com a intensificação da crise econômica em fins da década de 1970, mais precisamente 10 anos após as greves de 1968, foi possível ver ressurgir com significativa força a luta sindical, mais autônoma e crítica.
As greves de Contagem e Osasco foram greves históricas e que merecem ser celebradas, estudadas e divulgadas como exemplos de resistência, coragem e ousadia necessárias à luta dos(as) trabalhadores(as) e que, mesmo em conjunturas adversas, cujos cenários sejam profundamente desfavoráveis, nada deve parecer ser impossível de mudar, tampouco menosprezar o trabalho diuturno do justo combate de ideias e ações incisivas, pois sempre haverá a possibilidade de a indignação despertar, na mente e nos corações, a revolta que materializa os sonhos em realidade e que põe em movimento a roda da história.
*Professor de Filosofia e membro do Comitê Central do PCB