Olho Vivo 001

No centro de uma pequena igreja no extremo oeste do Amazonas, em Tabatinga (região da tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru), a figura de um homem chama a atenção. Ele caminha de um lado para o outro, fala espanhol e tenta dar uma palavra de conforto a cerca de cem haitianos que chegam ao local todos os dias por volta das 12 horas. A paróquia está lotada, mas o grupo de estrangeiros não quer rezar. Famintos, buscam a única refeição que conseguirão durante o dia.

“Todo dia é assim, eles vêm para matar a fome. Muitos chegam aqui sem comer há dois, três dias. São alimentos que a gente consegue arrecadar com conhecidos, com frequentadores da paróquia, com nosso próprio dinheiro”, diz o padre colombiano Gonzalo Franco, durante uma visita realizada em outubro à localidade.

Na definição dos haitianos, Gonzalo é o “protetor” deles em Tabatinga. O “anjo da guarda”. Para Gabriel, de 27 anos, que aguarda sentado em um dos bancos da igreja, se o padre não vivesse em Tabatinga, grande parte de seus compatriotas chegados à cidade “já teria morrido de fome”.

A casa do religioso é separada da igreja por um corredor. Nele os primeiros haitianos reunidos à  sombra da paróquia esperam na “fila da fome”. Em pouco tempo, homens, mulheres e crianças aguardam em pé, disciplinados, um prato de arroz, feijão, frango e salada. A comida é racionada.

No refeitório improvisado, o padre Gonzalo conta que para os haitianos o Brasil equivale aos Estados Unidos para os brasileiros. “A Copa do Mundo, as Olimpíadas, tudo isso na cabeça deles cria um mundo de oportunidades. Só que chegam aqui e ficam sem emprego, sem moradia, sem alimentação, sofrendo uma outra calamidade.”

Em Tabatinga, os haitianos vivem em algumas casas que, por intermédio do padre, conseguiram encontrar. Uma “casa-base”, emprestada pelo proprietário, fica a seis quadras da paróquia. Na curta caminhada, as roupas ficam ensopadas com o calor de 40 graus. No interior do imóvel, com três cômodos, há apenas uma pequena janela. Não há luz nem água. O calor é sufocante.

Numa única casa, cerca de cem haitianos se amontoam pelo chão sobre lençóis velhos e papelão. Todos têm algo em comum: deixaram para trás um país dizimado pelo terremoto. E também o túmulo de parentes mortos na tragédia. Desde a catástrofe que arrasou o Haiti e matou mais de 220 mil pessoas, em janeiro de 2010, cerca de 2 mil habitantes daquele país já chegaram ao município amazonense (em todo o Brasil, são 4 mil, mais da metade deles irregulares). Seguem em Tabatinga pelo menos 1,2 mil, nas contas do padre. “Mas todo dia chegam outros.”

Um deles, Ernesto, de 34 anos, morador da capital, Porto Príncipe, reconstitui o roteiro de sua viagem. “Saí de Porto de ônibus até a República Dominicana. De lá, dois aviões, um para o Panamá e outro até o Equador. Após chegar ao Equador peguei outro ônibus, até o Peru, de onde cruzei de barco até Tabatinga.”

As embarcações que chegam do Peru atravessam o Rio Solimões e alcançam o lado brasileiro, aparentemente sem problemas. O preço da viagem: 3 mil dólares, pagos a “coiotes” (traficantes de pessoas) que prometem uma vida de oportunidades no Brasil. A presença dos haitianos em Tabatinga mudou a paisagem da pobre cidade de 52 mil habitantes, com consequência no atendimento dos postos de saúde e do hospital. É comum encontrar grupos vagando pela cidade, sem nada para fazer, ou dormindo em praças. Alguns conseguem subempregos como vendedores de picolé ou de jornal. O que mais se vê são haitianos pedindo trabalho, quase nunca esmola.

A presença dos haitianos em Tabatinga chamou a atenção da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF). Foi o maior reforço para os trabalhos do padre Gonzalo desde o início da diáspora. Desde dezembro, a entidade iniciou a distribuição de 1,3 mil kits de higiene pessoal e de limpeza. O primeiro passo para melhorar as condições básicas de vida dos imigrados, diz a coordenadora do trabalho da ONG no município, Renata de Oliveira Silva. “Isso é essencial para evitar a deterioração de sua saúde e uma série de distúrbios psicológicos.”

Em uma das casas visitadas pela ONG, cerca de 40 pessoas dividiam uma única latrina.

Tabatinga não é, obviamente, o ponto principal. O objetivo é um só: seguir viagem em direção a Manaus, em busca de trabalho e oportunidades. Precisam, para tanto, de uma autorização do governo federal. Operação demorada, o número de entrevistas da Polícia Federal sediada em Tabatinga com estrangeiros gira em torno de 25 por semana, o que é insuficiente.

A situação difícil em que vivem os haitianos no Brasil se repete também no Acre, na cidade de Brasileia. Lá, cerca de 1,2 mil enfrentam as mesmas dificuldades. A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República promete acolher os haitianos que estão nos estados do Amazonas e do Acre. “É um compromisso de humanismo”. No entanto, para o padre Gonzalo, o governo federal precisa “com urgência” agilizar os trâmites na liberação da entrada dos haitianos no País. “Tabatinga representa uma espécie de limbo aos haitianos, eles não têm como seguir viagem sem a autorização, mas também não podem voltar, já que não dispõem de dinheiro algum.”

Na terça-feira 10 o governo federal anunciou uma série de medidas após reunião entre a presidenta Dilma Rousseff e quatro ministros. Uma das medidas visa a conter o fluxo de deslocamento deles ao Brasil. Para isso, determinou que só serão aceitos os haitianos que tenham visto concedido pela Embaixada do Brasil no Haiti. Quem estiver em situação irregular poderá ser deportado. Os vistos permitirão a permanência no Brasil por cinco anos para quem vier para atividade de trabalho regular, segundo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Aqueles que entrarem depois estarão em situação irregular e, como qualquer outro estrangeiro nessa condição, -serão -notificados e extraditados”, disse ele.

O governo também decidiu que os haitianos não poderão entrar no País na condição de refugiados políticos, por decisão do Conselho Nacional para os Refugiados (Conare). O entendimento é que os haitianos deixam o país em razão da vulnerabilidade econômica local. O patrulhamento nas áreas de fronteiras deverá também ser reforçado.

A presidenta tem viagem marcada ao Haiti para 1º de fevereiro. Na pauta com o presidente Michel Martelly estarão acordos de cooperação entre os dois países. Mas em Tabatinga a esperança é que ao menos um tema seja priorizado pelos chefes de Estado: o sofrimento de -haitianos em solo brasileiro.

 


Avanço da Embraer no campo militar depende do governo, diz analista

BBC Brasil

Por João Fellet

Embora a venda inédita de vinte Super Tucanos da Embraer para os Estados Unidos reforce o sucesso comercial dessa aeronave militar, o avanço da empresa no mercado de armamentos requer um maior endosso do governo brasileiro, segundo Thomaz Costa, professor da National Defense University, em Washington.

“A compra é episódica, não significa que marque alguma tendência (de maior participação da Embraer no mercado militar)”, disse ele à BBC Brasil. Segundo Costa, que é brasileiro, o avanço da empresa no setor depende de encomendas do governo brasileiro e do que ela pode fazer para aumentar a produção de componentes no Brasil.

“O desenvolvimento de equipamentos militares leva vários anos e é muito custoso; o governo precisaria bancá-lo”, afirma. Ele acrescenta, no entanto, que o Planalto não tem demonstrado intenção de investir no setor militar, citando como exemplo a indefinição para a compra de caças para as forças brasileiras.

Em 2010, após vários anos de especulações, surgiram rumores de que Brasil e França haviam fechado um acordo para a venda de 36 caças franceses Rafale à Força Aérea Brasileira (FAB), ao custo de cerca de US$ 6 bilhões (R$ 11 bilhões).

No entanto, a negociação jamais foi concretizada e gerou polêmica, já que um relatório técnico da FAB teria revelado que o Rafale era inferior aos seus dois concorrentes na disputa – o caça sueco Gripen e o americano F-18, da Boeing.

Para Costa, sem o endosso do governo brasileiro, o avanço da Embraer no mercado dependeria de parcerias com empresas estrangeiras e oportunidades pontuais.

“Como a Embraer é uma empresa de capital aberto, os investidores buscarão sempre as melhores oportunidades, não necessariamente no campo militar”. Ele afirma ainda que a expectativa de que a companhia amplie nos próximos anos as vendas para o governo dos EUA poderá ser frustrada por cortes no orçamento militar do país, que tornariam o mercado americano ainda mais competitivo.

Aeronave ‘madura’

Mesmo que considere incerta a evolução da Embraer no setor de armamentos, o professor diz que o acordo para a venda de Super Tucanos aos Estados Unidos “demonstra a maturidade” da aeronave, desenvolvida há cerca de 30 anos.

Segundo o Pentágono, os aviões serão repassados ao Corpo Aéreo do Exército Nacional do Afeganistão, onde serão usados para combater grupos insurgentes.

De acordo com Costa, o emprego dos Super Tucanos no país se justifica pelo sucesso obtido pela aeronave em operações de combate às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em território colombiano. “Como o Afeganistão, a Colômbia é um país de vales. A compra faz sentido, porque o apoio aproximado para ataques em solo de vales requer aviões com grande capacidade de carga, velocidade baixa e capacidade de manobra eficiente – todas essas são características do Super Tucano”.

Firmado ao custo de US$ 355 milhões (R$ 650 milhões), o contrato para a venda dos vinte aviões foi o primeiro entre a Embraer e a Defesa americana e prevê ainda o treinamento de pilotos e a manutenção das aeronaves. A companhia terá 60 meses para entregar os equipamentos.

 


Estados Unidos e Israel adiam exercícios militares conjuntos

O Globo

JERUSALÉM – Os EUA e Israel adiaram até o fim do ano um exercício militar conjunto que seria realizado nas próximas semanas, informou uma fonte de segurança israelense à Reuters, neste domingo. “Posso confirmar que o exercício foi adiado, provavelmente para o final de 2012”, disse a fonte, que não quis se identificar.

O exercício de defesa aérea, chamada “Desafio Austere 12”, deve ser o maior exercício já  feito entre os dois aliados, que organizam regularmente manobras militares conjuntas. A imprensa israelense disse que originalmente a movimentação foi cancelada devido a restrições orçamentárias, mas alguns analistas especularam que a verdadeira razão foi evitar aumentar ainda mais as tensões com o Irã, embora a fonte do governo tenha negado a informação, quando questionada. “É por uma série de razões, principalmente logísticos, mas não pela razão que você citou (tensões com o Irã). Israel e os EUA devem divulgar uma declaração conjunta em breve”, disse a fonte.

Israel vê os resultados do enriquecimento de urânio do Irã e os projetos de mísseis como uma ameaça mortal, e os líderes do Estado judeu não descartam o uso da força militar para detê-lo. O Irã diz que seu programa nuclear é para fins exclusivamente pacíficos.

Tensões entre Washington e Teerã  têm aumentado nas últimas semanas, depois que presidente dos EUA, Barack Obama, assinou uma lei na véspera do Ano Novo. Se ela for totalmente implementada, tornará impossível para a maioria dos países pagar pelo petróleo iraniano. O Irã ameaçou fechar o Estreito de Hormuz, uma das mais importantes rota de navegação petrolífera do mundo, se as sanções impedirem o país de exportar petróleo. Os EUA avisaram que não irão tolerar tal movimento.

 


Brasil avança lentamente na classificação das agências de rating

O Globo

RIO — Enquanto os países europeus mais endividados podem sofrer novos cortes em suas notas de classificação de risco, o Brasil segue escalando lentamente pelas tabelas das agências de rating. Segundo economistas, o pouco tempo de estabilidade macroeconômica, a insegurança jurídica de contratos e problemas sociais ainda impedem notas melhores para o país.

Pela agência Standard & Poor’s (S&P), a mesma que rebaixou as notas dos países europeus na última sexta-feira, o Brasil tem um rating BBB. Essa nota é menor que a atribuída aos títulos do África do Sul (BBB+), Chile (A+) e China (AA-). É maior, por outro lado, que a nota da Índia (BBB-). E empata com México e Rússia, ambos com BBB.

Essas notas refletem a capacidade de cada país de pagar suas dívidas. Elas são usadas por investidores como referência sobre o risco dos títulos soberanos que estão comprando. Quanto pior a nota, mais juros um país precisa pagar para conseguir captar recursos no mercado.

Segundo Cristiano Souza, economista do Banco Santander, o controle de inflação brasileiro tem se provado eficaz no Brasil, mas segue muito recente para os critérios adotados pelas agências. O Plano Real completa 18 anos em julho próximo.

— Entre os emergentes, o Brasil está com uma fotografia boa. O controle de inflação está se provando, e ainda tem o que se provar. Existem ainda avanços a serem feitos em ética pública, segurança. Mas o caminho está correto.

Souza chama atenção para o fato de a nota de classificação de risco brasileira ser melhor que a do México, que foi durante muitos anos a menina dos olhos dos investidores na América Latina.

— O país sofreu um dessaranjo macroeconômico, com problemas graves de violência e tráfico de drogas.

O país é grau de investimento – nível seguro para se investir – nas três principais agências: Standard & Poor’s (BBB), Fitch (BBB) e Moodys (B3).

Para Alex Agostini, economista da Austin Ratings, o avanço brasileiro nas tabelas das agências será cada vez mais lento. Segundo ele, o país precisa aumentar sua participação na corrente de comércio mundial e reduzir sua dívida interna líquida.

— Com tempo, melhora do rating tende a ser menor do que no passado. Não vamos ver saltos no rating. Mas o Brasil vai ter uma classificação melhor do que muitos países europeus — explica Agostini.

 


França rejeita novas medidas de austeridade após rebaixamento

O Globo

BERLIM – A França não vê necessidade de lançar novas medidas de austeridade, após perder sua classificação máxima AAA da agência de classificação de risco Standard and Poor’s, informou o ministro das Finanças do país, François Baroin, a um jornal alemão.

– Estamos confiantes de que as medidas já tomadas serão suficientes para atingir as metas para a redução do déficit público em 2012 – disse Baroin ao Frankfurter Allgemeine Zeitung. -Assim, não haverá novas medidas para a consolidação orçamentária- disse ele, acrescentando que Paris vai se concentrar em reformas estruturais para melhorar a competitividade, incluindo a redução de custos trabalhistas.

A S&P rebaixou a classificação de crédito de nove países da zona do euro na sexta-feira. França e a Áustria perderam seus cobiçados status AAA. Em sua primeira aparição pública desde o anúncio do rebaixamento da classificação de risco do país, o presidente Nicolas Sarkozy disse que a França deve ter coragem e calma para tomar decisões difíceis para superar a crise financeira. Ele ainda prometeu fazer um pronunciamento à nação no fim do mês sobre o assunto, durante uma cerimônia na cidade de Amboise marcando os cem anos de nascimento de Michel Debré, pai da atual Constituição francesa.

Mesmo apelando para a coragem dos franceses a fim de enfrentar a crise, Sarkozy não citou a decisão da S&P nem rebateu as críticas da oposição, de que o rebaixamento seria uma das políticas do governo, não do país. Com o primeiro turno das eleições presidenciais em abril, os demais candidatos voltaram a artilharia contra Sarkozy, culpando-o pelo rebaixamento.

Na entrevista ao jornal alemão, Baroin também disse que os rebaixamentos não impediriam a Europa de acelerar o lançamento de seu fundo de resgate permanente, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MES), este ano.

– Essa aceleração é possível, sem alterar substancialmente o equilíbrio financeiro da França – disse ele, acrescentando estar confiante de que o atual Fundo Europeu de Estabilidade Financeira vai operar sem restrições devido aos rebaixamentos.

 


Tesouro Direto rende até  16% e cresce na crise

O Globo

RIO – Com as fortes perdas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) por causa da crise, o Tesouro Direto foi um dos destinos favoritos das pessoas físicas no ano passado. O programa criado para popularizar os títulos da dívida pública — e que completou dez anos no começo de janeiro — encerrou 2011 com vendas de R$ 3,5 bilhões, um crescimento de 58% em comparação ao ano anterior. O retorno dos títulos variaram de 9,26% a 16,35%, um desempenho até superior aos juros básicos do país, a Selic, hoje em 11% ao ano. Segundo especialistas, o Tesouro Direto vai continuar uma das melhores aplicações neste ano, mesmo com os cortes previstos para os juros brasileiros.

Para quem quer investir no Tesouro Direto, o caminho é abrir uma conta em uma corretora de valores e se informar sobre os títulos públicos que tendem a render mais nos próximos meses. Uma dica é montar a carteira com diferentes tipos de títulos, entre prefixados e pós-fixados, e com variados vencimentos de médio prazo.

A Ágora Corretora, por exemplo, recomenda aos clientes aplicar 60% do dinheiro em NTN-Bs (Notas do Tesouro Nacional da série B), com vencimento em maio de 2015 e maio de 2017. Esses títulos rendem a inflação do período e mais uma taxa de juros prefixada, acertada da hora da compra. Outros 20% em LTNs (Letras do Tesouro Nacional), que são prefixados, com vencimento em janeiro de 2015. E, por fim, mais 20% em LFTs (Letras Financeiras do Tesouro), pós-fixados, com vencimento em março de 2017.

Mercado prevê  corte da Selic em 0,5 ponto nesta semana

Segundo Hélio Pio, gerente comercial da Ágora, a estratégia da carteira é proteger o investidor dos riscos inflacionários existentes e, ao mesmo tempo, buscar oportunidades de ganhos nos títulos prefixados.

— Com a expectativa de queda dos juros para incentivar a economia, a LTN está tendo uma procura grande. E se a perspectiva de corte dos juros se concretizar, esse título pode ter um rentabilidade superior — explica o gerente. — Mas sempre lembramos os clientes que, nesses títulos prefixados, o investidor precisa aguardar o vencimento para ter todo o retorno previsto. Se vendê-lo antes do vencimento, o ganho é menor.

Flavio Lemos, diretor da Trader Brasil Escola de Investidores, recomenda uma carteira com 40% de LFT, 10% de LTN e 50% de NTN-B Principal. Neste último caso, a preferência pela NTN-B do tipo Principal é tributário: esse papel não paga os juros semestrais, que sofrem recolhimento de 22,5% de Imposto de Renda (IR).

— Em vez de virar imposto, os juros semestrais continuam rendendo. É uma aplicação melhor — explica Lemos.

O mercado financeiro prevê atualmente a Selic em 9,5% ao fim deste ano, o que implica corte de 1,5 ponto percentual na taxa até dezembro. O primeiro corte deve ocorrer na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que termina nesta quarta-feira. O corte previsto para a reunião é de 0,5 ponto percentual. Já a inflação pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está projetada em 5,31% ao fim deste ano, segundo as estimativas compiladas pelo boletim Focus, do Banco Central (BC).

Especialista em finanças, o professor Alexandre Espírito Santo, da ESPM, tem uma recomendação um pouco diferente dos colegas de mercado. Ele sugere concentrar as compras em títulos prefixados, as LTN, em vez de diversificar a carteira. Isso porque o professor acredita num corte da Selic para 9% ao fim do ano, maior que a do mercado.

— Quem estiver com esses títulos vai ter um retorno bom — explica o especialista.

Site do programa tem lista de corretoras participantes

Segundo os dados do Tesouro Nacional, 61.716 novos investidores se cadastraram no Tesouro Direto no ano passado, elevando para 276.373 o total de investidores do programa. Isso representa um aumento de quase 30% sobre o ano anterior.

Entre os novos investidores do Tesouro Direto, a economista Bruna Deboni, de 28 anos, comprou títulos públicos prefixados, com vencimento em 2015, acreditando que a taxa básica de juros será cortada.

— Fiquei surpresa pela facilidade de investir e pelos custos menores em comparação a um fundo de investimento oferecido por bancos, que cobra tarifas de 2,5% a 3% — explica Bruna, cliente da Ágora Corretora, e que vendeu suas ações em 2011.

O primeiro passo para investir no Tesouro Direto é estar cadastrado em uma corretora. No site do programa (www.tesourodireto.gov.br) há uma listas das corretoras participantes e os custos de operação. As corretoras não cobram taxa de administração para a compra do título, apenas de corretagem (algumas não cobram nem mesmo essa taxa).

Quando vender os títulos ou eles vencerem, o investidor precisa lembrar que vai pagar imposto. Essa tributação é por uma tabela regressiva, que começa em 22,5% dos lucros das aplicações de até 180 dias corridos. Essa alíquota cai para 20% entre 181 e 360 dias, 17,5% para 361 a 720 dias e 15% para investimentos por mais de 720 dias.

Neste ano, o Tesouro Direto deve ganhar novas regras que vão facilitar mais o acesso aos pequenos investidores. O valor mínimo de aplicação vai cair de R$ 100 para R$ 30 e será  possível deixar programada a compra e venda dos títulos.

 


Economia voltou a crescer em novembro, diz BC

O Globo

SÃO PAULO e BRASÍLIA — A economia brasileira voltou a crescer em novembro, interrompendo uma sequência de três meses de queda, mostraram dados do Banco Central nesta segunda-feira. Os números foram divulgados a dois dias da decisão de política monetária, na qual espera-se que a Selic sofra novo corte de 0,5 ponto percentual. O IBC-BR, índice criado pelo Banco Central para estimar a evolução do Produto Interno Bruto (PIB), indica que o nível de atividade econômica do país experimentou recuperação em novembro de 2011. Na versão dessazonalizada, o IBC-BR subiu 1,15% em novembro, em relação ao mês anterior.

No acumulado dos primeiros onze meses de 2011, o IBC-BR indica crescimento econômico, porém, modesto. O avanço foi de apenas 2,84% em relação a igual período de 2010, na série sem ajustes sazonais, o que reforça a revisão feita pelo Banco Central na projeção para o PIB do ano passado.

No último relatório trimestral de inflação, divulgado em dezembro, o BC informou que projeta para 2011 um crescimento de 3%, percentual inferior aos 3,5% projetados no relatório de setembro. O dado referente ao período de doze meses terminado em novembro de 2011 aponta na mesma direção. O IBC-BR aumentou, na série sem ajustes, 2,97% sobre os doze meses anteriores, divulgou ainda o BC.

De acordo com o relatório Focus do BC, o mercado espera que a economia tenha crescido 2,84%, segundo a mediana das estimativas. Se confirmado, o número marcará uma forte desaceleração ante o crescimento de 7,5% registrado em 2010.

O IBC-Br incorpora variáveis para o desempenho dos três setores básicos da economia: agropecuária, indústria e serviços. Devido a essa abrangência, o cálculo mensal do BC antecipa um indicador similar ao PIB, soma das riquezas produzidas no país e medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No terceiro trimestre, o PIB brasileiro ficou estagnado ante os três meses anteriores, levando o governo a anunciar um pacote de medidas para dar novo estímulo à economia, sobretudo pelo canal do consumo das famílias, que nos últimos anos tem sustentado o crescimento e que registrou queda entre julho e setembro.

O BC também agiu para dar suporte à  atividade ao iniciar em agosto um ciclo de afrouxamento monetário, surpreendendo parte dos agentes e utilizando como justificativa as incertezas no cenário internacional. Desde então, a autoridade monetária já cortou o juro em três ocasiões, cada uma em 0,5 ponto, em meio à desaceleração na economia brasileira diante do agravamento na crise de dívida na Europa.

O Comitê de Política Monetária (Copom) inicia na terça-feira o encontro que decidirá no dia seguinte o rumo da Selic, juro básico da economia. Com base no relatório Focus e a curva futura de juros, o mercado financeiro prevê um corte de 0,5 ponto percentual, que levaria a taxa -hoje em 11%- para 10,5%, menor nível desde julho de 2010, quando estava em 10,25%.A dúvida de investidores recai sobre as próximas duas reuniões, em março e abril. O relatório Focus mostra mais duas quedas de 0,5 ponto cada, mas a curva futura de DI indica um mercado ainda dividido entre um corte de 0,25 ponto e de 0,5 ponto, e sem expectativa de redução na taxa no restante do ano.

 


Brasil quer facilitar vistos para profissionais estrangeiros

O Globo

RIO e MADRI – Em vez de fila de espera, tapete vermelho. Se depender da equipe formada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) para elaborar uma política nacional de imigração, é assim que o governo pretende tratar o profissional estrangeiro altamente qualificado que demonstrar interesse em trabalhar no Brasil. Por outro lado, a fila do visto será mantida para o imigrante sem qualificação, como boa parte dos haitianos que chegaram recentemente pela fronteira norte do país (Acre e Amazonas).

Coordenador do projeto, o economista Ricardo Paes de Barros disse que, se o governo for cuidadoso, poderá  abrir um novo ciclo de imigração europeia para o Brasil. Para isso, terá de remover as dificuldades que emperram o processo de concessão de vistos. Embora alterado por atos administrativos ao longo dos anos, é ainda o Estatuto dos Estrangeiros, uma lei de 1980, quando o país ainda vivia sob o regime militar, que define as regras de autorização de trabalho.

— Como o Brasil é agora uma ilha de prosperidade no mundo, há muita gente de boa qualidade que quer vir. Mas a fila do visto é a mesma para todos. Não estamos olhando clinicamente para ver quem vai trazer tecnologia — disse Ricardo.

De janeiro a setembro do ano passado, o Ministério do Trabalho concedeu 51.353 autorizações de trabalho a estrangeiros, um aumento de 32% em relação ao mesmo período do ano anterior. Para obter o visto, o interessado, entre outras exigências, é obrigado a comprovar sua qualificação com documentos autenticados pela rede de consulados brasileiros. Para especialistas, as regras são rigorosas e subjetivas demais.

— Se quisesse trazer o Pablo Picasso, que tipo de documento eu teria de apresentar para provar que ele é pintor? — ironizou o advogado Giovani Lara dvos Santos, sócio de um escritório especializado na regularização de estrangeiros.

O espanhol Javier García-Ramos, de 41, reforçará em breve as estatísticas sobre o crescimento de imigrantes. Dentro de duas semanas, se o visto sair, ele decolará de Madri para tentar uma vida nova em São Paulo. Por causa dos últimos quatro anos de crise econômica, o número de espanhóis no Brasil cresceu, pelo menos, 45%. É um perfil de profissional que escapa entre os dedos da castigada Espanha e que parece interessar às empresas brasileiras, que os recebem com bons salários e participam, junto com o futuro empregado, do laborioso trâmite de solicitação de visto.

— A burocracia é mais complicada do que eu imaginava. O consulado brasileiro não serviu muito —- queixou-se García-Ramos.

O espanhol resolveu contratar uma empresa brasileira de consultoria jurídica em imigração, indicada pela Câmara de Comércio Brasil-Espanha, para agilizar o processo:

— Não atrasarei minha viagem por causa do visto. Enquanto isso, vou aprendendo português e conhecendo melhor o país.

SAE quer propor processo seletivo

A primeira versão do projeto da SAE, elaborada por uma equipe formada por economistas, juristas, demógrafos e sociólogos, deverá sair em dois meses. Os responsáveis admitem que o objetivo é propor o que Paes de Barros chama de processo de imigração seletiva, que priorize a “drenagem de cérebros”, mas estabeleça limites para os estrangeiros que chegam fugindo da pobreza de seus países.

— É preciso definir até onde irá a nossa generosidade. Como vamos contribuir para aliviar a pobreza do mundo e absorver essas pessoas. Solidariedade tem de ter limite e caber dentro do que o Brasil pode ajudar — disse Ricardo.

A inspiração para o projeto, explicou o economista, é a política de imigração praticada pelo Canadá e pela Austrália, países que mantêm as portas abertas para os profissionais estrangeiros:

— Na década de 30, São Paulo recebeu muitos imigrantes europeus. E eles chegaram com a capacidade de fazer coisas, como operar as máquinas a vapor.

Para o ministro-chefe da SAE, Moreira Franco, conceder vistos é também transferir tecnologia.

— Não se transfere comprando produtos lá fora. É preciso drenar os cérebros. Tecnologia está na cabeça das pessoas — observou, de olho na massa de desempregados produzida pela crise na Europa.

Executiva de uma agência de viagens, Maria Sanches está entre os 87 mil espanhóis registrados como residentes no Brasil. Ela chegou em São Paulo em 2008 e vai renovar pela quarta vez o visto de trabalho:

— A impressão que tenho é que a Espanha está se desintegrando.

Em vez de enfrentar a burocracia dos vistos, a empresa de engenharia Technip optou por montar uma filial em Lisboa. Aberta no ano passado, ela já trabalha com 45 profissionais portugueses empregados no desenvolvimento de projetos ligados às áreas de óleo e gás no Brasil, sem perder o conteúdo nacional.

Diretor de RH da Technip, Nelson Prochet disse que a empresa enfrenta dificuldade para contratar engenheiros brasileiros porque o mercado está aquecido e falta gente.

O governo passado também tentou criar uma política nacional de imigração. O secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, disse que o Ministério da Justiça chegou a encaminhar o projeto à Casa Civil, mas o presidente Lula não o assinou.

 


Previdência de empresas cresce mais que individual

Folha Online

As aplicações nos planos de previdência empresariais cresceram, em 2011, em ritmo maior que as feitas nos planos individuais, informa reportagem de Carolina Matos publicada na edição desta segunda-feira da Folha.

A íntegra está disponível para assinantes do jornal e do UOL (empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha).

É a primeira vez que isso acontece desde que o modelo PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) começou a ser vendido no país, em 1998. Este plano é o que permite o abatimento no IR. Já o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) não prevê o desconto.

Segundo dados da Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida), a captação dos planos corporativos de janeiro a novembro de 2011 foi de R$ 5,8 bilhões, 25,4% maior que no mesmo período de 2010.

Já a aplicação nos planos individuais, que não têm vínculo com empregadores, subiu 16,9% –percentual menor, embora o total investido nesses produtos seja bem mais alto, R$ 39 bilhões.

 


País tem pacto antiliberal entre elites e governo, diz Persio Arida

Folha Online

O Brasil foi o último país a ter escravidão. Foi o último a ter hiperinflação e tem um regime de remuneração do FGTS que prejudica os trabalhadores. Demorou muito para criar a Comissão da Verdade para apurar crimes da ditadura. Por detrás desses fatos está um pacto antiliberal formado entre elites e governo.

A análise é do economista Persio Arida, 59, um dos idealizadores do Plano Real, que enxerga um denominador comum entre escravidão, hiperinflação e FGTS: “os mais prejudicados são os mais pobres, sempre”.

Ex-presidente do Banco Central e hoje sócio do banco BTG Pactual, ele avalia que o primeiro ano do governo Dilma Rousseff foi bem-sucedido do ponto de vista macroeconômico. “É um governo mais austero”, declara. Mas diz não gostar do que define como “uma tendência protecionista”, revelada do caso do aumento do IPI para os automóveis importados. “Se está protegendo um grupo de multinacionais contra outro grupo de multinacionais”, afirma.

Arida ataca também o novo reajuste do salário mínimo que, para ele, não distribui renda nem dinamiza a economia e vai “na contramão de tudo que o país precisa”.

Ex-presidente do BNDES, ele discorda da atual política da instituição de fortalecer os chamados “campeões nacionais”, os grandes grupos. Na sua visão, “quem tem acesso ao mercado de capitais privado não deveria usar recursos do BNDES”.

Arida prevê uma trajetória de recuperação para os Estados Unidos e acha que a desaceleração suave na China não vai ter impacto dramático para o Brasil. O maior problema, para ele, está na Europa e no seu sistema bancário. Lá países podem sair do euro isoladamente ou a situação pode ser empurrada com a barriga. Há também possibilidade de nacionalização de bancos.

“Há que salvar os bancos”, defende, lembrando que o grande drama da recessão de 1929 foi a quebra dos bancos. “Não se pode repetir os erros de 29”, alerta.

A seguir, a entrevista.

Folha: Qual avaliação do governo Dilma?

Persio Arida: O governo Dilma teve o desafio de enfrentar o legado de uma economia excessivamente aquecida em 2009/2010. Optou por fazer um “soft landing”, baixando ao mínimo a inflação, para evitar que uma desinflação muito rápida sacrificasse por demais o nível de emprego. O resultado de 2010 foi bom nesse sentido do “soft landing”. A inflação reverteu a trajetória de alta, embora ainda esteja no topo da banda. A atividade econômica está desacelerando para a taxa de crescimento brasileira de longo prazo, que é algo entre 3,5% e 4%. Desse ponto de vista, o desafio macroeconômico, que era como lidar com o aquecimento excessivo de 2010, foi bem resolvido para esse ano de 2011.

Não foi um erro ter segurado a economia em demasia no início do ano passado; agora o governo quer estimulá-la novamente. O desaquecimento tem mais a ver com essas medidas do que com a crise no exterior, certo?

O desaquecimento é primordialmente ditado pelas medidas; é um desaquecimento intencional e necessário e foi numa boa medida. A economia brasileira não cresce a taxas de 2010 _são insustentáveis.

Por quê?

Porque é muito acima da taxa de crescimento normal, leva a sobreaquecimento, pressão inflacionária excessiva, gargalos de infraestrutura, falta de poupança doméstica. Há inúmeros fatores que fazem com que a economia não possa crescer a 7% ao ano de forma sustentada.

Então o normal é um crescimento baixo?

O crescimento é o que é. Na economia brasileira hoje a taxa sustentável de crescimento é algo em torno de 3,5%, 4%. Sustentável no sentido de capaz de manter a inflação sob controle e evitar gargalos maiores nos processos de infraestrutura. Para crescer mais do que isso, se precisaria ou ter mais poupança doméstica ou ter mais poupança externa. Mais poupança externa não seria prudente, pois já estamos com déficit de conta-corrente. Para ter mais poupança doméstica teriam que ser feitas reformas estruturais que não vejo sendo encaminhadas no momento. Do ponto de vista macroeconômico foi um ano muito bem sucedido. Essa desaceleração recente da economia brasileira no último trimestre é um pouco enganosa; a economia vai acelerar de novo este ano, ao longo do ano. Acho que 2012, se não houver um percalço maior lá fora, teremos de novo uma taxa de crescimento de 3,5%, 4%.

E inflação, câmbio, juros?

A inflação deve seguir com a tendência moderada de queda. Câmbio é a variável mais difícil de imaginar. É a variável mais suscetível a eventos externos. Depende muito do que acontecer no resto do mundo.

A economia norte-americana está  em trajetória de recuperação, o que tende a fortalecer o dólar. Se não houver uma mudança política muito radical nos EUA, a recuperação vai continuar. A política de juro zero com “quantitative easing” norte-americana vai ser suficiente para, ao longo do tempo, fazer com que os EUA voltem à trajetória de crescimento de longo prazo. A China tem outra trajetória de “soft landing”, que acho que também vai ser bem-sucedida. Sou mais otimista, acho que a China vai crescer perto de 8,5% neste ano, o que para a China é um “soft landing”. O grande desafio é a Europa. É a grande incerteza que tem no cenário.

Como este “soft landing” da China vai afetar o Brasil, já  que a ligação entre as economias é muito grande?

Menos do que as pessoas pensam. Porque o “sotf landing” chinês não implica nenhuma redução abrupta da demanda de matérias-primas brasileiras. Tem muito mais a ver com a transformação da China de uma economia primordialmente exportadora para uma economia voltada para o mercado doméstico. A China, por razões de demografia e do próprio desenvolvimento, não consegue mais sustentar taxas de crescimento de 10%, 11% sem pressão inflacionária. Os salários na China estão claramente subindo. A China, que foi uma força deflacionária para o mundo, hoje está deixando de sê-la. A desaceleração da China é consequência do próprio crescimento, primordialmente do mundo e dela em especial. Mas é uma desaceleração relativamente suave, acho que não vai ter impacto dramático nenhum.

Sobre EUA, alguns acham os dados recentes pouco conclusivos para assegurar uma recuperação.

O problema norte-americano é muito parecido com o problema japonês. Acontece quando se tem bolhas imobiliárias e bancos se tornam inviáveis por problema de crédito. O problema dos bancos nos EUA foi em crédito. Foi uma gigantesca bolha de crédito, como no Japão. A pergunta que geralmente se faz é: uma vez que você entra numa bolha de crédito e a bolha explode, se tem um período recessivo prolongado necessariamente ou se consegue encurtar o período recessivo com políticas monetária e fiscal, principalmente monetária? Dependendo de como se responde, se vê o futuro dos EUA. As políticas de juro zero e um agressivo “quantitative easing” do BC norte-americano vão abreviar o período, digamos, recessivo. Em 2013, 2014 vai começar a haver uma certa reversão da política monetária norte-americana. Sou muito mais otimista com os EUA.

E o emprego vai se recuperar?

No emprego a recuperação é mais lenta porque os setores que voltam não são os setores que desempregaram. Setores onde o desemprego tende a ser maciço, o financeiro e o “real state”, não são os setores que se beneficiam na volta. Tem um aspecto estrutural no desemprego, porque é difícil para as pessoas mudarem de trabalho, mudar de ramo. Mas vai ser caudatário do processo. Se houver uma recuperação econômica sustentável, mais cedo ou mais tarde o emprego se recupera também. O grande desafio do mundo está na Europa.

E o que vai acontecer por lá? Qual a origem da crise?

Como em toda a crise, é tentador achar uma única origem. Mas é um fenômeno muito complexo. O euro foi uma construção, antes de mais nada, política, não econômica. É um projeto de, via unificação monetária e através da zona do euro, via unificação tarifária, permitindo livre migração, se criar um cimento econômico entre países que evitasse a repetição das tragédias do século 20, as duas Grandes Guerras. Como projeto político é um extraordinário sucesso. A ideia de integrar economicamente e de forma quase mais próxima da irreversibilidade para evitar as tensões políticas que levaram às guerras e conflitos, se demonstrou uma proposição política correta. Como proposição política é um projeto muito bem sucedido, ao contrário do que as pessoas imaginam. A questão é que para fazer sentido economicamente teria que ter sido acompanhada de medidas que não ocorreram.

Quais são os desafios?

Primeiro, o federativo. Desafios federativos são muito difíceis de lidar. O Brasil tem uma questão federativa, mas ela não existe politicamente. Exemplos simples: há transferências maciças de renda entre regiões do Brasil, de uma região para outra, entre Estados do Brasil. A regra um homem/um voto não vale no Brasil, porque um votante num Estado vale mais do que de outro. No debate político brasileiro, esses desequilíbrios federativos não fazem parte da agenda. O país, por razões de história, de cultura etc tem convido bem com isso. Mas poderia não conviver. Num país abstrato, a questão da regra de um homem/um voto e a magnitude das transferências de renda seriam um conflito federativo monumental. Só que o país não existe em abstrato, existe numa história. E na nossa trajetória histórica isso não tem importância politicamente. No Brasil, a cidadania não de define localmente, ao contrário do que ocorre na Europa.

Na Europa, a questão federativa, que no Brasil é oculta, é aparente e visível desde a partida. Porque os países continuam independentes e não existe um mecanismo coercitivo entre eles. Não há um mecanismo de ajuda sistemática entre países. Até hoje os vários bancos centrais têm contabilidades internas entre eles etc. Essa questão federativa é uma dimensão muito complexa no problema europeu.

Porque o problema não é o mesmo nos vários Estados. Há países que sempre foram menos responsáveis fiscalmente do que outros. Há uma dimensão fiscal/federativa. Há uma dimensão de balanço de pagamentos entre países que sistematicamente conseguiram lidar bem com a apreciação da moeda conjunta do euro, enquanto outros lidaram mal. E há problemas de condução do processo. A resistência alemã no caso da Grécia é desastrosa. Se você insiste em que haja perdas para os credores de determinado país, como você imagina que seja a reação dos credores do país vizinho? A Europa enfrenta uma crise que é, antes de mais nada, de governança interna.

Se aquilo fosse um país, a Europa teria estatísticas melhores do que os norte-americanos. Teria menos dívida e menos déficit. É uma abstração –aquilo não é  um país, mas é preciso ter isso em vista. O problema é  federativo, que está desde a partida e nunca foi resolvido. O problema confluiu quando houve a explosão da bolha por razões completamente díspares. A Irlanda era um país com dívida pública muito baixa, que tem uma trajetória fiscal invejável, que se tornou um país problematizado por conta de seus bancos. Na outra ponta, a Grécia sempre teve uma trajetória fiscal reprovada por toda a União Européia, mas que de alguma forma a União Européia permitiu…

E os bancos também, porque emprestaram…

E os bancos também porque emprestaram. Irlanda e Grécia são dois extremos. Como um todo, na Europa hoje há um problema bancário.

Qual é a dimensão bancária do problema?

É muito difícil fazer essa conta porque o teste de estresse que o Banco Central Europeu rodou ficou muito desmoralizado. Fizeram o teste e logo em seguida o Dexia… Falhou. Então não é uma boa medida. Por outro lado, os requerimentos de Basiléia, que seriam uma outra medida, têm uma dificuldade. Se pode calcular assim: para cumprir os requisitos de Basiléia, quanto os bancos deveriam ter de capital. Essa é uma medida que se entende. O que o mercado normalmente olha é quanto os bancos precisam levantar de dinheiro para se financiar. O que é uma medida torta do problema. O problema é a insuficiência de capital. A questão é que lidar com uma crise soberana e uma crise bancária ao mesmo tempo é um problema de extraordinária complexidade. Porque as duas crises são ligadas.

Vamos ter como exemplo um título italiano de dez anos que está hoje vendido a 7%, digamos. Um título do governo italiano, naturalmente, é um título que qualquer banco italiano tem como mais líquido, como em qualquer lugar do mundo. Se você perguntar qual o título mais líquido dos bancos brasileiros, a resposta será: os títulos do governo brasileiro. Se você obriga no teste de estresse que haja um requerimento de capital suficiente a fazer face a um “default” soberano dificilmente os bancos vão conseguir levantar o dinheiro.

Vão ter que ser socorridos pelos Estados.

Ou estatizados.

E o sr. enxerga essa estatização acontecendo de forma mais forte?

A estatização de bancos é sempre o último recurso. Mas é melhor estatizar os bancos do que deixar os bancos quebrarem.

Mas é um cenário possível na Europa, uma onda de estatização bancária?

É difícil imaginar… É muito fácil e tentador traçar cenários, e muito difícil, ao mesmo tempo, traçá-los. Você pode traçara cenários da Europa dissolvendo coletivamente o euro, todos os países saem ao mesmo tempo…

E volta o dracma, a lira, o marco…

Volta o dracma. Tem artigo recente do Robert Barro que sugere uma URV para dissolver o euro.

Um plano Larida [elaborado por André  Lara Resende e Persio Arida, que resultou no Plano Real]?

Um plano Larida para dissolver o euro. Seria um Larida para outro propósito. Você tem perspectivas de países saírem do euro isoladamente. Você tem perspectiva de nacionalização de bancos. Você tem perspectiva de empurrar com a barriga por mais um tempo.

O Estado do bem-estar social vai ser desmontado? Há os que dizem que as causas da crise da dívida soberana estão no socorro a bancos, no regime tributário regressivo e houve uma redução da arrecadação de impostos.

A questão do Estado do bem-estar na Europa é pouco entendida. Vou dar um exemplo. A França tem três vezes mais funcionários públicos per capita do que a Alemanha. Nada consta de que o Estado de bem-estar social seja muito pior na Alemanha do que na França. Outro dado. Se você tem seguro-desemprego muito generoso, como é o caso da Espanha, é contraproducente, porque torna o desemprego mais rígido. Um país com seguro-desemprego generoso de mais não é melhor do ponto de vista do bem-estar do que um país com seguro-desemprego menos generoso. Por detrás da discussão de Estado de bem-estar ou não tem uma questão de eficiência do Estado.

Faz parte do pacto social europeu um certo Estado de bem-estar que foi maior do que o norte-americano. A história tem que ser respeitada. Isso sempre foi assim e provavelmente sempre será assim. O que está em jogo não é  uma americanização da Europa. Não vejo isso acontecendo. O que está em jogo é uma modernização do Estado de bem-estar. Tem que dar mais eficiência, tornar os seguros-desempregos menores.

É o dinheiro da saúde e da educação que está sendo cortado, da Grã-Bretanha à Grécia.

Tem aspectos aí. A Inglaterra tem um sistema de saúde socializado. Funciona surpreendentemente bem para um sistema de saúde público. Mas você tem que racionalizar o tempo todo. A despesa de saúde, se não tiver racionalização, vai ao infinito. Para você acertar um diagnóstico, com 90% de chance, é relativamente barato. Se você quiser acertar um diagnóstico com 99% de chance, o custo sobe exponencialmente.

Em saúde pública você sempre tem que ter um cálculo econômico de custo e benefício. É triste falar assim, quando se fala de vidas humanas, mas, se não, o sistema não tem limite. Não acho que vá haver na Europa o fim do Estado de bem-estar. Você vai ter uma enorme racionalização do Estado de bem-estar.

Outro exemplo. Morei muitos anos na Inglaterra. A Inglaterra já não permite o tratamento de fertilidade em mulheres obesas. A mulher é forçada a emagrecer antes, por causa do risco de perder o bebê. Evidentemente, se a mulher está numa idade mais crítica do ponto de vista da fertilidade, ela pode legitimamente argumentar que não vai dar tempo, que precisa fazer. Outros países da Europa permitem. São decisões difíceis, mas há um enorme espaço na Europa para racionalização do Estado de bem-estar. Isso é muito diferente da americanização, que não faz parte da cultura e da história européia.

Mas as medidas contra a crise não estão na direção errada ao sufocar os gastos públicos e reduzir a renda. Não deveria ser feito o contrário, como aumento de salários?

Vai ter uma política fiscal mais apertada, demissão de funcionários públicos, redução de gastos do Estado, racionalização do Estado do bem-estar. Mas precisa ter medida na coisas. Não se pode pedir para um país fazer um ajuste de menos 4 para 4 positivo do PIB. Vai gerar uma crise no tecido social que torna o país ingovernável. Precisa ter limites no processo, bom-senso. Mas fazer o ajuste fiscal em si no momento de crise é até bom, porque a sociedade toma consciência da necessidade do ajuste.

A questão é junto com o ajuste fiscal fazer uma política monetária muito mais flexível. A Europa poderia expandir o balanço do BC europeu, idealmente, muito mais do que faz hoje. Em outras palavras, uma impressão de moeda, taxa de juros zero e uma emissão monetária muito mais radical, mais acentuada do que tem sido feito até agora. Falo a mesma coisa nos dois contextos [Brasil e mundo]. O mundo precisa ir na direção de políticas fiscais mais contracionistas e políticas monetárias mais expansionistas.

E aumentar salário? O salário não  é uma parte importante na dinâmica capitalista?

Não se deve aumentar salário. O salário tem um elemento cíclico. A economia capitalista tem ciclos. Quando está na fase alta o salário aumenta sozinho. Na fase baixa, ele tem uma enorme resistência. Ele fica e acaba tendo desemprego. O salário não é um preço flexível, digamos. Salário funciona um pouco diferente dos demais preços. Por conta disso, não é preciso estimulo para fazer aumentos salariais para melhorar a vida das pessoas. A melhor maneira de aquecer uma economia nas condições atuais da Europa, dos EUA e do próprio Brasil, com as devidas adaptações, é sempre política monetária.

O sr. não concorda com a análise que aponta no socorro a bancos, na regressividade do sistema tributário e na corte dos impostos para os ricos como causas da crise da dívida soberana? A salvação dos bancos não tem a ver com essa crise da dívida soberana?

Obviamente tem. Toda a crise bancária sistêmica associada a bolhas ou de ativos ou no mercado imobiliário ou no mercado acionário tipicamente põe os governos diante de uma situação difícil. Se pode permitir que os bancos quebrem, o que é um trauma extraordinário para a formação de poupança ao longo do tempo. Ou salvar os bancos. E para salvar os bancos, ou o governo injeta dinheiro ou absorve parte do portfólio podre dos bancos. É sempre melhor a segunda solução do que a primeira. O grande drama da grande recessão, não foi a queda da bolsa de 1929 ou o folclore de alguém que se jogou pela janela. O drama foi a quebra dos bancos. Foi a quebra dos bancos que provocou o trauma e a perda de confiança no padrão fiduciário. Não pode repetir os erros de 1929. Se pode dizer que não deviam ter deixado a situação ter chegado àquele ponto. Isso é uma questão política e que outros governantes sejam eleitos. Uma vez que se está diante da situação, há que salvar os bancos.

Se pode salvar os bancos de inúmeras formas diferentes. Penalizando os acionistas dos bancos, que é  a forma correta, nem sempre adotada na Europa. Sempre o primeiro a ser penalizado tem que ser o acionista do banco. Mas salvar bancos, não penalizar o credor dos bancos. Penalizar o acionista e não penalizar o credor.

Mas mesmo que se tire todo o capital do acionista, numa crise bancária de grandes proporções não dá  para salvar o credor. Se precisa colocar mais dinheiro. Então são crises que levam ao aumento da dívida pública. É uma certa transferência, de um excesso de endividamento privado, para um gradual excesso de endividamento público.

É a socialização das perdas.

É uma socialização de perdas, por assim dizer. O termo é meio enganoso. Porque a grande socialização de perdas é uma questão de gerações. O governo tem duas alternativas: pode deixar todos os bancos quebrarem e aí ele socializa todas as perdas hoje. Porque o depositante, o trabalhador que tem dinheiro no banco perde a sua poupança, zera. Ou ele pode aumentar a dívida pública, com o que ele socializa a dívida entre a geração atual e as futuras. A dúvida não e socializar a perda ou não: ela vai haver de qualquer forma. É se quem paga é só a geração atual ou se de alguma forma divide o peso do pagamento entre as gerações atual e as futuras. Quando se divide o peso, se aumenta a dívida pública, porque alguém vai ter que pagar isso em algum momento para frente. Não necessariamente o trabalhador de hoje, mas o trabalhador do futuro.

O capitalismo assim fica sem riscos?

Não, o capitalismo tem riscos.

Sim, mas se alguma coisa sai errada, o Estado vai lá e ajuda, não  é?

Tem dois aspectos aí. A legislação brasileira é melhor do que a demais. A legislação brasileira é baseada no princípio de que a responsabilidade do controlador e do estatutário é ilimitada. Esse é o princípio correto, porque mesmo se o governo tiver que socorrer o banco, a sociedade tem uma garantia de que o administrador do banco e o acionista do banco perdem tudo. E se for o acionista perde não só as ações do banco como todos os seus bens.

A legislação norte-americana foi criada sobre outro pressuposto. Esse debate houve nos EUA, se devia ter responsabilidade ilimitada ou não. Os EUA optaram pela responsabilidade limitada dos dirigentes, sob o argumento de que se a responsabilidade fosse ilimitada seria tão arriscado que só aventureiros topariam ter instituições financeiras. Isso nos anos 1920.

Então para tornar o sistema financeiro mais sólido optou-se pela responsabilidade limitada.

Mas essa discussão não ressurgiu agora com essas manifestações de rua?

Curiosamente não. Existe um mal-estar público contra o que aconteceu nos bancos, mas ele é difuso, não se transladou para uma proposta. O debate nos EUA sobre bancos não é sobre se deveria introduzir a regra brasileira ou não. O debate é politizado, busca aumentar o controle, reforçar a margem de segurança dos bancos. Mas ninguém fala em tornar a responsabilidade ilimitada. O sistema brasileiro é muito mais avançado.

Qual o significado do rebaixamento de países europeus definido na última sexta-feira?

O rebaixamento era esperado, não há  surpresa. As agências erraram muito nas avaliações de risco em 2008. No crédito provado erraram muito, falharam. Para investidores institucionais criou-se uma cultura pela qual os investimentos são feitos de acordo com o “rating” das agências _ o que é conveniente para os administradores dos fundos. Essa cultura não mudou apesar dos erros das agências. Por isso, há consequências no rebaixamento, mas não há nada surpreendente.

A crise vai resultar num maior controle das finanças globais? O sistema financeiro vai passar por alguma redução? Muitos dizem que os governos ficaram submetidos aos seus desejos das finanças. O que o sr. acha?

Há clichês de todo o tipo. Esse é um clichê, que existe um sistema financeiro globalizado.

Não existe isso?

Em bom português é bobagem. Você tem um mundo crescentemente globalizado, com integração financeira, comercial, tem uma difusão cultural maior. E os grandes beneficiários da globalização foram os pobres. Foi a globalização que permitiu a ascensão dos emergentes. A integração de comércio e financeira é extremamente benéfica aos pobres do mundo. Do ponto de vista das políticas nacionais, ela coloca um problema, porque os Estados se percebem cada vez mais interdependentes. Há uma certa ilusão. Na Grande Depressão havia um grau de interdependência similar. Criou-se a percepção de que são mais interdependentes hoje do que anteriormente, o que é até duvidoso. Mas há, de fato, laços de comércio crescentes, grau de interdependência comercial entre países crescente, fluxos de capitais crescentes, fluxos financeiros crescentes.

Quais são os desafios que isso coloca na esfera nacional?

Primeiro, o mais óbvio, que é  a taxa de câmbio, processos muito dramáticos de apreciação ou depreciação causados por fluxos financeiros. Segundo, desafios na área comercial. Terceiro, na área de investimento. Grosso modo, se está falando, tanto na área comercial quanto na de investimentos, da questão protecionista: se os países devem se defender, até que ponto se sentem atacados. Pressões protecionistas são naturais. Em contextos recessivos elas aumentam; na prosperidade diminuem. Portanto, as pressões protecionistas são cíclicas. Mas quase sempre são péssimo conselheiro. É raríssimo o caso que você consegue justificar de fato a medida protecionista do ponto de vista do bem estar social do país que está implementando a medida. Normalmente as pressões protecionistas beneficiam lobbies. Beneficia um lobby empresarial e prejudica outro lobby empresarial. Mas do ponto de vista do bem-estar da sociedade, elas fazem mais mal do que bem.

Essa crise mundial vai durar dez anos, como afirmam alguns?

O mundo tem lógicas muito distintas, apesar de globalizado. Os EUA estão numa trajetória de recuperação. Vai haver uma eleição presidencial. Como a recuperação é frágil, é muito importante saber se as políticas governamentais vão continuar. Economia não é um exercício econométrico, porque as pessoas pensam, os governos agem, a política existe. Então é muito difícil fazer previsões. Mas os EUA, se não tiver nenhum desacerto na política econômica maior, tende a se recuperar. A China tem um “soft landing”, mas não é nada desastroso. O grande desafio para o mundo para a frente é a Europa.

E não há  um horizonte de tempo?

É difícil prever. Uma coisa é uma tendência econômica. Se você me perguntar se a economia brasileira, tudo o mais constante, estará em recuperação no segundo trimestre de 2012 comparado ao último trimestre de 2011, a resposta é provavelmente sim. Porque estou falando de um processo com uma dinâmica basicamente econômica. Na Europa não estou falando de uma dinâmica econômica mais. É também econômica, mas, antes de mais nada, é política de decisão. Tem eleição na França. Tem uma situação na Grécia complicadíssima. A atual geração de líderes europeus, do ponto de vista econômico, é extraordinária. Todos eles. Têm extraordinárias lideranças hoje na Europa: na Grécia, na Itália, em Portugal, na Espanha, na Irlanda. De primeiríssima qualidade. A pergunta é a seguinte: vão sobreviver ao próximo teste das urnas? A Europa tem hoje um desafio essencialmente político de governança. Esse é muito difícil de prever.

Há  os que afirmam que há um governo Goldman Sachs na Europa porque vários desses líderes que você aponta passaram pelo banco. Isso também é um clichê?

Isso não faz sentido nenhum. Alguns deles passaram pela Goldman, que era um empregador de excelência, que melhor pagava. Pessoas talentosas, 15 anos atrás, naturalmente preferiram trabalhar na Goldman a trabalhar em bancos que pagavam menos.

Como o sr. define o governo Dilma do ponto de vista da política econômica? É desenvolvimentista, ortodoxa?

É difícil dar um resumo. O “soft landing” foi muito bem sucedido. Do ponto de vista fiscal, a performance de 2011 foi melhor do que a de 2010. É um governo mais austero. Houve uma contração dos balanços do BNDES, o que é um lado positivo de ajuste. Tem várias dimensões que aconteceram em 2011 inequivocamente positivas. Todas sendo vistas como contraponto da herança de 2010 e 2009. Por outro lado, tem uma tendência protecionista que não me parece boa.

Por exemplo?

Automóveis. No caso você está  protegendo um grupo de multinacionais contra outro grupo de multinacionais. É difícil de entender a racionalidade.

Emprego no Brasil não seria uma justificativa?

Não, é difícil. As medidas protecionistas como um todo dificilmente tem justificativa. A tendência intervencionista tem que ser contida, porque ela dá uma satisfação imediata e faz um desacerto no longo prazo.

Mas todos os países adotam medidas assim.

Não existe país perfeito no mundo. Quando se faz gestão econômica, você tem que evitar errar. Se outros erram é problema deles. Na parte macroeconômica [Dilma] foi bem sucedida. Tem uma tendência protecionista que não é ideal. Há uma série de reformas estruturais que poderiam ser feitas em sistemas como FGTS, FAT etc.

Que é a sua proposta.

Que é a minha proposta. Poupança pública não cresceu. Você tem uma diminuição de gastos públicos. O Brasil tem uma trajetória preocupante em gastos públicos, que não é de agora. Uma trajetória pela qual a arrecadação cresce porque o país cresce. O país se formaliza, felizmente, isso é um ótimo sinal. Ao mesmo tempo os gastos públicos crescem pari passu. Não estou falando de superávit, estou falando da contração de gastos públicos. O Brasil teria muito a ganhar com contração de gastos públicos e desoneração fiscal. Sei que é uma plataforma impopular, que ninguém fala. As duas coisas têm que ser feitas pari passu. Teria um enorme ganho de eficiência na economia se essa linha fosse seguida.

Qual sua avaliação sobre o desempenho do BNDES? O sr. concorda com essa linha dos “campeões nacionais”?

Não. Eu entendo a racionalidade dessa linha dos “campeões nacionais”, mas acho que a lógica que deveria nortear é um pouco diferente. Há setores onde se têm um argumento de falhas do mercado. Basicamente porque o Brasil vem de uma história traumática de alta inflação ainda tem horizontes de empréstimos relativamente curtos. Há áreas onde não o preço do custo de empréstimo, mas a duração do empréstimo provida pelo mercado privado é relativamente limitada. Nesse sentido se pode dizer que tem uma falha de mercado.

Mas a análise tem que ser a partir das falhas de mercado e não da constituição de grupos. É um outro enfoque. Como conceito básico, que é o conceito de falha de mercado, o que deveria nortear é mercado de capitais privado. Quem tem acesso ao mercado de capitais privado não deveria usar recursos do BNDES. O conceito certo é enfocar para onde o mercado de capitais não supre. É para onde as coisas deveriam ser orientadas. Mais do que a ótica dos “campeões nacionais” gosto da ótica de entrar onde o mercado de capitais não entra.

Tem três aspectos sobre BNDES. Tem o tamanho do balanço, que está diminuindo, o que é muito positivo. Tem a precificação dos empréstimos, dos juros direcionados. Tem o aspecto de qual é a ótica de quem recebe o empréstimo. Se é uma ótica dos campeões, da formação de grandes grupos. Esse raciocínio tem seus méritos. Coreia do Sul e vários países adotaram essa abordagem. Deveríamos adotar uma outra, que é estar presente onde o mercado de capitais privados não está. Se tem uma falha do mercado de capitais tenho um argumento para concessão de empréstimo forte. É a visão liberal.Se o mercado estiver falhando, eu entendo. Agora se o mercado não estiver falhando não tem porquê.

Mas o mercado andou falhando demais nesses últimos tempos, não? Não ficou prejudicada essa linha de pensamento?

A crise de 2008 é uma gigantesca falha regulatória. É uma crise de crédito. Os bancos concederam crédito excessivamente inventando certas estruturas de crédito paralelas ao sistema bancário. A banca internacional passou um drible no regulador. Não é que as leis estavam erradas. O que houve foi uma gigantesca falha regulatória.

Mas crise não foi gerada pela queda de renda, que levou as pessoas a buscarem mais crédito?

Pelo contrário. A origem é o crédito. As pessoas sempre têm limitação de renda. O sistema hipotecário norte-americano induz as pessoas a se endividarem. De outro lado, se tem os bancos que deram um drible no regulador e concederam crédito. Juntou a fome com a vontade de comer. Na raiz o problema é a falha regulatória. Isso gerou uma enorme confusão. As pessoas dizendo que a crise de 2008 provou que o capitalismo tinha falhado. Na prática houve uma desregulamentação sem consentimento do regulador.

E o investimento público?

Depende de uma contração de gastos correntes. Se houver redução de gastos correntes, você consegue. O grande desafio é diminuir gastos correntes em matérias não relacionadas a investimentos. É um desafio de eficiência, de gestão. Isso não é do governo Dilma, vem de muito tempo. A máquina pública cresce sem medida.

Qual vai ser o impacto deste aumento do salário mínimo?

Isso é desastroso. É uma regra desprovida totalmente de qualquer sentido. É uma superindexação. Porque é uma indexação pela inflação passada e mais ajuste do PIB. É uma regra na contramão de tudo que o país precisa. É uma regra que visa recompor o valor do salário mínimo, mas que na verdade tem um efeito prejudicial do ponto de vista de custos do trabalho, exerce uma pressão inflacionária. Tem um efeito danoso sobre os orçamentos de Estados e municípios que empregam muita gente com salário mínimo. E particularmente danoso sobre a Previdência, porque as aposentadorias são relacionadas ao mínimo.

Mas esse aumento não dinamiza a economia, já que aumenta a renda?

Não. Se você quer dinamizar a economia, você diminui a taxa de juros e diminui impostos. É a maneira certa de dinamizar a economia. Essa é a maneira errada.

Mas o aumento do mínimo não distribui renda?

Não. Isso provoca pressão inflacionária, de um lado. Aumenta os gastos com inativos da União. Aumenta o gasto público na veia.

Então o aumento do salário mínimo não é distribuição de renda?

Não. A melhor distribuição de renda que o Brasil pode fazer, de um lado, é a ajuda direta aos mais necessitados, com bolsas família. De resto, suba o salário mínimo de acordo com a inflação, se você quiser chegar a tanto. Deixa o mercado funcionar. A melhor distribuição de renda é diminuir a taxa de juros, permitir o desenvolvimento do sistema de hipotecas no Brasil, reajustar bem o FGTS, que é um roubo dos trabalhadores. Evite que os trabalhadores sejam roubados. Quer melhor distribuição de renda do que esta? Posso dar vários exemplos. Mas essa regra [de reajuste do mínimo] está na contramão de tudo o que o Brasil precisa. O problema é que, uma vez criada a regra, entendo que seja politicamente difícil escapar dela.

E o que o PSDB e a oposição deveriam propor?

Não quero falar sobre política. Não  é a minha especialidade.

Mas você  propôs ao PSDB mudar a questão dos juros subsidiados.

É um certo tabu no Brasil. Temos sistemas hoje que foram montados na época do governo militar ainda, que tinham uma certa racionalidade. O Brasil do Plano Real para cá evoluiu extraordinariamente. Hoje esses sistemas se tornaram contra-produtivos. Basicamente se você eliminar os chamados créditos direcionados a taxa de juros para a economia como um todo vai ser menor. Melhora a distribuição de renda e melhora a alocação de recursos. Só tem vantagens. Mas é um gigantesco tabu, parte porque a questão é complexa e parte por causa de lobbies empresariais que se beneficiam do atual sistema.

Então o Brasil não deveria ter política industrial?

Política industrial pode ter ou pode não ter. Política industrial não tem nada a ver com o que está  acontecendo. Política industrial se faz da maneira usual. Tem um orçamento. Se você quer beneficiar determinado setor, se faz isenção fiscal específica. Transparente, consta do orçamento, as pessoas sabem do que se trata, se tem objetivos claros: esse setor tem isenção fiscal por determinado tempo. Não estou dizendo que política industrial seja justificado ou não. Se o país optar por fazer política industrial, essa é a maneira certa de fazer.

Não via BNDES?

Não por uma via torta que distorce a formação da taxa de juros. No caso do FGTS, concentra renda. Há  distorções de todos os lados. Qualquer que seja a o objetivo, ele tem que ser feito de outra maneira. Dar um incentivo no orçamento. É a maneira correta, pública transparente _se quiser usar uma palavra que nem gosto muito: republicana de fazer isso. Quando você faz política industrial por vias tortas, penalizando trabalhadores na aplicação do FGTS, distorcendo a formação da taxa de juros, fazendo com que a Selic seja mais alta, você cria uma nuvem de complicações que embaçam a percepção do problema e gera distorções por todos os lados. No final, você nem sabe avaliar se a política industrial é bem sucedida ou não.

O sr. foi preso e torturado na ditadura militar. Como analisa a criação da Comissão da Verdade?

Sempre fui a favor da instalação da Comissão da Verdade. Há inúmeras críticas sobre como foi instaurada, conduzida, seus limites etc. Ainda é cedo para fazer uma avaliação.

Gostaria de fazer parte dela?

Acho que há pessoas mais significativas do que eu para fazer parte.

No relato sobre aquele período, o sr. fala da teia de interesses que se formou entre empresários, políticos, gestores do Estado naquela época e que resultou num silêncio prolongado sobre a ditadura. Como o sr. analisa essa questão hoje? A lei da anistia deveria ser revista?

A revisão da lei da anistia é um tópico mais difícil. É pena que a discussão esteja acontecendo apenas agora.

Por que o sr. acha que só  acontece agora? Por que a demora?

O Brasil tem seus pactos de silêncio. Falei há pouco sobre FGTS, FAT, que é outro pacto de silêncio. Se você pensar sobre a história brasileira, não é à toa que o Brasil foi o último país do mundo a terminar com a escravidão. Ou foi o último país do mundo a terminar com a hiperinflação.

Como explicar isso?

É mais uma pergunta para um historiador do que para um economista. Existe um pacto entre Estado e grupos empresariais e elites no Brasil que é um pacto, digamos, não-liberal, antiliberal.

Como assim?

A plataforma liberal..

Liberal no sentido norte-americano.

Liberal no sentido norte-americano, que é plataforma da diminuição da intervenção estatal e das liberdades civis. Essa plataforma foi cronicamente fraca no Brasil. O Brasil é um país do novo mundo. Nesse sentido, é mais semelhante aos EUA do que qualquer outro. A terminologia dos Brics é muito enganadora. O Brasil tem poucas similaridades com a China, que é uma civilização milenar. A similaridade brasileira é com os EUA. São países de dimensão continental, com sistemas democráticos, formados pela imigração basicamente européia e africana, um pouco asiática. Países cuja cultura indígena local desapareceu. Não são países, como na América espanhola, que tem o substrato de uma outra cultura. Mas, contrariamente aos EUA, é um país onde o liberalismo foi sempre fraco. Acho que por detrás dessas várias questões _escravidão, FGTS ou hiperinflação _ se tem um denominador comum: os mais prejudicados são os mais pobres, sempre. Numa hiperinflação o prejudicado é quem nem conseguia ter conta bancária. Na escravidão, não preciso nem falar. O FGTS hoje é de quem trabalha.

A escravidão financiava o governo do imperador…

Sem dúvida. Escravidão houve em outros países, outros tiveram servidão. Interessante é que o Brasil foi o último. Chamo atenção sobre isso porque o país tem um pacto entre elites e governo antiliberal. É um pacto a favor do Estado e que sempre se pautou por uma certa repressão de liberdades civis.

É um pacto a favor do Estado, do empresariado e contra os mais pobres, é isso? É um pacto conservador?

Se você disser que é contra os pobres você está falando uma coisa errada. Ninguém é contra os pobres.

Mas a resultante é essa?

Pelo contrário. O pacto é feito para tentar beneficiar. Quando você faz políticas protecionistas, créditos direcionados, quando privilegia determinados grupos, quem está implementando e quem recebe benefícios genuinamente pensam que estão fazendo o bem comum.

Pelo menos o discurso é esse.

O discurso é esse e muitas vezes as pessoas pensam assim. O interessante não é o discurso, mas, historicamente falando, é [pensar] porque a tradição liberal foi sempre tão fraca no Brasil e continua sendo fraca. Isso se aplica inclusive para liberdades civis. O caso da Comissão da Verdade é um exemplo.

Olhe, por exemplo, para um pequeno, em escala, episódio de violação das liberdades civis em Guantánamo, associado ao governo Bush. Num contexto específico da lei patriótica etc, aquilo suscitou uma resposta da sociedade norte-americana liberal em defesa das liberdades civis muito forte. No contexto de uma extraordinária agressão contra a civilização norte-americana que foi a barbaridade do 11 de Setembro. Mas a sociedade reagiu ainda assim. A questão liberal no Brasil é fraca historicamente nessas duas dimensões, na econômica e na política.

Isso perpassa governos de diferentes matizes?

Claro que certos governos, dependendo da orientação ideológica, puxam isso um pouco mais ou um pouco menos. Têm matizes, diferenças importantes. Mas não é um fenômeno de hoje. Tem uma história que foi feita assim.

A política de juros, que faz uma enorme transferência de riqueza para os mais ricos, faz parte desse pacto anti-liberal?

Não é que as pessoas são antiliberais para fazer maldades. Tem uma certa mentalidade antiliberal. Acho que até um melhor termo que eu usaria, em vez de pacto antiliberal, uma mentalidade antiliberal. A taxa de juros eu não colocaria nessa linha, embora ela tenha certamente um efeito concentrador de renda. Ela responde a outros fatores.

O Brasil fez enormes violências contra a poupança financeira ao longo do tempo. Desde a manipulação da correção monetária, chegando ao extremo no Plano Collor. Foi gerada uma certa insegurança e um prêmio de risco associado à poupança financeira. Quanto mais tempo passa sem que você faça nenhuma violência contra poupança financeira, menor o trauma do passado e melhora esse prêmio de risco. O respeito aos contratos, os direitos de propriedade vão diminuindo esse temor. A taxa de juros tem um componente próprio, não faz parte dessa mentalidade antiliberal. Se você baixar a taxa de juros, você melhora dramaticamente a distribuição de renda. Não tem a menor dúvida. Por isso minha insistência de que o ajuste cíclico seja feito sempre via taxa de juros.

O sr. acha que o ritmo atual de redução da taxa poderia ser intensificado?

A inflação está rodando a 6,5%. Ainda tem um problema inflacionário que está longe de estar bem equacionado. O aumento de salário mínimo é uma pressão altista sobre inflação. O mercado tem uma projeção de taxa de juros ainda com uma queda. Para diminuir de uma forma sustentada o elemento crítico é o controle fiscal. Com o tempo, esse prêmio de risco causado pelo trauma da poupança financeira vai diminuindo naturalmente, desde que os governantes respeitem contratos. Do Real para cá, as taxas de juros reais são as menores que o Brasil já teve. Ainda é extraordinariamente alta. O tempo joga a favor, desde que você respeite contratos porque as memórias do passado vão se diluindo. Mas se você avançasse no sentido da consolidação fiscal mais agressiva, mais firme poderia reduzir mais a taxa de juros e num ritmo mais acelerado.

O sr. leu o “Privataria Tucana”?

Não falo sobre isso.

Como está  o seu indiciamento na Satiagraha?

Não quero falar sobre isso.

E sobre Daniel Dantas?

Não quero falar sobre isso.

Você  que trabalhou dos dois lados, o que acha que deveria mudar na relação público-privado no Brasil?

O Brasil tem hoje os instrumentos legais adequados: a quarentena, leis que proíbem o uso de informações privilegiadas etc. Do ponto de vista da cultura de gestão das coisas públicas talvez o país precise amadurecer.

Como o sr. avalia o processo de fusões e aquisições?

O Banco foi líder inconteste neste ano de 2011 no processo de fusões e aquisições e tenho certeza que será  o líder inconteste em 2012 também. É uma área central dentro da nossa atividade. Além da nossa liderança tem o fato de que a economia brasileira em si tem um dinamismo muito grande crescente de mercado de capitais. Às vezes esse mecanismo se traduz em mais IPOs, às vezes em fusões em aquisições. É quase uma gangorra. Este ano [2011] foi um ano em que a bolsa brasileira sofreu muito. Em compensação, as fusões e aquisições cresceram muito. Ano que vem acho que a bolsa brasileira deve ter uma performance melhor, dependendo da Europa. Acho que o fluxo de fusões e aquisições vai continuar. De um lado o investimento estrangeiro no Brasil está só começando. Tem uma atração enorme. O Brasil entrou no mapa dos investidores globais. É o mapa da atenção, mas ainda não é o da presença de dinheiro colocado. Vai ter uma enorme entrada de investimentos estrangeiros. No ano que passou a bolsa brasileira teve uma performance sofrível, mas os investimentos estrangeiros diretos estão no pico. Esse processo de entrada maciça de investimentos diretos estrangeiros vai continuar e é muito bom que continue. Têm fusões e aquisições dos dois lados. Tem pelo dinamismo crescente no mercado de capitais brasileiro e pela entrada de investidores estrangeiros. Estou muito otimista para este mercado em 2012.

 


Piora da crise deve afetar demanda por petróleo, diz Opep

Reuters

A piora da crise da dívida da zona do euro pode reduzir ainda mais a demanda por petróleo da região e pode impactar o consumo em economias emergentes que estão conduzindo o aumento do uso global do combustível, disse a Opep nesta segunda-feira.

Em seu relatório mensal, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) rebaixou sua previsão do crescimento da demanda global por petróleo em 2012 em 10 mil barris por dia (bpd), para 1,06 milhão de barris.

O relatório informou ainda que, de acordo com fontes secundárias, a produção de petróleo da Opep subiu em dezembro para 30,82 milhões de barris pr dia, o maior valor desde outubro de 2008

 


Governo autoriza fatia estrangeira de até 30% no capital do Bradesco

Valor Econômico

O Bradesco foi autorizado a aumentar a participação estrangeira em seu capital ordinário para até 30%, conforme decreto publicado hoje no “Diário Oficial da União”.

Também o Banco Luso Brasileiro poderá  ter participação do exterior em até 33,33% no capital social.

Outro decreto presidencial aprova participação estrangeira no controle total da Sul América Investimentos DTVM e da Aporte DTVM.

O Woori Bank, da Coreia do Sul, foi autorizado a abrir filial no Brasil com capital totalmente estrangeiro.

Assim como o Interactive Brokers Group LLC, de Connecticut (EUA), poderá constituir corretora de títulos e valores mobiliários no país, com controle externo.

 


Idosos na força de trabalho sobem 65% em dez anos

Estadão

SÃO PAULO – Outro recorte nos dados do Censo 2010 mostra forte tendência de envelhecimento do trabalhador brasileiro na última década. A quantidade de pessoas com mais de 60 anos que está no mercado de trabalho cresceu 65% desde 2000. O número pulou de 3,3 milhões para 5,4 milhões em 2010.

O crescimento foi registrado em todas as regiões. Prova disso é que, entre os Estados que lideram o ranking, estão locais tão distantes quanto Distrito Federal (151%), Amapá (135%) e Santa Catarina (104,7%).

Traduzidos na realidade, os números indicam tanto um aumento absoluto na média de idade da população quanto a disposição dos brasileiros em trabalhar por mais tempo, mesmo depois de se aposentar. As regiões Norte e Centro-Oeste, locais de forte crescimento econômico nos últimos anos e recente formalização do mercado de trabalho, concentram a maior proporção de trabalhadores acima de 60 anos na sua força de trabalho.

Nessas duas regiões, quase 30% da população economicamente ativa tem mais de 60 anos. Já os Estados do Nordeste, com população mais jovem e baixa escolaridade nas gerações mais velhas, registram média menor que 25%. Pesa também o fato de a qualidade de vida do Brasil aumentar gradativamente, ajudando a elevar a expectativa de vida do brasileiro, hoje em 73,5 anos, segundo a última medição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

São dois os principais motivos que servem de estímulo para os trabalhadores com mais de 60 anos voltarem ao mercado de trabalho: complemento da renda e satisfação pessoal.

A professora aposentada Maria Gisella Puglisi, de 73 anos, ficou 18 anos sem exercer atividade remunerada e “depois que os filhos casaram” voltou a procurar emprego. Hoje, já tem três netos. “Eu sou dada a mudanças, gosto de me manter ativa”, diz ela, que há oito anos trabalha numa unidade da Pizza Hut. “Cada dia tem uma novidade. Aqui sempre tem novidade, trabalho com muitos jovens”, enfatiza. “Eu falo sempre para eles (os jovens) serem bons profissionais, porque é muito importante. Eles estão construindo o alicerce da carreira”, diz Maria Gisella. Ela garante que o ritmo do trabalho não a assusta – são seis dias por semana, das 11 às 17 horas.

Além do salário complementar, a professora aposentada destaca os benefícios. “Além da ajuda (financeira), tem também o seguro saúde, o que acho fantástico.” Desde 2003, a empresa contrata pessoas com mais de 60 anos e essa faixa etária já responde por 10% dos 700 funcionários da rede. O trabalho inicial é no atendimento, mas há casos de profissionais que já chegaram a gerente.

A presença dos trabalhadores com mais de 60 anos no mercado também é reflexo da falta da mão de obra qualificada. Segundo o diretor de Operações da consultoria de RH Human Brasil, Fernando Montero da Costa, com o aquecimento do mercado de trabalho, as empresas estão tendo de recorrer aos profissionais mais velhos para preencher vagas de nível técnico mais alto.

“Existia no mercado uma onda dizendo que as pessoas mais jovens têm mais energia, disposição. Depois da crise econômica, houve uma mudança e passou-se a valorizar também a experiência”, diz. “Os selecionadores começaram a enxergar as pessoas mais seniores e também uma distribuição maior entre jovens e seniores nas equipes”, diz Costa.

O aquecimento do mercado de trabalho foi importante para compensar a queda no número de empregadores, como indica o último Censo. Enquanto no início da década 2,9% dos brasileiros empregavam outros trabalhadores, hoje esse porcentual caiu para 1,9%. Isso significa que houve maior concentração no tamanho das empresas.

 


Salário maior e mais empregos formais reduzem jornada de trabalho no País

Estadão

SÃO PAULO – O brasileiro passa cada vez menos tempo no trabalho. Dados do Censo 2010 revelam que o porcentual das pessoas que trabalham mais de 45 horas por semana caiu quase pela metade em uma década. Em 2000, 44% dos trabalhadores do País passavam mais tempo que isso no serviço, número que baixou para 28% em 2010. Isso significa que, em números absolutos, 5 milhões de pessoas deixaram de trabalhar mais de 9 horas por dia.

O número impressiona ainda mais quando se leva em conta que mais de 20 milhões de brasileiros – o equivalente a toda população da Grande São Paulo – ingressaram no mercado de trabalho nos últimos dez anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ao mesmo tempo, cresceu a proporção de pessoas que trabalham menos de 14 horas por semana – o salto foi de 3% para 8,3% do total da população economicamente ativa, um ganho de 5 milhões de trabalhadores. A maior parcela da população tem uma jornada semanal que varia entre 40 horas e 44 horas.

A redução da jornada de trabalho nos últimos anos está diretamente ligada ao aumento real no salário do brasileiro – hoje, ganha-se mais por hora trabalhada que em 2000 – e também à formalização do mercado de trabalho. A porcentagem de trabalhadores com carteira assinada pulou de 36% para 44% entre 2000 e 2010 – na contramão, os funcionários sem carteira de trabalho caíram de 24% para 18%. “A formalização do trabalho regula a jornada de trabalho e a hora extra. A empresa ou o empregador vão evitar de pagar hora extra, portanto, vão reduzir a jornada para o que é oficial”, diz Arnaldo Mazzei Nogueira, professor doutor da FEA-USP e PUC-SP.

Pizza. Isso aconteceu, por exemplo, com grande parte dos entregadores da pizzaria Dídio, da Lapa. A profissão era bastante informal no início da década, mas pouco a pouco mais vagas com carteira assinada foram surgindo. Hoje, na Dídio, todos os entregadores trabalham em horário definido, com direito a férias e 13.º. “Dá uma tranquilidade que eu não tinha alguns anos atrás, quando trabalhava em outra pizzaria, não tinha hora para sair e ainda ganhava menos que aqui”, conta Eduardo Evangelista Nunes, de 50 anos.

No Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal, os trabalhadores com carteira assinada já são maioria da população. Mas alguns Estados ainda mantém um baixo contingente de profissionais com carteira de trabalho. Um exemplo é o Maranhão, onde apenas 20,8% são registrados. “Ainda há um grande contingente de trabalhadores sem regulação e que pode estar trabalhando jornadas insuportáveis”, lembra Nogueira.

Mulheres. O mercado de trabalho mais feminino, tendência da última década, também colaborou para reduzir a jornada. A diferença da participação entre homens e mulheres em postos de trabalho caiu de 20 pontos porcentuais para apenas seis em dez anos. “As mulheres costumam trabalhar menos horas do que os homens e a inclusão delas deve ter reduzido a média de horas semanais”, afirmou Regina Madalozzo, professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

No Piauí, Paraíba e Ceará, a mão de obra feminina já supera a masculina. Os outros Estados do Nordeste também lideram a porcentagem de mulheres no mercado. “Isso ocorreu por causa da melhora econômica da região, urbanização e expansão dos serviços e comércio”, analisa Nogueira. O professor lembra que essa redução da diferença entre gêneros não reflete uma igualdade salarial. Levantamento de maio do ano passado, também do IBGE, mostrou que o salário médio da mulher é 20% menor que o do homem.

Qualificação. Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, outro fator que pode ter influenciado a redução da jornada de trabalho foi o aumento da quantidade de pessoas que divide o dia entre trabalho e estudos, de olho numa melhor qualificação. “Pode ser que essas pessoas tenham diminuído um pouco a carga de trabalho para poder ter mais tempo de estudo.”

A formalização e o aumento da idade média dos trabalhadores deverá se acentuar nas próximas décadas. A perspectiva do País de se tornar a quinta maior economia do mundo até 2015 deverá exigir, sobretudo, um aumento da capacitação dos trabalhadores. “A palavra mais importante nos próximos anos será capacitação. O País vai precisar de pessoas capacitadas e qualificadas”, afirma Regina.

 


Menor peso em Alimentos no IPC reflete desenvolvimento

Estadão

RIO – A perda de participação do grupo Alimentação dentro do cálculo dos Índices de Preços ao Consumidor (IPCs), calculados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) pode ser explicada pela “lei empírica” que diz que, quanto mais a sociedade se desenvolve, diminui a proporção de despesas com alimentação. Isso porque, com maior renda, as famílias deslocam seus gastos para novos tipos de consumo.

A fundação comentou ainda que, entre as Pesquisas de Orçamentos Familiares (POFs) de 2002-2003 a 2008-2009 do IBGE, houve acréscimo da renda do trabalho. Isso, na prática, estimulou perda de frequência no consumo de alimentos dentro de casa, entre os dois levantamentos, o que ajudou a derrubar o peso de Alimentação dentro dos IPCs.

O peso da classe de despesa cairá de 27,49% para 22,37% nos IPCs a partir de fevereiro, quando a fundação atualizará as ponderações dos componentes de todos estes indicadores, a partir dos novos dados fornecidos pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) mais recente, de 2008-2009. Antes, a fundação usava os pesos detectados na pesquisa anterior, referente a 2002-2003.

 


Juro em 2012

Valor Econômico

As perspectivas para a zona do euro, mais sombrias com a decisão da Standard & Poor’s de passar a tesoura no rating de nove países, mantêm o cenário externo com o fôlego da economia brasileira e o objetivo fiscal do governo Dilma como os principais vetores que devem calibrar o ritmo de ajuste da taxa de juro em 2012.

O pique da inflação conta. O mandato do Banco Central de perseguir a meta de inflação também. Mas em meio à piora do quadro externo, a disciplina orçamentária do governo Dilma será reconhecida e comemorada pelo BC que terá, em poucas semanas, a primeira demonstração da presidente Dilma de que a ajuda da política fiscal à política monetária é para valer.

Em fevereiro, o governo anunciará  o contingenciamento do Orçamento da União em algo entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões, decisão importante que precederá a segunda reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em 2012 e que vai dimensionar o esforço fiscal que a presidente Dilma está disposta a bancar para que o BC possa prosseguir na redução dos juros.

Na quarta-feira, o Copom deve estrear o calendário de 2012 com mais um corte da taxa Selic em 0,5 ponto percentual, o que elevará a 2 pontos percentuais o ciclo de alívio monetário deflagrado em agosto do ano passado. Essa redução é expressiva. Equivale quase à metade da executada pelo BC em função da crise financeira de 2008/2009, de 5 pontos percentuais.

Mas o ciclo de baixa da Selic pode aproximar-se um pouco mais desses 5 pontos. Os dois maiores bancos privados do país  – Itaú Unibanco e Bradesco – veem o juro básico em um dígito ainda neste ano. Ilan Goldfajn, do Itaú, espera que a Selic seja reduzida até 9% em quatro quedas consecutivas. Octavio de Barros, do Bradesco, aposta em Selic a 9,5%. Ambos fazem observações sobre as perspectivas para a política monetária.

Barros considera necessário reconhecer que na transição do primeiro para o segundo trimestre deste ano, o orçamento total de redução da Selic poderá ficar apertado, caso se confirme o cenário do Bradesco de uma recuperação econômica mais consistente.

Goldfajn reconhece que a sinalização mais cautelosa do BC e a possibilidade de que outros instrumentos sejam usados para estimular o crescimento econômico podem levar a um ciclo de alívio monetário mais curto.

Em tempo: o BC estima, há três atas do Copom, que a crise europeia na economia brasileira corresponde a 25% do impacto da crise-mãe de 2008/2009.

 


Com Lula e Dilma, conferências explodem. Mas dão resultado?

Agência Carta Maior

Dois terços das conferências sobre temas como assistência social, gays e juventude já realizadas no país, ocorreram a partir de 2003. Em 2011, dois milhões participaram de oito encontros, e mais seis já estão programados para 2012. Ativistas defendem modelo mas reclamam que governo não cumpre decisões. Secretaria Geral da Presidência diz que há resultados concretos.

Najla Passos

BRASÍLIA – A exemplo do ex-presidente Lula, o governo Dilma tem incentivado a realização de conferências nacionais como espaços privilegiados de diálogo com a sociedade na construção de políticas públicas. Em 2011, foram oito (saúde, gays, juventude, mulheres, assistência social, idosos, segurança alimentar e arranjos produtivos), com uma participação estimada de dois milhões de pessoas. Para 2012, já estão convocadas outras seis.

Dois terços de todas as conferências já ocorridas no país desde a primeira delas, sobre saúde, em 1941, ocorreu de 2003 em diante. “Mais do que uma marca dos governos Lula e Dilma, nós queremos que as conferências se tornem políticas de Estado”, afirma o diretor de Participação Popular da Secretaria-Geral da Presidência da República, Pedro Pontual.

Se os números mostram que, ao menos em termos quantitativos, não falta debate, as opiniões dividem-se sobre a influência efetiva das conferências nas decisões de governo e nas políticas públicas. Apesar de defenderem-nas como forma de ação popular, militantes reclamam do que seria interferência dos governos nas discussões e da falta de compromisso deles em viabilizar as propostas aprovadas.

Membro do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Maurílio Castro de Matos, professor da Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), participou dos encontros de saúde, assistência social e LGBT. Para ele, as conferências são o melhor espaço de debates sobre política social “num país onde o conhecimento sempre foi das elites”. Defende, porém, que os governos respeitem as suas deliberações. “Democracia é uma construção coletiva”, diz.

A primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), promovida em dezembro de 2009, ilustra a falta de efetividade. O encontro aprovou, entre outras coisas, que deveria haver um novo marco regulatório das comunicações, mas dois anos depois, o assunto continua sendo discutido internamente no governo.

Mais recentemente, entre novembro e dezembro, a XIV Conferência Nacional de Saúde deu outro bom exemplo de imposibilidade de interferir na realidade – ainda mais contra uma posição do governo. O encontro defendeu que o governo federal fosse obrigado a investir em saúde 10% do que arrecada. O Senado estava votando um projeto sobre isso, e não aprovou a vinculação, por resistência do governo.

Autora de vasta obra sobre controle social do Sistema Único de Saúde (SUS), a professora Maria Valéria Correia, da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) avalia que as conferências, assim como os conselhos, são espaços importantes, mas insuficientes, para a garantia da participação popular.

“São contraditórios, podem apenas legitimar gestões e serem espaços de cooptação dos movimentos sociais”, diz Maria Valéria. “Mas, a depender da correlação de forças, podem reverter o que está posto.”

Duas vezes presidente do Conselho Nacional de Saúde e atual representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no órgão, Francisco Júnior acredita que a sociedade ainda enfrenta limites de participação e legitimação dos debates, sobretudo nos pequenos municípios, “produto de toda uma cultura autoritária, centralizadora e que tem na impunidade seu grande instrumento de sustentação política e jurídica”.

Defensor entusiástico das conferências, o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Iliescu, que participou da Conferência Nacional da Juventude em 2011, acredita que o descontentamento de parte da militância mostra uma certa incompreensão sobre o papel delas.

“Elas acumulam opiniões, aproximam os atores, mas depois é preciso pressionar o governo para que as políticas sejam efetivadas. E, para isso, o maior instrumento ainda é a pressão das ruas”, diz.

Diretora do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes-SN) e professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Suely Soares defende que as conferências pautem de fato as ações do governo. Mas concorda que as conferências não podem ser vistas como salvadoras da pátria.

“Os governos desenvolvem formas de burlar e desobedecer à vontade da população e, muitas vezes, deixam de investir em saúde devidamente e modificam as políticas. É uma luta constante”, afirma.

Pedro Pontual, da Secretaria Geral da Presidência, reconhece que o modelo das conferências precisa ser aprimorado, principalmente nas formas de comunicação dos seus resultados com a sociedade que, muitas vezes, não entende sua importância.

Segundo ele, o governo não se intimida com as críticas, porque este é também o papel dos espaços democráticos: permitir que a população acompanhe e avalie as políticas públicas. Mas insiste que as conferências significam uma forma de diálogo planejado e sistemático com a sociedade. E que elas produzem, sim, resultados.

“Historicamente, foram nas conferências e nos conselhos que se gestaram as principais políticas públicas brasileiras, como o Sistema Único de Saúde [SUS], o Sistema Único de Assistência Social [SUAS] e a Lei Orgânica de Segurança Alimentar [LOAS]”, diz.

 


SUS: pesquisa mostra insatisfação, paradoxos e impasse político

Agência Carta Maior

Brasileiro que usa aprova mas faz avaliação geral negativa sobre Sistema Único de Saúde. Segundo pesquisa, 95% apoiam ampliar gasto público, mas poucos aceitam solução tributária. Maioria defende combater corrupção e desperdício. Com 3,5% do PIB em saúde pública, mesmo sem desvios, Brasil aplica metade de sua inspiração britânica e é 72º no ranking da OMS.

André Barrocal

BRASÍLIA – Uma pesquisa divulgada nesta quinta-feira (12) sobre a opinião popular a respeito da saúde pública mostra algo mais ou menos conhecido. A maioria dos brasileiros acha que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem problemas e faz uma avaliação negativa dele, embora quem o use tenha mais simpatia. Mas o levantamento tem dados que expõem o tamanho do desafio político que é fazer do SUS aquilo que a Constituição planejou em qualidade e eficiência.

Apesar de desaprovar o sistema, a imensa maioria rejeita criar novas fontes de financiamento e até mesmo tirar dinheiro que já existe no orçamento público e está  colocado em outras áreas, para direcioná-lo à saúde. Na opinião pública brasileira, há uma consolidada certeza de que combater a corrupção e o desperdício melhora o SUS.

A pesquisa foi feita pelo Ibope a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em setembro do ano passado, quando a votação, no Congresso, de projeto sobre gasto público em saúde trouxera de volta o debate sobre a criação ou não de novas fontes de recursos para o setor.

Pelo levantamento, 95% dos brasileiros acreditam que é importante e necessário destinar mais recursos à saúde. Ao perguntar o que os governos deveriam fazer para investir mais, a pesquisa deu cinco alternativas, das quais se podia escolher duas, daí que a soma das respostas não dá 100%. “Acabar com a corrupção” recebeu 82% de opções. “Reduzir desperdícios”, 53%. “Transferir recursos de outras áreas”, 18%. “Aumentar os impostos”, 4%. “Outras medidas”, 1%.

“É consenso na sociedade que os governos precisam investir mais. O debate é onde conseguir os recursos”, disse o gerente de pesquisas da CNI, Renato da Fonseca.

O combate a corrupção e desperdícios é a opção preferida dos entrevistados e certamente é capaz de produzir resultados, mas comparado com outros países, o orçamento da saúde pública no Brasil é, em si mesmo, menor. Segundo o ministério da Saúde, o Estado brasileiro gasta por ano algo entre 3,5% e 4% do total das riquezas produzidas no país (PIB).

Mesmo que nada fosse desviado por corrupção ou desperdício, e todos os 3,5% fossem aplicados, ainda assim, é, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a metade do gasto público em saúde do Reino Unido (7% do PIB), cujo modelo de atendimento gratuito e aberto a todos inspirou o SUS. Na Noruega e Suécia, que também tem sistemas similares, investe-se cerca de 6% do PIB.

A tradução dos 3,5% do PIB em despesa por habitante, conta que também independe de desvios entre o que está separado no orçamento e o que chega até um hospital, coloca o Brasil na posição 72 do ranking da OMS de despesa pública per capita.

Dados da pesquisa sugerem que há  um certo descolamento entre realidade e imaginário, no caso do SUS, que reforça a sensação de desafio político. Para 61%, o serviço de saúde pública no Brasil é ruim ou péssimo. Quando se pergunta como é no município da pessoa, a reprovação cai a 54%. E quando se ouviu quem usou o SUS nos últimos 12 meses, descobriram-se 48% de bom e ótimo.

Para Renato da Fonseca, são duas as explicações para o paradoxo. Uma é que a opinião mais geral muitas vezes é formulada não só a partir da experiência individual da pessoa, mas também com base nas histórias que ela ouve de amigos, vizinhos e parentes. A outra está na mídia, cujo noticiário se concentra em – e amplifica – histórias a respeito de problemas da rede pública.

“A conclusão é que a sociedade está insatisfeita com a dificuldade de atendimento, com a falta de recursos materiais e humanos. Mas a situação da saúde não é simples”, disse Fonseca.

 


Brasil perde espaço para China na America Latina

Carta Capital

O cenário econômico incerto nos Estados Unidos e na Europa, devido à crise mundial, deve impulsionar ainda mais os esforços da China para os mercados da América Latina em 2012. A relação da potência asiática com a região, intensificada nos últimos anos, já reduz a participação dos países mais influentes, como Brasil e Argentina, no comércio com os vizinhos latino-americanos.

Especialistas ouvidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que o Brasil deixou de exportar 2,5 bilhões de dólares para países da América Latina entre 2005 e 2009 devido à concorrência chinesa.

A Argentina foi o segundo local mais atingido, com 730 milhões de dólares de exportação a menos no mesmo período. Ambos perderam mercado no setor de químicos, informática, telecomunicações e máquinas e equipamentos.

A China replica no continente, em menor escala, a estratégia utilizada na Ásia e no Pacífico com base em acordos de livre comércio bilaterais para impulsionar sua relação com os países. Com isso, segundo o semanário britânico The Economist, a América Latina hoje é o segundo destino mais importante de investimentos para negócios chineses, com mais de 30 bilhões de dólares por ano, ou 12,5% de todo o aporte da nação asiática fora de seu território.

Luciana Acioly, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e especialista em China, revela que a participação brasileira na corrente de comércio da América do Sul está estagnada há mais de uma década em 11%. “Em 2000, os chineses detinham 2,5% de participação. Em 2010, esse número  saltou para 12,5%.”

Só com o Peru, que faz fronteira com a região norte brasileira, a expectativa de comércio com a China para 2012 é de 15 bilhões de dólares – enquanto, no último ano, o Brasil exportou apenas 2,2 bilhões de dólares para o mesmo país vizinho.

Para reverter esse cenário, a analista defende que o País trabalhe para estreitar os laços com as nações vizinhas a fim de fortalecer a região como um todo. “O crescimento do Brasil não tem sido acompanhado pela melhora no relacionamento com os outros Estados da América do Sul”, diz. “Precisamos fazer mais acordos para conquistar uma complementação industrial e exportar mais produtos manufaturados e com valor agregado.”

Esse aprimoramento nas relações deve focar principalmente a Argentina, destaca Soraya Rosar, gerente-executiva de negociações internacionais da CNI. Segundo ela, o empresariado brasileiro se queixa das restrições da nação vizinha à exportação nacional sob a alegação de estimular a recuperação de sua indústria. “Mas a fatia do mercado que a Argentina diz proteger está sendo ocupada por produtos chineses.”

Algo evidenciado nos primeiros dez meses de 2011, quando o comércio sino-argentino registrou 14,6 bilhões de dólares. Além disso, a China é o segundo maior parceiro econômico do país – atrás do Brasil – e possuí investimentos na Argentina nos setores de energia, petroquímico, transporte e agronegócio, aponta a Economist.

De acordo com o Ministério de Comercio Chinês, China e América Latina realizaram transações de mais de 183 bilhões de dólares em 2010, um aumento de 28,4% em relação ao ano anterior. Enquanto isso, as exportações brasileiras para América Latina e Caribe somaram 57,1 bilhões de dólares em 2011.

Para reconquistar a força no mercado latino-americano, Rosar aponta que o Brasil precisa realizar uma reforma tributária e investir na melhoria da infraestrutura para baixar custos. “A falta de competitividade do País está densamente relacionada com problemas internos.”

Planejamento

O avanço chinês na América Latina, diz Acioly, deve-se à agilidade do país em fazer negócios e colocar em prática o plano de operação para alcançar as metas planejadas de forma rápida. Por outro lado, o Brasil tem procedimentos institucionais excessivamente burocráticos que impedem a conclusão ágil de empreendimentos comerciais. “Falta essa estratégia para o Brasil. Nossas políticas estão fragmentadas e é preciso integração na América Latina.”

A pesquisadora do Ipea destaca que o bloco é estratégico para o Brasil tanto no comércio, pela proximidade regional, quanto para investimentos. “Devemos começar a pensar em perder um pouco no saldo comercial e importar mais desses países, procurando outro sistema de compensação, como financiar a importação de produtos brasileiros, para aproximar as nossas relações.”

Outra saída para ajudar os manufaturados brasileiros a reconquistar mercado, aponta Rosar, é investir em serviços que a China tem dificuldades de fornecer.  “Falamos uma língua próxima, nossos produtos atendem diretamente ao nível de exigência destes mercados e sempre nos garantimos por uma boa assistência técnica”, diz. “Isso poderia ser muito mais explorado.”

 


Câmbio alivia queda das commodities em 2011

Valor Econômico

A alta do dólar frente o real não foi suficiente para proteger os produtores brasileiros da queda nos preços internacionais de algumas das principais commodities agrícolas em 2011, mas ajudou a minimizar a pressão baixista vinda das bolsas internacionais.

Levantamento realizado pelo Valor Data mostra que os preços da soja, do açúcar, do algodão e do trigo, que sofreram recuos expressivos no mercado externo no ano passado, ficaram mais baratos também quando convertidos na moeda brasileira.

Afetados principalmente pela crise de confiança entre os investidores e pelo desaquecimento da economia mundo afora, os mercados agrícolas registraram perdas expressivas no ano passado. Em Nova York, os contratos de algodão e açúcar amargaram baixas de 33,3% e 21,7%, respectivamente. Já os contratos em dólar de soja e trigo mergulharam 13,9% e 18,2% na bolsa de Chicago.

Em contrapartida, também influenciado pelo ambiente de aversão ao risco, o dólar foi na direção contrária e amorteceu o impacto da queda das commodities no mercado interno. A valorização de 12,5% na comparação com o real não foi suficiente para compensar integralmente as perdas, mas aliviou o pouso.

Convertidos em reais, os preços do algodão e do açúcar caíram 25% e 11,9%, enquanto as cotações da soja e do trigo foram reduzidos em 3,1% e 7,9%.

Ao menos do ponto de vista da relação preço-câmbio, o milho foi o grande vencedor em 2011. Embora tenha encerrado o ano muito abaixo das máximas, a commodity foi a única a fechar 2011 no azul no mercado internacional. Nos 12 meses, os contratos em dólar avançaram 2,87% em Chicago. Convertidos em reais, o avanço ficou acima de 15,8%. Os cafeicultores também não têm do que reclamar: apesar da queda de 5% em Nova York, os preços em moeda brasileira avançaram quase 7%.

Contudo, o câmbio teve uma influência decisiva sobre a manutenção dos níveis de preço domésticos quando se consideram apenas os últimos quatro meses do ano, depois que o cenário externo se deteriorou de modo acentuado, e as tendências observadas para o câmbio e os preços nos nove primeiros meses do ano foram revertidas.

De janeiro a agosto, a cotação do dólar frente o real havia acumulado uma queda de 4,7%, enquanto várias commodities ameaçavam retornar aos níveis históricos (pré-crise) de 2008. A partir do mês de setembro, o cenário mudou radicalmente.

Dali até dezembro, o dólar saltou mais de 18% e os mercados agrícolas sofreram a maior queda desde o colapso de o que se seguiu à quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008.

A soja resume bem o efeito que o câmbio teve sobre a renda dos produtores nos últimos meses. Embora os preços de referência, em dólar, tenham caído mais de 17% desde setembro, os preços de exportação, em real, cederam pouco mais de 2%. Algodão, milho, trigo, que também sofreram perdas de dois dígitos no exterior, tiveram oscilações positivas na conversão.

O analista de commodities da Jefferies Bache em Nova York, Vinícius Ito, observa que um dos efeitos do “bônus cambial” foi o aumento da competitividade brasileira e o estímulo às exportações.

Os embarques de soja, que geralmente são residuais no fim de ano, deram um salto de mais de 400% nos meses de novembro e dezembro. Só no mês passado, foram despachadas 1,46 milhão de toneladas da oleaginosa, contra 292 mil toneladas um ano antes.

“O mercado de câmbio é muito maior do que o de commodities, então é natural que o preço da soja se ajuste ao câmbio dos maiores produtores – e não o contrário”, afirma Ito. Em outras palavras, “se o real não tivesse se desvalorizado, os preços em dólar provavelmente teriam se mantido em níveis mais altos”, acrescenta.

A economista da Tendências Consultoria, Amaryllis Romano, afirma que, embora tenha dado alguma sustentação aos preços domésticos, o dólar mais alto ataca a competitividade brasileira pela via dos custos de produção. Algumas das principais matérias-primas utilizadas pela agricultura, como fertilizantes e agrotóxicos, são diretamente afetadas pelo comportamento do câmbio.

Apesar disso, o efeito ainda não será  sentido na safra 2011/12, já que os insumos do último plantio foram comprados quando o câmbio ainda se encontrava em patamares baixos. “Não houve nenhum grande descompasso na safra atual. De modo geral, o cenário foi positivo para os produtores”, afirma.

 


Governança mundial sem liderança

Dani Rodrik – Valor Econômico

A economia mundial está entrando em uma nova fase, na qual obter cooperação global será cada vez mais difícil. Os EUA e a União Europeia (UE), agora assolada por endividamento elevado e baixo crescimento – não serão mais capazes de definir regras mundiais e esperar que outros se enquadrem.

Para agravar essa tendência, potências emergentes como a China e a Índia atribuem grande valor à soberania nacional e não toleram interferência em assuntos domésticos. Isso faz com que esses países não queiram submeter-se a regras internacionais (ou exigir que os outros obedeçam tais regras), sendo, portanto, improvável que invistam em instituições multilaterais, como fizeram os EUA na esteira da Segunda Guerra Mundial.

Em consequência, a liderança e cooperação mundiais continuarão a ser limitadas, exigindo uma resposta cuidadosamente calibrada na governança da economia mundial – especificamente, um conjunto menos denso de regras reconhecendo a diversidade das circunstâncias e demandas nacionais por autonomia política. Mas as discussões no G-20, na Organização Mundial de Comércio (OMC) e em outras instâncias multilaterais caminham como se o remédio certo fosse mais do mesmo: mais regras, mais harmonização e mais disciplina em políticas nacionais.

Voltando ao básico: o princípio da “subsidiariedade” proporciona a maneira correta de pensar as questões da governança mundial. Ele nos informa quais tipos de políticas devem ser coordenadas ou harmonizadas em nível mundial e quais devem ser deixadas em larga medida à responsabilidade de processos decisórios domésticos. O princípio demarca áreas onde necessitamos governança global extensa, delimitando-as daquelas onde basta uma fina camada de regras mundiais.

Existem basicamente quatro variantes de políticas econômicas. Num extremo estão as políticas domésticas que não criam externalidades (ou muito poucas) para além de fronteiras nacionais. Políticas educacionais, por exemplo, não necessitam acordos internacionais e podem ser tranquilamente deixadas para formuladores de políticas domésticas.

No outro extremo estão as políticas que envolvem “o quintal comunitário mundial”: o resultado, para cada país, é determinado não por políticas internas, mas pela (somatória de) políticas de outros países. As emissões de gases estufa são o exemplo. Em tais domínios de politica governamental, há fortes justificativas para o estabelecimento de regras vinculativas em nível mundial, uma vez que cada país, deixado ao sabor de seus próprios interesses, tenderá a negligenciar sua parcela de responsabilidade pela manutenção da área comunitária. Sem um acordo mundial, seremos, todos, condenados a um desastre coletivo.

Entre os extremos, existem dois outros tipos de políticas que criam externalidades, mas que precisam ser tratadas de forma distinta. Primeiramente, há as políticas do tipo “empobrecer seu vizinho”, mediante as quais um país obtém um benefício econômico à custa de outros países. Por exemplo, seus líderes restringem a oferta de um recurso natural com o objetivo de elevar seu preço nos mercados mundiais ou praticam políticas mercantilistas na forma de grandes superávits comerciais, especialmente na presença de desemprego e excesso de capacidade.

Pelo fato de políticas do tipo empobrecer o vizinho criarem benefícios impondo custos sobre outros, elas também necessitam ser regulamentadas em nível internacional. Esse é  o argumento mais forte para submeter as políticas monetárias chinesas ou grandes desequilíbrios macroeconômicos, como o excedente comercial alemão, a uma maior disciplina mundial.

Políticas visando empobrecer o vizinho devem ser diferenciadas das que poderiam ser denominadas “empobrecer a si próprio”, cujos custos econômicos são arcados predominantemente no próprio país, embora possam também afetar outros países.

Considere os subsídios agrícolas, a interdição de organismos geneticamente modificados ou frouxa regulamentação financeira. Embora essas políticas possam impor custos a outros países, são implementadas não para extrair vantagens, mas porque outros motivos para políticas domésticas – como preocupações de natureza distribucional, administrativa ou de saúde pública – prevalecem sobre o objetivo de eficiência econômica.

A justificativa para disciplina mundial é bem mais fraca no caso de políticas de “empobrecer a si próprio”. Afinal de contas, não deve caber à “comunidade mundial” dizer a cada país como deve ponderar objetivos concorrentes. Impor custos a outros países não é, em si mesma, causa para regulamentação mundial. (Com efeito, os economistas raramente queixam-se quando a liberalização do comércio em um país prejudica os concorrentes.) Democracias, em especial, devem ser autorizadas a cometer seus próprios “erros”.

Claro, não há garantia de que as políticas domésticas reflitam com precisão as exigências sociais; mesmo as democracias são frequentemente tomadas como reféns por interesses especiais. Assim, as justificativas para regulamentação mundial assumem uma forma bastante distinta no caso de políticas “empobrecer a si próprio”, e apelam a requisitos processuais destinados a melhorar a qualidade das políticas domésticas. Padrões mundiais envolvendo transparência, ampla representatividade, responsabilidade e uso de evidências empíricas, por exemplo, não limitam o resultado final.

Diferentes tipos de políticas exigem diferentes respostas em nível mundial. Excessivo capital político mundial é atualmente desperdiçado na harmonização de políticas “empobrecer a si próprio” (em particular nas áreas de comércio e de regulamentação financeira), e esforços insuficientes são dispendidos em políticas “empobrecer seu vizinho” (como desequilíbrios macroeconômicos). Esforços excessivamente ambiciosos e mal orientados de governança mundial não serão proveitosos num momento em que a disponibilidade de liderança e cooperação econômica mundiais tende a ser limitada. (Tradução de Sergio Blum)

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