Reforma Trabalhista: violento ataque aos direitos sociais
Por Carla Appollinario de Castro*
Leis de proteção social sempre foram tidas como obstáculo por parte da burguesia
Os direitos sociais (trabalhistas, previdenciários e sindicais) da classe trabalhadora brasileira, conquistados de forma mais efetiva a partir de meados dos anos 1940, quando foi implantada a Consolidação das Leis do Trabalho, nunca foram bem digeridos pela nossa elite dominante.
Em sua origem, tais direitos tiveram o propósito de questionar a redução da questão social a um “caso de polícia”. Assim, o conjunto de consequências e contradições decorrentes do processo de acumulação capitalista, que se apresentavam sob a forma da informalidade, do subemprego e dos baixos salários, passaram a exigir uma atenção especial do Estado, que resultou na implantação das redes sociais de proteção.
Essa legislação social de proteção, desde a sua implantação até os dias atuais, sempre foi tida como obstáculo ao desenvolvimento brasileiro, por parte da burguesia brasileira.
Entretanto, em razão da forte resistência operária, conseguiu sobreviver, apesar de algumas alterações, a diversos regimes econômicos e até mesmo a uma ditadura civil, empresarial e militar.
Com o golpe de 2016, foi retomado o debate acerca de uma suposta necessidade de se realizar as Reformas Trabalhista e Sindical, sob o argumento de “modernizar” as relações de trabalho brasileiras. A reforma foi curiosamente denominada pelo Governo Federal de “Caminho para o diálogo e a pacificação das relações de trabalho”, com os mesmos pretextos de sempre, isto é, modernizar a legislação, desburocratizar as relações de trabalho e ampliar o emprego formal, como se fosse possível realizar a conciliação dos opostos (capital e trabalho).
Seus principais eixos, que aqui chamaremos de mitos, foram os seguintes:
i) que a legislação trabalhista é antiga, tem mais de 70 anos e, por isso, seria ultrapassada;
ii) que a proteção muito rígida do Direito do Trabalho gera desemprego, sendo necessária a flexibilização da legislação para a criação de postos de trabalho, adaptando-a ao capital volátil e flexível;
iii) que o excesso de processos na Justiça do Trabalho seria causado pelo Direito do Trabalho;
iv) que os empregadores não têm segurança jurídica por meio dos acordos e convenções coletivas, uma vez que a Justiça do Trabalho impõe o cumprimento da legislação de proteção sem levar em consideração os processos negociais de flexibilização.
Nenhum desses argumentos possui amparo na realidade concreta e objetiva da classe trabalhadora e, por isso, temos que a “Reforma” se revelou como verdadeiro ataque aos direitos sociais das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros.
Mesmo tendo mais de 70 anos, é possível verificar diversas alterações no texto da legislação trabalhista desde a sua implantação. Mesmo com a Reforma, o desemprego estrutural brasileiro ampliou-se e vínculos de trabalho mais precários foram criados, a exemplo dos contratos de trabalho intermitente, temporário e a tempo parcial.
A Justiça do Trabalho, também objeto de ataque e ameaçada de extinção, julga, em sua maioria, processos que reivindicam verbas de natureza salarial, que não foram pagas pelos empregadores decorrentes da desobediência empresarial quanto ao cumprimento das leis trabalhistas que garantem direitos mínimos à classe trabalhadora (saldo de salário, férias, décimo terceiro salário etc.).
O argumento da insegurança jurídica nas negociações coletivas também é falacioso à medida que, na verdade, os acordos e convenções eram afastados apenas quando continham clara violação dos direitos sociais conquistados por meio da negociação coletiva, o que ocorria em muitos casos.
Nada disso seria possível diante de uma classe trabalhadora organizada e mobilizada. Daí, na sequência, foi realizado o maior ataque das últimas décadas aos sindicatos, ou seja, aos organismos legítimos de organização, representação e resistência da classe trabalhadora, por meio da criação de inúmeros obstáculos à cobrança da contribuição sindical e da adoção de diversas possibilidades de realização de acordos individuais no que diz respeito a aspectos da relação de trabalho (realização de hora extra, banco de horas, compensação da jornada e adoção da jornada de 12 x 36 horas).
Por fim, o último retrocesso social veio sob a forma de reforma da previdência que coloca em xeque a proteção social, sobretudo, das mulheres, dos jovens, e dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Não por acaso, essa ofensiva do capital foi realizada em um contexto de total supressão da ordem democrática e não contou com ampla discussão com a classe trabalhadora organizada. O resultado é a total deslegitimação da nova ordem social imposta aliada a sua incapacidade de promoção da inclusão e da emancipação social substantivas.
Assim, se por um lado, todas essas transformações geram novos desafios à classe trabalhadora e suas entidades de representação social, por outro lado, temos um importante momento histórico para questionarmos o padrão antidemocrático de todas essas medidas, motivo pelo qual a luta continua. Há braços na luta!
Carla Apollinario de Castro é pesquisadora doutora e professora de direito da Universidade Federal Fluminense.
Edição: Daniela Stefano