Mário Schenberg: cientista e militante comunista

imagemPós Graduandos do PCB de São Paulo

Mário Schenberg, além de ser um brilhante cientista, também teve como marca de sua vida a militância política. Comunista, foi membro do Partido Comunista Brasileiro¹. Nascido no dia 2 de Julho de 1914, em Recife, onde viveu toda sua infância e adolescência. Sua carreira acadêmica começa em 1931 na Faculdade de Engenharia do Recife, porém, no terceiro ano, transferiu-se para a São Paulo, onde se formou em engenharia elétrica na Escola Politécnica em 1935 e em matemática, na recém fundada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1936.

Schenberg, durante o tempo em que estudou em São Paulo, teve aulas e conviveu com grandes nomes da ciência da época, inclusive professores de renome internacional, como Gleb Wataghin e Giuseppe Occhialini que foram contratados para ministrar disciplinas em diferentes cursos na recém-criada faculdade.

Iniciou sua atividade como cientista trabalhando com Enrico Fermi (Nobel de 1938) na Universidade de Roma, em 1938. No mesmo ano colaborou em Zurique com Wolfgang Pauli (Nobel de 1945). Esses dois cientistas introduziram na física uma partícula com carga elétrica e massa evanescente, batizada como neutrino.

Em 1940 foi para Washington trabalhar com George Gamow, Schenberg introduziu o neutrino na astrofísica para explicar o colapso estelar, que dá origem ao processo explosivo nas estrelas chamadas novas e supernovas. Foi denominado processo Urca (“Urca process”), pois Gamow observava que as estrelas perdiam neutrinos, tal como os jogadores perdiam dinheiro no Cassino da Urca, que visitou no Rio de Janeiro. Esse trabalho deu projeção internacional a Schenberg.

Em 1941, foi para Princeton trabalhar com o astrofísico indiano S. Chandrasekhar (Nobel de 1983). Dessa colaboração resultou um artigo no qual se estuda a evolução estelar, em particular a do sol, e onde figura o chamado limite de Schenberg-Chandrasekhar. Estrelas que ficam bilhões de anos estáveis, quando atingem esse limite, sofrem uma alteração em seu “metabolismo”. No caso do Sol, esse limite será atingido daqui a cinco bilhões de anos. Seu raio começará a crescer para em seguida decrescer e o Sol terminará como uma anã branca.²

Terminado o trabalho com Chandrasekhar, retornou ao Brasil em 1942, após ter recusado um convite para trabalhar na Universidade de Chicago, pois temia ter que trabalhar em projetos bélicos como a construção da bomba atômica.³

Em paralelo com sua atuação acadêmica, Schenberg sempre participou ativamente da discussão dos problemas político-econômicos do Brasil. Enquanto prestava o concurso para a cátedra em “Mecânica Racional, Celeste e Superior” da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, em 1944 começa mais intensamente um envolvimento com a política nacional, filiando-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) participou das eleições como suplente e ocupou o cargo de deputado estadual em 1947, porém ocupou este cargo por apenas dois meses, pois o então presidente Dutra e alguns procuradores de justiça, valendo-se de um dispositivo incluído na constituição de 1946, consideraram o PCB ilegal, logo após foram cassados todos os políticos eleitos pela legenda.

Porém, mesmo tendo ocupado o cargo por apenas dois meses, teve uma participação importante na bancada do partido (liderada por Caio Prado Júnior), quando conseguiu, juntamente com outros parlamentares, a aprovação do Artigo 123 da Constituição Paulista que instituiu os fundos de amparo à pesquisa no Estado de São Paulo, que, anos mais tarde,levou à fundação da FAPESP,

Após ser cassado, Schenberg foi detido ficando dois meses preso, e assim que foi libertado, solicitou uma licença prêmio para viajar para a Europa a convite do Professor Occhialini, para trabalhar na Universidade de Bruxelas onde passou 5 anos, mas sem perder o contato com a ciencia e politica no Brasil.

Retornando ao Brasil apenas em 1953, sob o governo do Presidente Getúlio Vargas, que havia adotado uma política mais conciliatória, permitindo o retorno de líderes que haviam sido expurgados no governo Dutra, Schenberg assume a direção do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo. Ocupou essa função de 1953 até 1961, quando então, deixou a direção do departamento. Durante o período em que esteve na direção do departamento, mesmo enfrentando diversas dificuldades, até mesmo financeiras, foi capaz de implantar diversas melhorias como o Laboratório de Estado Sólido, o laboratório de Eletrônica e foi ele, principalmente, o responsável pela instalação do primeiro computador da Universidade de São Paulo, para o qual recebeu colaboração da Escola Politécnica e da Faculdade de Ciências Econômicas. Assim, foi o responsável direto por iniciar o processo de informatização da USP além de influenciar na criação de cursos importantes para o currículo da Física na USP, como Física do Estado Sólido, Astronomia, Partículas Elementares e Evolução dos Conceitos da Física.³

Eleito pela segunda vez deputado estadual em 1962, pela legenda do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), em um acordo com o PCB, então na clandestinidade, sequer chegou a ser diplomado, impedido pela Justiça Eleitoral.

Em 31 de março de 1964, enfim estoura o golpe militar, instituindo um governo ditatorial extremamente repressivo, que não se furtava de lançar mão da prática de torturas e assassinatos de cidadãos, com o intuito de neutralizar e eliminar os opositores políticos e os considerados “grupos subversivos”. Neste contexto ocorreu, no dia 2 de abril, a prisão de Mário Schenberg, forçando a interrupção do curso de Mecânica Quântica na USP, ficando detido por 50 dias em condições sub-humanas nas instalações do DOPS³. Após muita pressão internacional nas figuras de Werner Heisenberg (Prêmio Nobel em 1932) e os físicos japoneses, Hideki Yukawa, (Prêmio Nobel em 1949) e Mituo Taketani, entre inúmeros outros professores de universidades japonesas, saíam em defesa de Schenberg, chegando a ameaçar a cooperação científica entre os países³, ele é liberado.

Em liberdade, Schenberg reassume suas funções na USP. Mas, menos de seis meses após sua libertação, uma nova Auditoria Militar decretou sua prisão preventiva, em 13 de outubro de 1964, sendo revogada somente em dia 12 de novembro do mesmo ano. Nesse período sua biblioteca e seus quadros de tinta a óleo que foram dilacerados por policiais com a desculpa de estarem em busca de provas que que pudessem incriminá-lo. Ainda que tenha sido absolvido dos processos que foram abertos em seu nome, Schenberg não teria se livrado totalmente de todas as perseguições, pois no dia 23 de março de 1965, o jornal O Estado de São Paulo, publicou uma nota com conteúdo explicitamente difamatório contra ele, mas a comunidade de físicos da USP saiu em sua defesa publicando no dia seguinte uma nota de esclarecimento que foi assinada publicamente por vários físicos, colegas de trabalho e ex-alunos.

No IV Congresso do Partido Comunista Brasileiro em 1967, Schenberg entra para o comitê central e no mesmo ano torna-se professor do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas). Então, quando tudo parecia estar correndo bem, novamentes as coisas acabaram se complicando, desta vez não só para Schenberg mas para vários cientistas, pois em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do então presidente da ditadura Artur da Costa e Silva e redigido pelo ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva foi criado o Ato Institucional Número 5 (AI-5). Considerado o mais duro golpe na democracia dando poderes quase absolutos ao regime militar, deixou marcas profundas e irreparáveis para muitos, o regime militar se tornaria implacável, levando ao extremo a intolerância política e ideológica.

Schenberg é forçado a abandonar qualquer atividade relacionada ao ensino ou pesquisa, por conta das novas regras.

[…] mas, em 1969, fui aposentado. Aí, a situação ficou difícil. Era até perigoso eu aparecer lá pela universidade para consultar a biblioteca, porque eles podiam dizer que eu estava exercendo atividades dentro da universidade, e não sei que sanção poderia aplicar. Eu interrompi completamente minhas atividades. A única relação que eu tive com o Instituto de Física, até recentemente, foi ir lá uma vez assistir um seminário do Wataghin. Depois, eu só ia lá para tratar de coisas burocráticas. Fiquei, completamente afastado e com muitas dificuldades, principalmente nos primeiros anos. Eu tinha sido convidado para trabalhar em vários lugares e ia trabalhar no CERN na Suíça, mas não consegui tirar passaporte.³

Na década de 70 sofreu inúmeras perseguições e ameaças de entidades do governo, que ameaçavam por vezes sua integridade física. Saiu do Brasil somente em 1972 e só voltaria em 1979 com a promulgação da chamada Lei da Anistia, tornando possível então sua reintegração à Universidade de São Paulo.

Em 1982 recebe o título de Professor Emérito do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, que lhe foi conferido pela Congregação do Instituto, em 1983 é agraciado com o prêmio de Ciência e Tecnologia do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), e em 1984, por ocasião da comemoração ao seu 70° aniversário, foi homenageado com um Simpósio Internacional, no Instituto de Física, e a publicação de um número especial da Revista Brasileira de Física, para o qual contribuíram muitos dos colaboradores e pesquisadores internacionais com quem conviveu, em 1986 recebeu o Título de Cidadão Paulistano e finalmente em 1987 recebeu o Título de Professor Emérito da Universidade São Paulo.

Nos últimos anos de sua vida, foi acometido por uma doença degenerativa e, em 10 de novembro de 1990, morria Mário Schenberg, um dos maiores físicos brasileiros e militante do Partido Comunista Brasileiro.

Referências

1 https://pcb.org.br/portal2/17102/mario-schenberg/

2 Schenberg: Nada que é Humano lhe era Estranho. ALBERTO LUIZ da ROCHA BARROS

3 https://tede2.pucsp.br/handle/handle/13264