Governo define corte de R$ 60 bilhões

O Orçamento deste ano deve sofrer um contingenciamento de R$ 60 bilhões nas despesas públicas. Esse é  o número discutido na primeira reunião da Junta Orçamentária, integrada pelos ministros Guido Mantega, da Fazenda, Miriam Belchior, do Planejamento, e Gleisi Hoffmann, da Casa Civil. O valor é avaliado como “limite” pelos técnicos dos três ministérios – com esse valor, a equipe econômica entende que consegue garantir o superávit primário cheio (R$ 139,8 bilhões) e, ao mesmo tempo, impulsionar os investimentos públicos, como deseja a presidente Dilma Rousseff. O decreto orçamentário, que será editado no fim deste mês, também incluirá uma revisão na estimativa do governo para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) de 2012, de 5% para 4,5%.

O corte de R$ 60 bilhões no orçamento leva em conta, portanto, um salto no PIB inferior àquele previsto na peça orçamentária aprovada pelo Congresso no fim de dezembro. Se confirmado, o corte será ao menos R$ 10 bilhões superior aos R$ 50,6 bilhões contingenciados do Orçamento de 2011 em fevereiro do ano passado, quando o governo cumpriu uma meta ampliada do superávit primário, de R$ 128 bilhões.

Mesmo revista, a estimativa para o avanço do PIB neste ano continua muito além daquilo que os principais técnicos da equipe econômica esperam. Segundo um integrante do alto escalão da equipe econômica, a taxa continua muito otimista. Mesmo a previsão do Banco Central, de avanço de 3,5%, é vista como teto. “O PIB de 3,5% é atingível, mas otimista”, disse a fonte. “Uma alta de 3,5% neste ano é teto”, disse uma fonte do alto escalão do governo.

Nesse cenário, a equipe econômica começa a modelar uma queda mais proeminente da inflação. Fala-se cada vez mais que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve mesmo ficar abaixo de 5%, próximo, portanto, à previsão de 4,7% do Banco Central. “Surpresa na inflação neste ano só pelo lado positivo, diferente de 2011, quando as surpresas foram todas do lado negativo (altas de preços)”, disse uma fonte na equipe econômica. No ano passado, o IPCA atingiu a maior taxa desde 2005, ao fechar em 6,5%, no teto da meta perseguida pelo BC no ano.

A atividade econômica vai ganhar força no segundo semestre, especialmente devido ao efeito concentrado da queda na taxa básica de juro. A equipe econômica estima em seis a oito meses o período em que uma decisão do BC quanto a Selic passa a fazer efeito pleno na atividade. “O efeito concentrado dos cortes na Selic ocorrerá no segundo semestre deste ano”, avalia um economista do governo, para quem, no entanto, “isso está na conta do avanço de 3,5% do PIB”.

A equipe econômica trabalha com um avanço entre 0,5% e 1% no PIB entre o quarto trimestre de 2011 e os primeiros três meses deste ano, feito o ajuste sazonal. Se confirmado, o avanço terá sido muito superior aos cerca de 0,2% de alta esperados para o quarto trimestre (na comparação com o terceiro trimestre).

São poucas as informações que dispõem os economistas oficiais sobre a atividade em janeiro, mas a avaliação mais recente é que o PIB deve crescer “mais para 0,5% do que para 1%” entre o quarto trimestre de 2011 e o primeiro trimestre deste ano, embora um avanço mais próximo de 1% não esteja descartado – o governo está particularmente surpreso com o desempenho sobre a indústria de eletrodomésticos da linha branca que a redução do Imposto sobre Produtos Industrializado (IPI) realizada em 1º de dezembro está tendo.

A taxa de juros neutra, aquela necessária para levar o IPCA a 4,5%, caiu, estima o governo. As concessões à  iniciativa privada da gestão dos três principais aeroportos do país, a redução do tamanho do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a provável aprovação pelo Congresso do fundo de previdência complementar dos servidores federais (Funpresp) são itens colocados no radar do governo para 2012, e que, de acordo com a equipe econômica, reduzem a “necessidade dos juros elevados”. Ao dizer que a taxa de juros neutra caiu, os técnicos do governo avaliam que uma Selic menor é capaz de manter o IPCA próximo à meta de 4,5%.

Além do que a equipe econômica chama de “avanços institucionais de 2012”, um ritmo mais modesto da atividade neste ano vai auxiliar o governo na convergência da inflação para a meta do Banco Central. “Vamos cumprir a meta de superávit primário, o que evidentemente não estimula a atividade econômica, que será puxada pela reativação dos investimentos públicos e pela queda nas taxas de juros”, advoga uma fonte do alto escalão da equipe econômica. “Será o segundo e último ano de arrumação do terreno para um crescimento muito acelerado em 2013 e 2014”, disse.

 


Estádios da Copa correm risco de greve

Valor Econômico

Os 25 mil trabalhadores que hoje estão  à frente das obras dos estádios da Copa do Mundo de 2014 podem cruzar os braços em março, uma greve nacional capaz de comprometer o cronograma de conclusão das 12 arenas do torneio. A ameaça de paralisação é assinada pelas principais centrais sindicais do país, como Força Sindical, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Confederação Sindical Internacional (CSI) e Federação Nacional dos Trabalhadores na Indústria da Construção Pesada, além de sindicatos estaduais que representam os profissionais da construção civil.

Até o dia 15 uma comitiva formada por lideranças sindicais das 12 cidades-sede estará em Brasília para apresentar uma proposta única de piso salarial e de benefícios para todo o país, independentemente de onde o trabalhador esteja. “Se não houver diálogo e não se chegar a um acordo, são grandes os riscos de realizarmos uma paralisação nacional”, diz Adalberto Galvão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Pesada e Montagem Industrial da Bahia (Sintepav-BA), vinculado à Força. “O setor amadureceu muito e hoje os trabalhadores da construção civil têm consciência de seu papel no crescimento do país. Essa é uma oportunidade única para diminuirmos parte das discrepâncias na distribuição de renda do país.”

O Valor teve acesso à pauta de reivindicações que será entregue na reunião que deve ter a participação da Secretaria Geral da Presidência, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), além de sindicatos patronais. Os sindicalistas querem piso nacional unificado de R$ 1,1 mil para ajudantes de obras, profissional que hoje ganha cerca de R$ 600 na região Nordeste. Para carpinteiros e pedreiros, o pleito é de R$ 1.580, quando a média atual é de R$ 1,2 mil. A cesta básica requerida é de R$ 350. Os planos de saúde, muitas vezes limitados ao trabalhador, deverão ser estendidos às suas famílias. Quanto à hora extra, o pedido é que o percentual pago seja de 100% durante os dias de semana, diante da média de 50%, como acontece na maioria dos Estados. Finalmente, os trabalhadores querem folga de cinco dias úteis consecutivos a cada 60 dias trabalhados, para visitar familiares, com custo de transporte bancado pelas empresas.

A reivindicação para que haja um piso nacional para os trabalhadores, conforme defendem os sindicatos, se apoia no fato de que a formação de preço das licitações das obras é muito semelhante em todo o país, além das obras estarem concentradas nas mãos de poucas construtoras. “Queremos uma solução nacional. Não adianta mais beneficiar apenas um Estado, se os outros continuam em situação complicada”, diz João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.

A proposta de padronização do piso salarial dos trabalhadores em todo o país é a etapa mais sensível de um processo iniciado em março do ano passado, quando explodiu a revolta dos trabalhadores da hidrelétrica de Jirau, em Porto Velho (RO). De lá para cá, um comitê tripartite reuniu em volta da mesma mesa o governo federal, sindicatos e empresas para encontraram propostas de melhoria de condições de trabalho e segurança. Algumas promessas saíram do papel, com a extinção dos contratos terceirizados até então realizados pelas empreiteiras – evitando a famosa participação dos “gatos” nas obras – e a obrigação de contratação de pessoas cadastradas no Sistema Nacional de Emprego (Sine). A questão salarial, no entanto, não foi tocada.

“Temos a oportunidade única de resolver essas diferenças de renda de uma vez por todas. Não  é mais possível que pessoas que estejam produzindo um mesmo tipo de obra fiquem sujeitas a condições totalmente desiguais”, diz Nair Goulart, presidente-adjunta da Confederação Sindical Internacional (CSI).

Na prática, os sindicatos querem que o piso da classe seja ajustado a valores próximos aos mercados de São Paulo e Rio de Janeiro. “Um bancário ganha o mesmo salário-base no país inteiro. Por que não podemos ter o mesmo direito, se estamos tratando de obras similares e do mesmo grupo de construtoras e fornecedores?”, pergunta Claudio da Silva Gomes, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e da Madeira (Conticom), vinculado à CUT. “Esse é um momento crucial para o setor e é dessa forma que iremos tratá-lo. Se não houver acordo, uma paralisação nacional pode ocorrer sim, envolvendo inclusive outras obras de grande porte, não apenas os estádios da Copa.”

Há alguns dias, os trabalhadores das arenas de Salvador e Recife estão paralisados. No ano passado, movimentos grevistas afetaram as obras no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Cuiabá e Porto Alegre.

Para Nilson Duarte Costa, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) no Rio, a reivindicação nacional “é justa”, mas ele coloca em dúvida uma paralisação de 100% das obras do país. “Sabemos que os salários pagos do Rio são o dobro dos salários de Fortaleza, mas isso foi conseguido com muita luta no Estado”, comenta. “Continuamos lutando por melhorias por aqui, mas essa mobilização exigiria um grau de conscientização que, honestamente, ainda não vejo.”

Estima-se que as obras de construção e reforma dos estádios vão consumir cerca de R$ 7 bilhões em investimentos. O cronograma mais recente prevê que nove arenas sejam entregues até dezembro deste ano. No caso de Manaus, o prazo é junho de 2013, enquanto São Paulo e Natal têm data para dezembro de 2013.

 


STF devolve ao CNJ poder de investigar e punir juízes

O Globo

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) devolveu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o direito de iniciar investigação sobre juízes por desvio de conduta.

Em dezembro, o ministro Marco Aurélio Mello havia dado liminar restringindo essa tarefa às corregedorias dos tribunais locais. O CNJ só poderia atuar em caso de omissão dos órgãos. Foi a estreia da ministra Rosa Maria Weber, que votou em prol do conselho.

A decisão esvazia a crise instaurada entre o STF e o CNJ, cujos membros vinham trocando farpas em público e nos bastidores. A tensão entre os dois órgãos começou em setembro, quando a corregedora do conselho, ministra Eliana Calmon, disse que havia “bandidos escondidos atrás da toga”, em protesto contra o risco de o CNJ ser esvaziado. O presidente do STF, Cezar Peluso, não gostou.

Nem as associações de juízes.

A decisão de ontem foi tomada no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta em novembro de 2010 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade contestou artigos da Resolução 135 do CNJ, que fixou regras para unificar a fiscalização dos tribunais e da atividade dos juízes. Ontem, em votação apertada e repleta de discussões acaloradas, o plenário do STF derrubou a liminar dada por Marco Aurélio.

Durante a discussão, o relator e os demais ministros que queriam limitar a atuação do CNJ chegaram a propor um acordo. A ideia era permitir que o conselho abrisse processos administrativos contra juízes mesmo antes da atuação das corregedorias locais, desde que justificasse essa atitude. Entre os motivos permitidos estaria, por exemplo, a falta de isenção do tribunal para julgar um integrante. A maioria dos ministros rejeitou a proposta.

— A motivação significa a exposição de um determinado motivo, o que geraria uma série de questionamentos que emperrariam o sistema.

Não é necessária a motivação formal. Seria uma fonte de embaraço, não de maior eficiência —  argumentou Cármen Lúcia.

— A intervenção do CNJ, tendo por pressuposto a existência de um vício, tem que estar justificada. Como todos os órgãos são falíveis, pode ser que o conselho também erre.

Não consigo entender a resistência à necessidade de motivar. Não há mutilação nenhuma de competência — respondeu Peluso.

Estreia com voto decisivo

A primeira a votar foi Rosa Weber. Marco Aurélio a inquiriu, de forma veemente, sobre a possibilidade de adesão  à sua proposta.

Com o semblante assustado, a novata titubeou no início. Em seguida, foi socorrida por Gilmar Mendes, que sustentou sua posição contrária à medida. Educadamente, Rosa pediu a palavra em seguida e reforçou sua posição contrária ao relator. Até esse ponto do julgamento, a ministra limitava-se a manifestações breves.

Durante o julgamento, ficou claro que o plenário estava dividido: de um lado, cinco ministros defendiam com unhas e dentes que o CNJ só atuasse depois que as corregedorias locais abrissem investigação contra juízes. Além do relator, integraram o time Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Luiz Fux. Do outro lado, alinharam-se Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

— Até as pedras sabem que as corregedorias não funcionam quando se cuida de investigar os próprios pares. Jornalistas e jornaleiros dizem isso. Quando se exige que o processo comece na corregedoria do tribunal, se quer transformar o CNJ num órgão de correição das corregedorias. Isso é um esvaziamento brutal das competências do conselho — disse Gilmar Mendes.

— Uma única corregedoria não pode substituir as 90 corregedorias existentes e pagas pelos contribuintes — rebateu o ministro Marco Aurélio, ao defender a atuação prioritária dos órgãos fiscalizatórios dos tribunais.

O ministro Gilmar Mendes afirmou que as corregedorias trabalham mal. Ele lembrou que o CNJ foi criado para suprir essa deficiência.

O ministro ponderou que, limitando- se os poderes do conselho, todos os atos do órgão poderiam ser questionados: — Assumiríamos um sério risco.

Vamos ter um sem-número de nulidades de ações do conselho.

Vamos provocar insegurança jurídica! Ao fim das quase sete horas de julgamento, Peluso afirmou que o resultado do julgamento deixava implícito que as corregedorias dos tribunais eram acusadas de serem omissas. Segundo o presidente do STF, essa afirmação era muito grave, e o Judiciário não poderia ser conivente com essa falha.

Mesmo com tantas horas de discussão, o assunto não foi esgotado.

Na próxima quarta-feira, outros artigos serão discutidos. Um deles diz que, antes da decisão sobre a instauração de um processo disciplinar, o juiz terá prazo de 15 dias para defesa prévia.

Também será debatido um artigo que prevê o afastamento de magistrado antes da instauração do processo disciplinar. Por fim, o STF julgará a validade de norma que permite a aplicação de pena mais leve em caso de não haver maioria absoluta na escolha de uma punição contra juiz em processo administrativo.

Ao final do julgamento, o relator Marco Aurélio, derrotado na principal votação, ironizou: — Só  falta agora o CNJ mandar o Supremo sair do prédio

 


Bancos médios se ajustam depois da investida do BC

Valor Econômico

Uma inspeção geral deflagrada pelo Banco Central no ano passado, na esteira da escandalosa quebra do banco PanAmericano, está resultando em uma série de ajustes nos balanços dos bancos de pequeno e médio portes e também de financeiras. O processo ainda não está concluído e demonstrações contábeis futuras podem ser impactadas. Depois de fazer um pente fino nas contas das instituições, a autoridade demandou que diversos bancos aumentassem as provisões em seus balanços, em alguns casos, em volumes significativos.

Ao apertar a fiscalização, o BC detectou também episódios pontuais de fraude, como o do Banco Morada, que sofreu intervenção em abril de 2011 e foi liquidado em outubro. Mas em quase todos os casos, ao final da inspeção, a autoridade limitou-se a requisitar ajustes contábeis.

Dois problemas foram mais recorrentes, segundo apontam balanços de bancos e relatos de banqueiros ouvidos pelo Valor: 1) reclassificação para pior do rating de operações de crédito, com consequente aumento das provisões e 2) mudança na forma de contabilização das comissões pagas aos chamados “pastinhas”, que vendem as operações de crédito consignado. Nesse caso, bancos que cedem suas carteiras vinham mantendo a despesa com as comissões diferidas ao longo do prazo do contrato. E o BC exigiu que as despesas fossem lançadas de uma vez, no ato da cessão dos créditos. Foram encontrados ainda casos menos comuns relacionados à avaliação de imóveis, como o do banco Luso Brasileiro, e outros de contingências trabalhistas e de ações cíveis que não estavam provisionadas a contento.

Levantamento feito pelo Valor nas demonstrações contábeis até o terceiro trimestre de 2011 apontou que ao menos dez instituições tiveram que fazer ajustes por determinação do BC ou receberam a recomendação, de suas auditorias independentes, de fazê-lo. Entre ajustes realizados e aqueles recomendados pelos auditores, chega-se a um total de R$ 2,1 bilhões. Em apenas três desses casos – Rural, Luso Brasileiro e Máxima -, os bancos explicitaram em balanço que fizeram os ajustes atendendo a uma determinação do BC.

Em outros quatro casos – Schahin, Matone, Morada e financeira Oboé – os ajustes requisitados pela autoridade foram além e resultaram em operações de troca de controle ou intervenção. Os auditores independentes também foram protagonistas de recomendações de ajustes, anotadas em ressalvas feitas nos balanços, adotando postura mais rigorosa em função do episódio do PanAmericano e sob pressão do BC.

Existem ainda casos (não incluídos no levantamento) como o do BicBanco e da BV Financeira, em que ocorreu um grande aumento das despesas com provisões para créditos duvidosos, com reclassificação da nota de crédito (rating), mas que as demonstrações contábeis não mencionam haver uma relação com ação do BC ou de auditoria. As duas instituições justificam mudança do cenário econômico, com mais inadimplência.

O BC realiza de tempos em tempos inspeções gerais como essas, mais aprofundadas. Além do episódio do PanAmericano, o cenário de crise e a liquidez restrita também teriam motivado o BC a passar o pente fino em 2011. “Acho até que, por causa da preocupação com os impactos da crise, o pessoal do BC foi bastante compreensivo e permitiu que os ajustes fossem feitos de forma escalonada”, diz o presidente de um banco. Em alguns casos, mesmo depois de a auditoria independente verificar que havia problemas nas demonstrações contábeis, o BC não exigiu a republicação do balanço. É o que aconteceu, por exemplo, com o Cruzeiro do Sul, que deveria ter feito no balanço do terceiro trimestre de 2011 provisões de R$ 197 milhões. A instituição, porém, deixou para fazer o ajuste no balanço do quatro trimestre, a ser publicado proximamente. A autoridade só obriga os bancos a publicar balanços anuais e semestrais.

Havia uma preocupação específica da autoridade com bancos que faziam cessão (venda) de carteiras de crédito, como o PanAmericano. Mas a auditoria não se limitou a esses bancos.

Alguns executivos ouvidos pela reportagem contam que por volta de junho e julho foram contactados pelo BC para o início da inspeção, que levou aproximadamente dois meses. Mas o processo ainda estaria em andamento dentro de alguns bancos. Procurado, ontem, o Banco Central não comentou.

O aperto do BC não passou pela criação de novas regras, mas sim pelo maior rigor na exigência de cumprimento daquelas já existentes. De acordo com um especialista em contabilidade bancária, as provisões de operações de crédito são feitas com uma certa dose de subjetividade. É justamente em cima dessa brecha aberta que o Banco Central tem sido mais rigoroso, cobrando mais justificativas dos bancos sobre as notas que deram às transações, para não dar margem a manobras. “O BC se tornou mais questionador”, diz o executivo. No Rural, por exemplo, parte dos ajustes exigidos pela autoridade ainda estão sendo discutidos.

A metodologia de fiscalização do Banco Central não foi alterada, de acordo com dois auditores que acompanham instituições financeiras. O que aconteceu, em muitos casos, foi que a autoridade passou a analisar uma amostra maior tanto de instituições quanto de operações de crédito.

No fim de setembro, uma resolução aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi vista no mercado como a coroação desse movimento de maior rigor na fiscalização. A resolução 4.019 consolidou todos os instrumentos dos quais a autoridade monetária já dispunha para monitorar os bancos e, diante de qualquer sinal de desequilíbrio, intervir. Foi uma forma que o BC encontrou de passar um recado aos bancos, sinalizando a quais itens se atentará ao fiscalizá-los.

Banqueiros consultados pelo Valor consideram que a ação do BC foi salutar. “Foi muito bom, porque deu uma boa limpada nos balanços, que agora apresentarão maior qualidade”, diz um executivo. “Todas as nossas questões patrimoniais foram resolvidas e com uma grande limpeza no balanço”, disse João Heraldo Lima, presidente do Rural, que recebeu determinação do BC de fazer ajustes de R$ 180 milhões – dos quais R$ 150 milhões já foram feitos e R$ 30 milhões foram questionados pelo banco. Como consequência dos acertos, o Rural teve que fazer um aumento de capital de R$ 65 milhões em dezembro.

O Valor procurou os bancos citados na reportagem, mas só obteve retorno de Rural, Banif e Máxima. O Banco Máxima informa que a reversão da valorização do investimento no Fundo de Participações Máxima 1 FIP não foi necessária, pois, no prazo assinalado pelo Banco Central, o fundo foi distribuído, confirmando os valores de avaliação dos ativos.

Marcos Tavares, superintendente de contabilidade do Banif, conta que, em seu caso, houve divergência entre a posição do BC e do auditor independente, a KPMG. “O Bacen estava do nosso lado, ele concordava com a maneira feita”, diz Tavares. Isso não impediu, contudo, que a auditoria cravasse uma ressalva no balanço do banco.

 


Por que a América Latina não cresce como a Ásia?

Agência Carta Maior

Ao fim de 2011 a economia brasileira teve crescimento nulo. No princípio deste ano, um prestigioso instituto britânico, o Centre for Economic and Busines Research, colocou o Brasil à frente do Reino Unido na lista das “top 10” economias do mundo e previu que, em 2020, sua economia superaria à da Alemanha, hoje segundo exportador mundial depois da China. Carta Maior dialogou com Gabriel Palma, acadêmico chileno da Universidade de Cambridge, na Grã Bretanha, especialista em política econômica comparada, que há anos procura desentranhar por que os países da Ásia têm um crescimento sustentável que não existe na América Latina.

No Brasil o copo está  meio vazio ou meio cheio?

Gabriel Palma – Que a economia brasileira em termos de Produto Bruto Interno tenha passado a do Reino Unido não é tão significativo como pareceria à primeira vista porque o Brasil tem três vezes a população britânica. Se for comparado este dado com outras estatísticas brasileiras como a desaceleração, a desindustrialização, a “commoditificação” da economia, o panorama muda. Meu ponto de partida é outro. O que venho me perguntando faz tempo é por que os países da América Latina não podem crescer como os da Ásia. Na Coréia, Singapura, Taiwan, Malásia, Tailândia, Indonésia e China, o crescimento foi de dois dígitos durante décadas. Na América Latina não. Dá-se um crescimento de dois dígitos que dura uns anos e depois se esvazia. E não acontece só no Brasil. Acontece no Chile, na Argentina, no resto da região.

E qual é a resposta a essa pergunta?

Gabriel Palma – Como você  pode imaginar é muito complexa. Mas os dados são muito claros. Em 1980 o parque industrial brasileiro era maior que o da Tailândia, Malásia, Coréia do Sul e China combinados. Em 2010, a indústria brasileira representou pouco menos de 15% em comparação com esses países. Acho que o que tem que perguntar é por que o Brasil representa 75% do comércio mundial de ferro e só dois por cento do de aço em um país que tem a Embraer. E não é só o Brasil. Temos o caso do Chile, que hoje exporta muito mais cobre concentrado que fundido que há 20 anos. O caso do México, que nos anos 80 se propôs um desenvolvimento exportador com as montadoras. Hoje tem a mesma proporção de montadoras que 30 anos atrás.

A China, que também teve este modelo exportador nos anos 80, hoje exporta a metade de sua produção com produtos de alto valor agregado. Há uma ambição econômica na Ásia que contrasta com a inércia que se sente na América Latina. Isso não quer dizer que não há tentativas. Na Argentina se está  experimentando algo diferente. No Brasil, Mantega está tentando, mas se choca com o Banco Central. Na Ásia todos parecem querer se superar.

Entretanto, no caso do Brasil se calcula que uns 13 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza na última década, sinal de que houve avanços.

Gabriel Palma – No Brasil como no Chile e na Argentina, houve avanços, tanto neste sentido como na redução do desemprego. No Brasil temos o salário mínimo e o bolsa-família que dará a 11 milhões de famílias subsídios que lhes permitam baixar os níveis de pobreza. A questão é que todo este bolsa-família é 0,5% do PIB. Agora, se com 0,5% do PIB se consegue esta redução da pobreza, por que não se tenta com 1% do PIB que não é nada do outro mundo e que reduziria em 11 milhões mais a pobreza? Segundo um estudo da CEPAL, há seis países latino-americanos, entre eles a Argentina, o Brasil e o Chile, nos quais custaria menos de 1% do PIB terminar com a pobreza. Se falarmos da Índia, com 500 milhões de pobres, a tarefa é titânica: custa 10% do PIB terminar com a pobreza. Na América Latina não. No Chile, com 20 anos de governo da Concertação se reduziu primeiro a pobreza de 40% a 20% e, uma década mais tarde, 10%. Hoje voltou a dar um salto a 15%. Inclusive com governos progressistas, que têm uma vontade política neste sentido, com contas fiscais em ordem e um boom de commodities, o avanço é muito menor do que poderia ser.

Há  um assunto que trata do desenvolvimento também. A pobreza está  inevitavelmente vinculada com o modelo econômico que se aplica.

Gabriel Palma – Não resta dúvida. No Brasil há uma crescente “commoditificação” da economia. Há 10 anos as commodities representavam 25% do total. Hoje constituem 50%. Há um grande desenvolvimento das commodities, mas com poucos produtos processados e com um abandono da indústria manufatureira que é lamentável. O atual modelo econômico, que começou nos anos 80, aprofundou-se com Cardozo e continuou com Lula, se baseia em um tipo de câmbio sobrevalorizado e na entrada de capital, o que vem causando a desindustrialização do país. Não há país asiático que siga esta política macro.

O governo lançou o programa Brasil Maior para revitalizar a indústria. O caminho pode ser este?

Gabriel Palma – Se parar a decadência já me conformo. Ao olhar a taxa de investimento total –  nacional, estrangeira, pública e privada – por trabalhador no Brasil, se percebe que hoje são menores do que nos anos 80. Ao comparar com a China se percebe que o investimento aumentou 12 vezes com respeito aos anos 80. O Brasil vem há 30 anos com um investimento público menor que 3% do PIB. Hoje a infra-estrutura está caindo aos pedaços. E as taxas de juro são usurárias. No último estudo da Federação de Comercio de São Paulo, a taxa de juros média do cartão de crédito batia em 230 % anual. Fala-se muito da criação de una nova classe média graças ao acesso ao crédito, mas além de acesso ao consumo o que eu vejo é um grande endividamento com taxas de mora muito altas.

Há  uma bomba-relógio no setor financeiro do Brasil?

Gabriel Palma – Não acho que seja como a dos Estados Unidos e Europa. Há problemas, mas as contas fiscais são sustentáveis, a dívida externa caiu, o setor produtivo não tem grandes dívidas. O melhor que se pode dizer do Brasil é  que não há nenhuma bomba-relógio financeira nos próximos cinco anos. Mas também está claro que não vai haver um crescimento de mais de três ou 4 % e terá um grande desenvolvimento do setor financeiro e das commodities. O último informe global do Banco Santander é muito interessante neste sentido. No Brasil estão 15% de seus ativos e 30 % de seus lucros mundiais. Por isso todos receberam Lula como um herói em Davos.

Que impacto pode ter esta situação do Brasil em seus vizinhos em meio à atual crise econômica?

Gabriel Palma – A grande vantagem dos países latino-americanos é que a demanda das commodities vai continuar. Isto amortiza o impacto de uma crise externa. Acho que a atual crise mundial vai deixar lembranças, não tanto pela profundidade, mas pelo tempo que vai custar para sair. Neste sentido, a América Latina teria que se preparar para cinco ou dez anos de dificuldades no setor externo e se concentrar mais em potencializar seu mercado doméstico.

 


Líder do PP e ex-colaborador tucano é o novo ministro das Cidades

Agência Carta Maior

Brasília – O deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PB), líder do PP, quinto maior partido da Câmara, é o novo ministro das Cidades. Sugerido pelo partido e aceito pela presidenta Dilma Rousseff, ele vai substituir Mário Negromonte, também do PP, que desde o ano passado já não contava com respaldo dos colegas e vinha sendo desestabilizado por eles, por meio de denúncias da imprensa.

A queda de Negromonte foi precipitada por ele mesmo nesta quinta-feira (2), com uma carta de demissão dirigida à presidenta Dilma Rousseff que o ministro permitiu que chegasse primeiro a um jornalista. Uma fonte do Palácio do Planalto disse à reportagem que Dilma ficou irritada com o gesto de Negromonte, que acionou primeiro a imprensa, mesmo nos bastidores, antes de falar com a chefe.

Na carta, mais tarde colocada na página eletrônica do ministério, Negromonte diz abertamente ter sido alvo de “fogo amigo”.

“Enfrentamos ataques constantes, promovidos por interessados em desestabilizar nossa permanência no ministério das Cidades, que notoriamente desperta muito interesse pela importância dessa Pasta”, afirma a carta. “Nessa verdadeira guerra pelo poder, parte da mídia reproduziu denúncias vazias, de forma agressiva a insistente.”

Depois de receber a carta, Dilma mandou assessores divulgarem uma nota. “A Presidenta da República agradece os serviços por ele prestados ao país à frente da pasta e lhe deseja boa sorte em seus novos projetos. Para substituí-lo, a Presidenta convidou o deputado Aguinaldo Ribeiro.”

Administrador, Ribeiro é deputado federal de primeiro mandato. Antes, teve três passagens pela Assemblaia Legislativa da Paraíba, estado em que atuou em um governo do PSDB, do hoje senador Cássio Cunha Lima, que não terminou o segundo mandato por ter sido cassado por abuso de poder.

Entre 2005 e 2006, primeira gestão de Cunha Lima, Ribeiro foi líder de um bloco parlamentar que inlcuía o PSDB. Em 2008, na segunda gestão, foi secretário de Ciência e Tecnologia do tucano.

O presidente nacional do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), disse ter aprovado a indicação de Dilma. “[Ribeiro] É um representante qualificado do PP no ministério”, afirmou.

 


Confrontos em Suez e Cairo têm  5 mortos e mais de 1.700 feridos

O Globo

CAIRO – Milhares de egípcios voltaram às ruas nesta sexta-feira para protestar contra a atuação das autoridades no confronto que, há dois dias, deixou mais de 70 mortos num estádio de futebol. Os violentos protestos, antes restritos ao Cairo, se estenderam também à cidade portuária de Suez, com total de cinco mortos e pelo menos 1.700 feridos.

Das cinco mortes, três foram na capital, e as outras duas, em Suez, onde manifestantes acusaram a polícia usar armas de fogo para conter os protestos. As manifestações se intensificaram após as orações do meio-dia desta sexta-feira, dia sagrado para os muçulmanos. Houve uma tentativa de invasão do Ministério do Interior, reprimida com violência. Na Praça Tahrir, perto do ministério, algumas tendas já eram vistas, como nos dias da revolta contra o ditador Hosni Mubarak.

— Vamos continuar até conseguirmos nossos direitos. Viu o que aconteceu em Port Said? — disse Abu Hanafy, um jovem de 22 anos que aderiu aos protestos após sair do trabalho no fim da tarde de quinta-feira.

A multidão começou a cercar o Ministério do Interior ainda de madrugada, furando um bloqueio erguido com concreto nas imediações.

— Tiramos com as nossas próprias mãos. Somos os filhos do faraó — disse Abdul-Ghani Mohamed, um operário da construção civil.

Há relatos de que a polícia atirou com chumbinho nos manifestantes, e centenas de pessoas foram atendidas por médicos. Nos protestos que levaram à queda da ditadura e depois contra a junta militar que controla o país, manifestantes também acusaram as forças de segurança de usar gás lacrimogêneo com a validade vencida, provocando forte reação alérgica.

Em Suez, testemunhas disseram que cerca de 3 mil pessoas se manifestaram em frente à sede da polícia após a notícia de que uma das vítimas dos distúrbios em Port Said eram da cidade. A polícia respondeu com gás lacrimogêneo e, em seguida, abriu fogo, segundo relatos.

Os 74 mortos na partida de futebol em Port Said, num momento em que as condições de segurança foram gradualmente se deteriorando, ameaçam agravar a crise política que se instaurou no país quase um ano depois da revolta popular obrigou Mubarak a deixar o poder. Para os manifestantes, a polícia não agiu como deveria para evitar o choque entre as torcidas. Muito vão além e dizem que havia partidários do ditador infiltrados.

O pior episódio de violência num estádio

Os distúrbios em Port Said começaram quando torcedores do clube Al-Masry invadiram o campo após uma vitória inesperada por 3 a 1 sobre o Al-Ahly do Cairo, uma das equipes mais populares do Egito, e atacaram seus rivais. Centenas deles foram obrigados a fugir através de uma estreita entrada do estádio. Quase mil pessoas ficaram feridas. Muitas pessoas morreram pisoteadas e sufocadas.

O Parlamento realizou na quinta-feira uma sessão extraordinária para discutir a violência e anunciou o envio de um comitê parlamentar para investigar o caso. Os deputados chegaram a pedir a demissão do ministro do Interior. A Irmandade Muçulmana, que domina o Legislativo, disse que uma mão “invisível” está por trás da tragédia.

O marechal de campo Mohamed Tantawi, chefe da junta militar, concedeu uma rara entrevista telefônica ao canal de TV pertencente ao clube Al-Ahli, prometendo identificar os culpados pela tragédia. O Exército anunciou três dias de luto oficial.

– Lamento profundamente o que aconteceu na partida de futebol em Port Said. Ofereço minhas condolências às famílias das vítimas – afirmou Tantawi em declarações transmitidas pela TV estatal.

O primeiro-ministro Kamal Ganzuri reconheceu ser o responsável político pela briga das torcidas. O premier informou ao Parlamento e ao presidente da Federação de Futebol do Egito que destituiu os chefes dos serviços de segurança e inteligência de Port Said.

Categoria