Assistentes Sociais na luta contra o covid-19
Tayná Oliveira*
No dia 15 de maio é comemorado em diversos espaços o Dia do Assistente Social, profissional direcionado a trabalhar diretamente com as manifestações da questão social, ou seja, os reflexos do capitalismo na vida dos trabalhadores e trabalhadoras, na tentativa de garantir o mínimo de direitos aos 99% que com o seu trabalho produzem as riquezas dos 1%.
Nesse momento de luta em meio à maior crise sanitária que o mundo já enfrentou, vivenciamos diariamente a morte de milhões pelo mundo afora, milhares de profissionais estão na linha de frente do combate, seja na área da saúde, seja na assistência social ou com os movimentos sociais.
Perdemos ao longo desse período muitos profissionais, entre eles, Assistentes Sociais. Que estão enfrentando diversas dificuldades, como a falta de Equipamentos de Segurança Individual, espaços de trabalho sem ventilação, a impossibilidade de distanciamento seguro na hora dos atendimentos, falta de informação oficial para repassar aos usuários, não podendo assim garantir o direito a informação, espaços sócio assistenciais lotados, como Casas de Passagem, Abrigos, prisões, etc, dificultando o encaminhamento, quando não o tornando impossível.
Estamos vivenciando a forma mais cruel e higienista do capitalismo, onde com mais uma crise, os trabalhadores estão sendo jogados aos leões sem auxílio do Estado, deixados à própria sorte, com poucas orientações de segurança, sendo elas muitas vezes não condizentes com a realidade do Brasil e de suas favelas. Nós, enquanto profissionais da classe trabalhadora, muitas vezes voltamos para casas onde moram mais de cinco pessoas, sabendo que é impossível manter o distanciamento social.
Nossa classe é a mais ameaçada diante da crise da saúde, vale lembrar que a primeira morte de covid-19 foi de uma empregada doméstica contaminada pelos seus patrões, que ao voltarem de viagem exigiram que a mesma continuasse trabalhando. Um resultado significativo da luta de classe no Brasil.
A maior parte da população depende do Sistema Único de Saúde, que mesmo sendo precarizado, ainda é um dos sistemas de saúde que responde minimamente as demandas dos usuários. Sem dúvidas, sem o SUS estaríamos em uma situação ainda mais precária, onde somente quem paga sobrevive. Uma realidade em outros países, tidos como modelos mundiais de desenvolvimento, como os Estados Unidos. A grande potência da morte.
Na assistência social onde os trabalhos já são desde antes da pandemia extremamente sobrecarregados, enfrentamos pressão dos setores mais vulneráveis por respostas, das quais seria necessário que soubéssemos dar, e ao mesmo tempo, não possuímos os instrumentos para responder as demandas da população, não temos informações oficiais, não podemos atualizar o Cadastro Único, nem encaminhar novos usuários, sendo que muitas vezes esse procedimento poderia contribuir para que as famílias pudessem acessar o auxílio “emergencial”. A demora na aprovação, a dificuldade de muitas famílias de acessarem a internet, ou de possuírem celular, aprofunda ainda mais a miséria, o auxílio que nada tem de emergencial, além da demora, negou milhares de trabalhadores, mas não negou a família de militares e eles mesmos, de receberem o auxílio. Militares, aqueles mesmo que não foram incluídos na reforma da previdência e que são o alicerce do governo Bolsonaro-Mourão.
Não podemos esquecer que nesse momento da conjuntura estamos vivenciando ainda mais a negação da ciência, onde a mesma está sendo tratada como um ponto de vista, uma questão de opinião, e o Serviço Social, sendo uma ciência, também é questionada e colocada à margem. Muitos profissionais recém-formados ou até mesmo, no caso da medicina, enfermagem, fisioterapia e demais profissões da saúde, antes mesmo de se formarem, estão entrando na linha de frente do combate ao covid-19, sem orientações necessárias e sem o devido acompanhamento de profissionais especializados.
Não é apresentada à população brasileira uma política séria de combate ao covid-19, nem um plano emergencial onde a vida esteja acima do lucro, garantindo alimentação, moradia, empregos e saúde aos milhares de brasileiros. Sendo assim, produziu uma quarentena limitada, onde muitos foram obrigados a continuar trabalhando mesmo sem equipamentos de proteção. Um auxílio emergencial que não responde aos gastos das famílias brasileiras, produzindo no seio da classe trabalhadora uma indignação as medidas de isolamento social, pois quem tem fome, tem pressa.
Aos Quilombolas e indígenas resta a luta pelos seus territórios, que estão mesmo em meio a uma pandemia mundial, sendo ameaçados, mortos e retirados dos seus territórios sagrados, em meio à pandemia é colocada em pauta a legalização da grilhagem, através da MP 910 pelo Governo Federal, ameaçando nossa fauna e flora, mas principalmente a cultura, ancestralidade e vida dos povos originários.
Além do projeto genocida que escancara ainda mais suas garras, os grandes poderes dão ainda mais bandeira branca à Polícia Militar, que continua com os assassinatos em massa nas favelas, como os que aconteceram dia 15 de maio de 2020 no Complexo do Alemão e os que vêm acontecendo nos Morros de Florianópolis. Os governadores que se colocam como oposição ao bolsonarismo anticiência, possuem suas mãos sujas de sangue do povo negro e periférico, liberando a PM para continuar o terror nas comunidades, perseguindo, matando e torturando jovens negros da periferia, matando muitas vezes mais que o covid-19.
Muitos desses jovens negros, quando não são mortos pelo Estado, são levados a centros de detenções que acumulam histórias de torturas, maus tratos e de “enganos policiais”, a maioria dessa população está presa sem ter tido direito a um julgamento, e permanecem nos presídios onde não possuem estrutura sanitária para protegê-los de se infectarem ou de passarem o vírus a outros presos e funcionários. Já é enfrentada e denunciada a forma como estão alojados, as superlotações dos presídios e a falta de atendimento médico. Segundo a Pastoral Carcerária: “segundo os últimos dados do Ministério da Justiça, 62% das mortes de presos e presas são provocadas por doenças, como HIV, sífilis e tuberculose.” Mortes que não são mais tão comuns a quem vive fora das prisões, mas que são destinadas a um público alvo, os que não deveriam existir, os marginalizados. Lembrando que muitos desses presos são idosos, LGBTs, em sua maioria negros e negras, que são a muito tempo, quem o racismo estrutural encarcera e mata.
A saída apresentada aos presos foi a possibilidade de colocá-los em contêineres, enlatando a população carcerária, como já é feito na maioria dos presídios, onde em celas minúsculas são colocadas mais de vinte pessoas. Desumanizando ainda mais os corpos negros.
A situação de emergência que vive o país é utilizada para legalizar as corrupções, como foi assinado pelo presidente Bolsonaro, isentando funcionários públicos por crimes que tenham cometido durante a pandemia, incluindo ele próprio. Possibiltando, assim, a que muitos governadores e aliados do mesmo não venham a responder por compras fantasmas ou sem licitação, como aconteceu em Santa Catarina.
O Covid-19 não escolhe raça, gênero, território ou classe social, mas o sistema capitalista sim, a Polícia Militar sim, e o acesso à saúde hoje ainda é escolhido também por essas categorias. A classe trabalhadora, em sua maioria, é formada de corpos negros periféricos e está mais uma vez sendo diretamente ameaçada pela crise sanitária, como foi também na gripe espanhola. Nesse momento, nada temos a comemorar a não ser reafirmar a necessária profissão que seguimos, reivindicar melhores condições de trabalho e o gerenciamento das políticas em que trabalhamos diretamente, a defesa incessante do SUS e do SUAS, a liberação imediata de presos e presas que ainda não foram julgados, pois todo o preso é um preso político, o aumento da efetividade das políticas de combate à violência contra a mulher e a garantia financeira para que a mesma possa ter condições de sobrevivência longe do agressor, políticas públicas eficazes para garantir alimento e moradia, saúde e testes de covid-19 a todos e todas!
Nossa escolha é a resistência: somos classe trabalhadora! E não esqueçamos, que “As revoluções se produzem nos becos sem saída”.
* Assistente Social da 12° Região – CRESS – SC
Militante da Célula Dirce Machado (PCB), Florianópolis.