A vida de Renée de Carvalho
Apesar da vida de Renée ser exemplar, ela relutou muito em dar as entrevistas que resultaram neste livro. Entre suas muitas qualidades, está a modéstia. Renée passou sua vida lutando – e continua a luta – pelos valores que foram expressos pela Grande Revolução de seu país de origem: Liberdade, Igualdade, Fraternidade, a que desde muito cedo, comunista militante, incorporou o humanismo socialista, passando a vida a lutar por esses ideais.
Ainda menina Renée participou das ações de apoio à Frente Popular, recolheu dinheiro para operários em greve, fez campanha pela República Espanhola e foi ativamente solidária para com os exilados republicanos.
Vivendo numa época extremamente conturbada, foi ardente combatente contra o nazi-fascismo. Desde os primeiros dias da ocupação da França pelo exército alemão Renée engajou-se na luta contra os nazistas e os que o apoiavam dentro da França. Na Resistência, realizou tarefas de ligação, de transporte de documentos, armas e dinheiro, passando depois à luta armada, à luta guerrilheira pela liberdade de seu país e para livrar o mundo da peste nazista.
Terminada a guerra, com um filho pequeno e outro por nascer, Renée veio para o Brasil, acompanhando seu marido e companheiro de lutas, Apolônio de Carvalho. Num país desconhecido, sem saber a língua, com dois filhos pequenos, pouco depois de chegar ao Brasil, com o partido comunista colocado fora da lei, Renée teve que enfrentar uma clandestinidade tão rigorosa quanto duvidosamente necessária.
Ativa militante, guerrilheira contra o nazismo, Renée viu-se atuando na retaguarda, organizando aparelhos para reuniões da direção partidária e cozinhando para seus membros. Foi preciso muita consciência de seu valor para não sentir-se diminuída e desanimada.
Às dificuldades da clandestinidade somavam uma terrível falta de dinheiro e um grande isolamento, muitas vezes fruto do sectarismo partidário da época, da segunda metade dos anos 40 à metade dos anos 50.
Em 1953 Apolônio foi enviado à Moscou para um curso e Renée ficou sozinha, em São Paulo, com os dois filhos pequenos, morando com em casas de companheiros. Dois anos depois, em 1955, foi sua vez de ir estudar em Moscou, tarefa do partido que a fez deixar os filhos com a família em Marselha.
De volta ao Brasil, em 1957, nos anos JK, viveu pouco tempo de tranqüilidade, até o golpe de 1964. Pouco depois do golpe Renée acompanhou Apolônio – e tantos outros militantes – no rompimento com o Partidão. Começaram os anos de chumbo, de terror, com o marido e os filhos presos, torturados, banidos.
Depois dos filhos e do marido em liberdade, Apolônio e René como banidos do país, Renée foi viver na França, com Apolônio, de onde voltou com a anistia, em 1979. Engajou-se logo na luta política pela formação do Partido dos Trabalhadores.
Hoje, afastada de uma militância mais ativa, continua acompanhando a política do país. Há pouco foi homenageada pelo consulado francês no Rio, no quadro das comemorações do ano França-Brasil, em reconhecimento por sua luta pela libertação da França, nos anos 40.
Renée continua, com sua doçura e delicadeza, a mesma firme combatente por um mundo em que o homem seja um irmão para seus semelhantes. O conhecimento de sua vida, de sua militância e de suas lutas é imprescindível para todos nós.