A crítica do trabalho de base e os rodoviários

imagemFoto: Greve de 2018 na garagem da empresa Real na Avenida Brasil – Rio de Janeiro

Marcelo Schmidt – militante da Unidade Classista e do PCB-RJ

“O rodoviário é chamado de ‘leão’ porque ele enfrenta tudo. Calor, trânsito. Tudo que é brabo o leão enfrenta, então ele é o rei da selva.” (Caiafa 2002)

O principal objetivo deste estudo é ajudar a compreender a natureza da classe rodoviária na região metropolitana do Rio de Janeiro no Brasil, sua ferramenta, sua organização e luta. E determinar se as condições de disputa da ferramenta sindical dos trabalhadores rodoviários é a mesma que faz a disputa para aumentar a sua força organizativa e o seu poder nos marcos da luta de classes.

Os desafios são os maiores possíveis: determinar se existe dentro desta categoria, considerada, segundo nossa hipótese, a mais local dos trabalhadores em transportes e dos trabalhadores estratégicos, um potencial internacionalista que agregue as questões sociais da classe rodoviária às suas questões aparentemente mais distantes, tais como a mudança climática, a autossustentabilidade local e global dos transportes nos marcos da luta de classes; se existe a possibilidade de unir a luta concreta da classe rodoviária com isso.

Para compreender os trabalhadores rodoviários e sua luta nós precisamos compreender a importância deste tipo de transporte na região metropolitana. O transporte rodoviário é o principal transporte de massas da região metropolitana do Rio de Janeiro. Um estudo feito na cidade do Rio de Janeiro (Belo de Souza 2017), concluiu que o transporte rodoviário de passageiros responde por setenta por centro do transporte coletivo na cidade. Enquanto na região metropolitana esse número é ainda maior, porque fora da cidade do Rio, as opções de metrô, trens e barcas nos marcos dos transportes de massa são ainda menores.

Outro ponto muito importante para compreendermos a importância do transporte rodoviário no conjunto da rede de transportes da região metropolitana é o fato de que o trabalhador de maior precariedade no trabalho, menor renda e menor educação habita as regiões mais periféricas; e gasta mais tempo para se deslocar de casa para o trabalho e vice versa. A exceção disso muitas vezes explica a ocupação e o desenvolvimento das favelas e as ocupações feitas pelos movimentos populares na sua luta pelo espaço urbano, ou a luta dos sem moradia no centro da cidade. O transporte coletivo conecta os guetos à cidade, torna a cidade mais pública e permite quebrar de certa forma a imobilidade que o poder de classe impõe às parcelas exploradas e também excluídas.

O transporte coletivo é no seu sentido público um combate à privatização do movimento urbano, que é modernamente própria do sistema capitalista. Tudo é privatizado no sentido mais amplo na cidade. No sentido contrário, o transporte público urbano pode inclusive combater a lógica privatizante do sistema capitalista e o seu Estado. Por isso, para esta investigação, é importante identificar as possibilidades do transporte coletivo urbano tanto para o movimento pendular casa-trabalho, mas também para outras formas de convivências coletivas. Se o sistema de transportes foi completamente privatizado, o que resta é uma completa exclusão. Daí a importância da análise do transporte coletivo público e urbano, como também do seu trabalhador condutor rodoviário.

Existe menos poder do trabalhador tanto mais a cidade é privatizada e tanto mais são os meios de transporte. Na mesma linha seguem os direitos ao trabalho, à renda, à saúde, educação de qualidade, que são tanto mais precários quanto mais se distancia do centro e das áreas nobres da cidade. A tendência é que o número de trabalhadores moradores de favelas, periferia e sem teto tenham como principal objetivo além de sobreviver, o de morar perto do trabalho. Isso tudo explica a precariedade do transporte urbano, público, coletivo, de massas; e dentro disso a exploração e precariedade do transporte rodoviário completamente privatizado, onde os rodoviários enfrentam uma realidade precária.

As razões da falta de estrutura e condições dignas para o transporte urbano de massas cujo maior número é o transporte rodoviário é simples: o poder da elite por sobre a massa trabalhadora. A elite capitalista local não utiliza este meio de transporte, portanto não se importa como o trabalhador chega ao trabalho ou volta para casa, nem com sua quantidade ou qualidade, e menos ainda com quem o conduz no dia a dia. O transporte rodoviário é popular. A elite brasileira nega o popular, por isso a classe trabalhadora em geral e a classe rodoviária precisam afirmar o poder popular. As condições de trabalho da classe rodoviária, sua falta de direitos, baixos salários e ausência de respeito estão associados à ausência do poder popular da classe em geral sobre os meios de transporte.

Em um país onde até o século XX trabalhar era mal visto pela elite nacional, o transporte rodoviário ainda é considerado por todos como transporte de “segunda classe”, da classe que trabalha, operado por quem trabalha, e desservido de poder para reivindicar melhorias no seu trabalho, comunidade e transporte. No fundo todo o nosso estudo se refere ao poder da classe rodoviária e da classe trabalhadora na região metropolitana. A classe rodoviária sofre do mesmo problema do resto da classe trabalhadora precária e periférica na utilização do transporte rodoviário: a falta de trabalho, a exploração, perda da saúde, do tempo, e a exposição à violência urbana.

Neste sentido, o estudo da condição da classe rodoviária não se refere apenas às categorias estratégicas, mas também é o estudo da classe trabalhadora precária e periférica da região metropolitana do Rio de Janeiro. Quando falamos do poder ou da criação de poder destes trabalhadores estamos, pela crítica do trabalho de base, falando da criação de poder e do poder direto da classe rodoviária associada ao poder dos trabalhadores e das comunidades precárias e periféricas. No Brasil mais da metade do povo trabalhador brasileiro utiliza transporte coletivo urbano e o ônibus é o mais utilizado. A partir da cidade do Rio de Janeiro podemos claramente ver este quadro.

“O sistema de ônibus municipal do Rio de Janeiro é o principal sistema de transportes operado por 57 operadores em quatro consórcios, cada um atuando em uma zona geográfica da cidade. Ao fim de 2016 existiam 733 linhas de ônibus, com idade média de 4,3 anos, transportando 1,8 milhões de passageiros, sendo destes 18% gratuidades, pessoas com deficiência, estudantes e idosos”. (Codatu 2019). É neste lugar que está o trabalhador rodoviário, conduzindo vidas de trabalhadores, e é também neste lugar que está o seu maior desafio, não ser conduzido pela patronal exercendo um serviço público.

Figura 1 – Evolução da divisão modal na RMRJ. Fonte: PDTU 2015

(Visualizar o gráfico em: https://www.facebook.com/jornalopoderpopular/notes/?ref=page_internal)

A origem do transporte rodoviário de passageiros está na inversa proporção da deterioração e desaparecimento do transporte ferroviário ou sobre trilhos; aquilo que deveria ter sido complementar e a serviço dos trabalhadores foi feito para servir de ascensão de um tipo de empresariado sobre o outro. O transporte público, permitido, concedido ou privatizado, significou também o desenvolvimento patronal no seu controle e domínio por sobre a cidade. A cidade do capital foi feita para servir a circulação de mercadorias e pessoas para que uns poucos ficassem ricos e a maioria ficasse pobre sem se preocupar com a sustentabilidade da comunidade ou da cidade.

O transporte rodoviário inicialmente era operado por tração animal, depois se tornou elétrico através dos bondes, portanto, nasceu como transporte híbrido de trilho e rodas. Da maneira como o conhecemos aparece nos anos vinte, mas foi nos anos quarenta que ele ganha uma importância maior; para nos anos sessenta começar a se tornar hegemônico na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esta hegemonia filha da destruição ferroviária se afirma completamente nos anos oitenta, para se tornar absoluta no século XXI, não apenas no Rio de Janeiro, mas na maioria das cidades do Brasil.

As chamadas ‘lotações’ existiam para suprir uma demanda sem planejamento, e serviam “para levar transporte” aos não servidos por transporte metropolitano coletivo e público. Esta dinâmica de suprir a falta de planejamento do transporte de massas se tornou a principal característica da falta de planejamento estratégico da megalópole construída a partir da cidade do Rio de Janeiro. Mais do que um suposto erro dos governantes, foi um ato premeditado da patronal, dos ricos, dos capitalistas; colocar no mesmo “balaio” a classe rodoviária e a classe trabalhadora em péssimas condições de trabalho e de transportes, mas também de moradia. Os bondes elétricos, não por coincidência acabam em 1964, deixando o caminho preparado para o transporte rodoviário ser líder absoluto.

Ao mesmo tempo analisemos a representação dos trabalhadores rodoviários: O tipo de representação sindical da classe rodoviária coincide com o declínio do velho sindicalismo baseado nos setores de transportes: trabalhadores ferroviários, marítimos e portuários foram fortemente atingidos pelo golpe militar de 1964. O rodoviário também sofre este golpe, o mesmo golpe contra a organização dos setores mais fortes foi também o grande golpe sobre o conjunto da classe. Depois da imposição de um sindicalismo submetido pelo golpe, o novo sindicalismo que surge para a classe rodoviária, com algumas exceções, é um sindicalismo passivo, assistencial e patronal.

O regime de permissão ao invés da concessão torna mais fácil para a patronal rodoviária gerir um serviço público, o poder público por sua vez, concede ao poder privado rodoviário o poder de planejar a cidade no que tange este tipo de transportes, legalizando uma verdadeira máfia contra a população trabalhadora, mas também contra os trabalhadores rodoviários. O final disso são os consórcios que são verdadeiros oligopólios dos transportes vivendo à custa de chantagens, incentivos, benefícios e financiamentos públicos que colocam na cabeça do trabalhador rodoviário e do trabalhador em geral que o preço da passagem de ônibus precisa aumentar para o rodoviário ter aumento de salário e o trabalhador em geral ter um bom serviço público.

Nos anos oitenta a patronal teve um forte ataque com a estatização de grande parte das empresas de ônibus, mas com a mudança de governador (Brizola), e a afirmação do modelo neoliberal e de privatizações no Brasil, as empresas foram devolvidas aos seus antigos donos. Antes de serem encampadas houve um incidente interessante, a criação das linhas 462 e 463 de ônibus no Rio de Janeiro permitiram que pela primeira vez os trabalhadores moradores da periferia pudessem utilizar as praias das áreas nobres da cidade consideradas maior lazer do carioca; o que foi noticiado como escândalo nos jornais de 1984, como uma prova da evidência de uma cidade partida e da parte que ocupa cada classe. (Belo de Souza 2017).

A propaganda neoliberal e os últimos governadores do Estado do Rio, todos presos por corrupção, evidencia que os interesses da classe trabalhadora e da classe rodoviária sempre foram submetidos aos interesses dos patrões do setor e da cidades. Que a elite geral, os detentores dos meios de transportes e os seus governantes corruptos, agem contra os interesses gerais através da corrupção no setor de transportes. Por outro lado, a liderança da classe rodoviária, como já foi dito, desde a metade dos anos sessenta foi literalmente patronal, educando a classe para submissão e covardia. Incapaz de educar a classe rodoviária para a luta de classes, ou para enxergar o poder estratégico da classe rodoviária, no conjunto da classe carioca e fluminense, isso durou até a crise de 2008.

A crise capitalista deu origem às greves de 2012, e as manifestações de 2013 pelo preço da passagem abriram ainda mais essa ferida exposta. Uma ferida que no início do século XX foi feita pelos mesmos motivos, virando e queimando bondes, passa pelos anos 20, 40, 60, 80, 2000, até a crise de 2008, as greves em 2012, 2013, 2014, são pelos mesmos motivos. Estas crises afirmam que não foi só por 20 centavos. A mais valia e os salários da classe rodoviária, das suas condições de saúde, de educação e de moradia e segurança e direitos são os problemas da classe como um todo.

A grande insatisfação na forma das greves rodoviárias de 2012, 2013 e 2014 que passam por cima das direções burocratizadas provam a vontade difusa da classe. Por outro lado, se uma parte das lideranças, influenciadas por uma direção classista, promove fusões e mudanças significativas, que resultam, por exemplo, na greve de 2018; outros que persistem no caminho de submissão e burocratização fazem o contrário, se fecham ainda mais na política pelega e patronal. No conjunto da classe, tanto mais se afasta da região metropolitana mais burocratizada fica sua representação.

Nós podemos diante disso, afirmar que, a liderança sindical que já era tradicionalmente vendida para a patronal no século XX, amansando a classe nas suas revoltas difusas, se sofistica no século XXI, tanto a partir de 2008, como na sua completa ausência durante a greve geral de 2017, ou sua completa ausência durante a pandemia de covid 19 em 2020. No setor rodoviário, de maneira geral o novo sindicalismo foi cúmplice do sindicalismo burocrático; não priorizou a organização destes trabalhadores estratégicos, entregando tudo aos pelegos, através de pactos de convivência e não agressão, e foi a partir de 2012 que se evidenciou a necessidade estratégica da sua completa reorganização.

A tragédia da privatização completa do setor, da representação burocrática nos sindicatos, da precarização do trabalho se deu no meio de inúmeras falências no setor. Por outro lado, graças a uma pequena vanguarda presente e ativa, muitos trabalhadores conheceram, pela presença minoritária nestes sindicatos, outro tipo de representação de classe. A obra magna “Salário, preço e lucro” de Karl Marx, foi disponibilizada para os rodoviários, que puderam vivenciar sua praticidade quando os patrões desapareceram nas empresas que falidas, deixaram momentaneamente os trabalhadores operando os meios de produção. Os rodoviários aprendiam na prática o processo de exploração; e foi possível ensinar na prática a exploração patronal junto com a possibilidade da sua superação pela eliminação daqueles que não trabalham, mas vivem desta exploração.

O exemplo da falência da empresa ‘São Silvestre’ em 2017 colocou o motorista rodoviário, já cobrando e dirigindo, sabedor do quanto ele arrecadava por dia em todos os ônibus, e em cada rota específica. Como não havia pagamento com cartão, suspenso pelo poder público, mas apenas pagamento em dinheiro; o motorista recebia aquele dinheiro, colocava em um fundo comum, que depois das despesas com diesel, material, reparos, etc; era dividido por todos na forma cooperada, de trabalhadores sem patrão. Isso durou um mês e foi utilizado por uma vanguarda presente para chamar a atenção para o exercício do controle direto a serviço da comunidade por causa do debate com as associações de bairros; e com auto-sustentabilidade, pela economia e racionalidade de combustível. Uma breve experiência da classe trabalhadora através da classe rodoviária.

De acordo com Caiafa: “o aproveitamento minucioso do tempo de trabalho do rodoviário é a marca da exploração do negócio rodoviário. É sobre a força de trabalho do trabalhador rodoviário que vai incidir a exploração capitalista”. (Belo de Souza 2017). Se por um lado prova-se o processo de exploração, prova-se também o potencial organizativo estratégico pelo trabalho de base crítico, pela crítica do trabalho de base. É possível também provar no final a necessidade de recuperação da ferramenta sindical, para a organização baseada na luta de classes, para a luta concreta e histórica não apenas da classe rodoviária, mas para servir o conjunto da classe trabalhadora.

Todas estas experiências provam que os trabalhadores rodoviários são os mais acessíveis potencialmente aos processos organizativos das forças revolucionárias. Toda rua que passa um ônibus, toda comunidade servida por transporte urbano, toda vizinhança que se conecta, todo município ligado por uma linha metropolitana ou comunitária de transportes coletivos é um local potencial para se fazer o trabalho de base entre os trabalhadores rodoviários. O problema na realidade que se evidencia é o déficit organizativo da vanguarda classista e revolucionária, tecnicamente operacional, e por outro lado a impossibilidade da base organizada rodoviária debater a teoria crítica por causa da ausência de quadros operadores da luta de classes e do poder popular.

O que determina esta acessibilidade é a natureza do trabalho rodoviário, de maior proximidade com os trabalhadores em geral que utilizam o transporte público rodoviário todos os dias. Uma acessibilidade de quem passa muitas vezes na porta da casa das pessoas; profissionais que transportam vidas, que ajudam o cadeirante e trabalhadores com baixa mobilidade, idosos; toda esta solidariedade e humanidade no caminho do trabalho e cansada na volta dela não tem a oportunidade de vivenciar um debate crítico que os capacite para recuperar a ferramenta sindical burocratizada; como também processos classistas de organização que os equipe para a luta concreta na luta de classes.

O conceito de acessibilidade destes profissionais aos locais de trabalho e nos locais de moradia, que conhecem no seu trajeto cada rua e pessoas humanas, não se completa pela ausência do processo organizacional classista; e o trabalhador rodoviário que estuda a cidade, opera na cidade, transporta a cidade, não participa da luta de classes na sua cidade, porque não se reconhece como trabalhador transportando trabalhador. A ausência da organização classista contribui para a sua ignorância; como o trabalhador rodoviário caminhoneiro autônomo transportador de cargas conhece o Brasil, o trabalhador rodoviário de passageiros conhece a sua cidade. Nenhum outro trabalhador estratégico é tão conectado à cidade, à comunidade, por isso mesmo, nenhum outro trabalhador de setores estratégicos estaria tão acessível a toma classista de experiências.

Em cada comunidade e município do país continente chamado Brasil existe um setor estratégico potencialmente acessível através da possibilidade de organização dos trabalhadores rodoviários. Uma oportunidade infelizmente negligenciada pelo conjunto da vanguarda revolucionária brasileira. Ao mesmo tempo os trabalhadores rodoviários são domesticados diariamente por direções traidoras patronais que acham normal receber dinheiro da patronal para manter seus mimos e mordomias, negando a classe qualquer possibilidade de exercício do seu poder; e procurando compensar estes trabalhadores com formas assistenciais, assistencialistas e amortecedoras da luta de classes. Por isso a recuperação da ferramenta sindical se torna uma prioridade.

Mas qual seria o objetivo estratégico destes trabalhadores no seu processo de recuperação da sua ferramenta sindical, da sua forma organizacional e da sua luta imediata e da sua luta histórica? A conquista do controle direto da circulação dos ônibus feito em parceira com o Estado e com a comunidade; a construção de um transporte economicamente e ecologicamente auto-sustentável para servir a comunidade e o planeta Terra; a possibilidade de servir de forma adequada a cidade com periodicidade, segurança e dignidade. Com controle direto a serviço da comunidade e autossustentável.

O controle direto não se resume a conquistar direitos, melhores condições de trabalho e a salário justo, mas é a luta pelo poder de controlar a produção dos meios de transportes, a contratação dos trabalhadores, a demissão e a aposentadoria. Ao mesmo tempo, a consciência da autossustentabilidade da cidade, do planeta com emissão zero de carbono não é algo que virá sem conquistar a luta imediata do rodoviário, o seu interesse de classe, e os interesses da comunidade onde estes profissionais trabalham e vivem. Tudo precisa estar conectado: Luta concreta do trabalhador, da comunidade e da classe.

A crítica do trabalho de base é de enorme importância para o setor rodoviário nos marcos dos trabalhadores dos transportes. Neste sentido, afirmar que nos últimos 40 anos a ferramenta sindical rodoviária tem sido operada de maneira a deseducar os trabalhadores para a luta de classes é falar a verdade. Deseduca-se para compreender o papel da ferramenta sindical, deseduca-se para o processo de organização e sindicalização. E finalmente não se educou ou não se educa para a participação sindical combativa, classista e internacionalista, para o correto processo de sindicalização nestes marcos; e se deseduca completamente para luta de classes e para a revolução brasileira.

A educação da luta de classes pode proporcionar atender os interesses da classe rodoviária, da autossustentabilidade, e dos interesses da comunidade, nos marcos dos interesses da luta de classes da classe trabalhadora. O problema é que a educação para a luta de classes na classe rodoviária não é feita há muito tempo, isso impacta a luta pela ferramenta sindical, a luta pela organização e a própria luta imediata por melhorias nos marcos da luta de classes. O problema dos rodoviários está na sua liderança fragmentada, patronal, pelega, incapaz de conduzir os trabalhadores para o front social com a patronal, sem resolver isso não se pode avançar para a autossustentabilidade.

Os caminhos para a disputa pela ferramenta sindical da classe rodoviária estão disponíveis para uma organização competente, através de quadros competentes, do apoio estrutural necessário, e da priorização da atuação no setor, local e tempo exatos. A luta pela ferramenta sindical é absolutamente negligenciada nos marcos da luta de classes; a luta pelo processo organizacional é feita com bases equivocadas assistencialistas; a luta imediata não é conectada à luta de classes. Este é o desafio.

Neste sentido, falta priorizar na luta sindical os caminhos da conquista da ferramenta sindical, inserir as pautas da luta imediata conectadas à luta de classes desde o princípio; daí conectar no processo o caminho organizacional nos marcos da luta de classes. Recuperar a ferramenta sindical dos pelegos para os trabalhadores; organizar os trabalhadores pelo correto processo de sindicalização; preparar a luta imediata na luta de classes no correto tempo de assimilação crítica. Leve quantas lutas levar. Ao mesmo tempo, a questão da autossustentabilidade na comunidade, no trabalho; precisa estar associada a não receber dinheiro da patronal e a não educar o trabalhador no assistencialismo, educar para o assistencialismo é deseducar para a luta. A assistência precisa servir a luta de classes.

O problema maior é respeitar a vontade do trabalhador organizado, nos marcos que também respeitem o seu tempo de maturação destas ideias de autossustentabilidade, auto-organização (que não é financiada pela patronal, mas pelo trabalhador) em nenhum dos processos de educação da classe, que não se baseiem em práticas assistencialistas que desarmam a vontade de associação por uma vontade artificial de se “juntar para o lazer” ou para o serviço de assistência. O problema pedagógico respeita o processo e o tempo pedagógico da classe, mas aponta para fazer um trabalho de base crítico a partir de uma perspectiva revolucionária, no número necessário, com o apoio necessário; e com o apoio e a autonomia necessárias para percorrer todo o processo de organização.

No processo de recuperação da ferramenta sindical é muito importante unificar a oposição e seguir unido até completar o processo de disputa. Aproveitar o processo de disputa para unificar o grupo através do trabalho diário. Formar o grupo para além da formação sindical, buscando uma formação classista e política no sentido da luta de classes. Utilizar o processo de criação da unidade para ter mais unidade para organizar e lutar. A luta pela recuperação da ferramenta sindical não é um fim em si, mas um caminho para enfrentar a patronal pelo processo de conscientização da classe rodoviária.

Por isso o processo de recuperação da ferramenta sindical precisa envolver mais o conjunto das forças revolucionárias. Aí vai se verificar quem tem o perfil para trabalhar de forma externa a classe rodoviária, aí se forjam os operadores quadros organizadores da classe. O grande desafio que se coloca é a construção da unidade das forças envolvidas no projeto de recuperação da ferramenta sindical para a categoria. Quando se coloca o setor rodoviário como o mais acessível dentre os setores de transportes estratégicos, se reforça o papel da construção de uma oposição unitária que tenha a capacidade de se sustentar unida até o final do embate para recuperar a ferramenta sindical para a classe.

Construir unidade do conjunto das forças de oposição e chegar unidos no dia do enfrentamento. Depois submeter a teoria crítica para a base organizada para que a vontade da base no tempo da base prevaleça; e de forma preparada agir com a vanguarda de modo a liderar o esforço de vitória das forças dos trabalhadores, como forças populares. É interessante observar como este trabalho impacta no conjunto da comunidade e da cidade. A construção da unidade, a sua sustentação no período de enfrentamento sindical, quando feita de forma classista nos marcos da luta de classes, prepara o caminho da sindicalização e o caminho do enfrentamento na construção da greve da categoria e geral. O que no final vai representar a construção em bases locais.

É muito importante colocar a construção da unidade do conjunto das forças envolvidas na disputa sindical, como fato de construção do acesso privilegiado à base dos rodoviários para responder ao seu chamado, anseio e posicionamento. Quanto mais envolvimento no trabalho de vencer menos disputa interna. Finalmente a construção da unidade, a submissão da teoria crítica para a base organizada vai se coroar com a direção de uma vanguarda preparada, comprometida com a vitória final das forças dos trabalhadores nos marcos da luta de classes na sua forma mais local porque comunitária.

O sindicalismo rodoviário não é fácil de ser bem conduzido, ainda que ele seja muito acessível, ele requer técnica e observação refinadas, e muita paciência; conhecimento e disciplina revolucionária para ser corretamente conduzido pelas forças populares e dos trabalhadores, para uma vitória das forças dos trabalhadores e populares sobre a patronal. Isso se evidencia exatamente porque o trabalhador rodoviário é comunitário, e portanto, influenciado pela família, pelos amigos, escola, trabalho, mídia, igreja, tudo mais presente na superestrutura em poder das forças capitalistas. O sindicalismo rodoviário é sindicalismo popular, e suas respostas vão impactar na comunidade.

Nos últimos anos disputou-se uma ação, narrativa, uma dinâmica que já estava presente nos últimos quarenta anos, onde ainda que com algumas exceções, não houve trabalho de base crítico na classe rodoviária. Mais uma vez afirmamos que o novo sindicalismo não conseguiu construir uma estratégia de lutas dentro dos marcos da luta de classes para a classe rodoviária. Praticamente todo trabalho de base na classe rodoviária desarmou os rodoviários para o verdadeiro enfrentamento contra a patronal. O desafio que se coloca para uma nova prática é recuperar a ferramenta sindical rodoviária para a luta de classes, isso significa derrotar a estratégia pelega de submissão, trocando um sindicalismo burocrático e patronal por um sindicalismo classista, combativo e internacionalista para a organização e lutas.

Por isso o primeiro esforço de lutas é o de construir uma base organizada unitária para recuperar a ferramenta sindical. Este é um esforço prioritário pedagógico sindical, classista e político que precisa construir as bases de novos enfrentamentos, sem repetir as práticas do sindicalismo burocrático, pelego e patronal: a compra de votos, o pagamento de diárias, a mercantilização do esforço de lutas. Não se pode substituir ‘seis por meia dúzia’, mas construir um processo pedagógico da classe para a classe, que também substitua velhos métodos por novos métodos de ação.

No processo de transformação da ferramenta sindical na ferramenta da classe rodoviária é preciso convencer a classe rodoviária pelo método correto, o exercício da ação classista da base organizada na forma de uma oposição unificada. Este processo não pode ter como ação central a sindicalização baseada no assistencialismo e no serviço, mas na luta concreta na luta de classes baseada no correto tempo de maturação da consciência de cada trabalhador. Uma consciência coletiva que se efetiva no correto processo de sindicalização. Isso se repete com a construção das lutas.

Por isso o processo de sindicalização da classe rodoviária já se inicia na recuperação da ferramenta sindical e termina na luta contra a patronal. É na luta contra a patronal nos marcos da luta de classes que se torna efetiva a participação do trabalhador na construção da verdadeira consciência coletiva. A construção da luta concreta para a classe rodoviária nasce da aspiração da base por mudanças concretas nos salários, nas condições de trabalho e nos direitos rodoviários. Mas esta luta precisa terminar nos marcos da luta de classes. Neste sentido a luta por poder direto dos rodoviários começa no processo de recuperação da ferramenta sindical e passa pelo processo de sindicalização, como também percorre todo o processo de lutas imediatas.

A luta concreta dos rodoviários precisa ter como pauta principal o direito ao trabalho do rodoviário, motorista e cobrador; o direito ao trabalho não terceirizado, não intermitente e não precário. Salário: o salário médio do rodoviário motorista que já foi de cinco salários médios hoje pode cair para dois salários; e na atual condição da pandemia de covid 19 pode cair em 50% e até 80%. Finalmente, as condições de trabalho da classe são as piores possíveis com excesso de trabalho, extrema insegurança, insalubridade, e morte. A classe rodoviária é uma das mais atingidas pela pandemia de covid 19. Por isso segurança, trabalho e a recuperação dos dias não pagos são prioridade hoje.

Neste sentido, a construção de uma boa equipe na forma de uma base organizada é o trabalho prioritário do quadro externo e do quadro interno de ligação entre a vanguarda e a base organizada. Isso se explica na ligação de assistência e vanguarda rodoviária, de um quadro externo que estuda a classe trabalhadora em geral, com um quadro interno especializado na classe rodoviária. A construção de uma ação presente, diária, disciplinada, constante que conecta o imediato, que faça sair do lugar comum e aponta para uma luta concreta superior, e neste sentido a conecta com a luta de classes, só se faz possível com a presença diária da vanguarda nos locais de trabalho e de moradia.

O trabalho diário intenso significa: uma liderança diligente qualificada, um bom grupo intermediário, condições logísticas necessárias, material de divulgação adequado, correta agitação e propaganda, uma política de finanças adequada, a organização dividida por equipes por empresa, o comando correto e generoso e respeitoso com a liderança da classe, o grupo intermediário e o conjunto da base organizada. Um correto processo educativo para a formação de uma nova vanguarda, que deve corresponder no máximo a 20% do grupo fazem com que um trabalho simples e diligente possa prevalecer: a dinâmica é pedagógica. E deve se formar para formar sem abraçar o mundo, mas com paciência formar o necessário para continuar formando no tempo e espaço corretos. Neste caso formar um grupo menor é mais produtivo.

No final queremos ver construir um rodoviário com a consciência da construção conjunta com a comunidade na autossustentabilidade; o rodoviário vai precisar aliar a sua pauta com a da comunidade por um transporte público de qualidade. Um rodoviário com a consciência de que a questão sustentável, do clima e do planeta tem muito a ver com a sua pauta específica. E que a sua própria pauta específica por salário, por condições de trabalho e por direitos tem que ver com a pauta do poder da classe rodoviária no conjunto da classe trabalhadora.

Somente um rodoviário consciente da luta da comunidade, por um mundo mais comunitário, ecológico e autossustentável, da sua luta concreta na luta de classes pode recuperar a sua ferramenta sindical da forma mais correta, se organizar corretamente, e mudar sua vida coletivamente através da luta, pela crítica do trabalho de base. Ao mesmo tempo, somente com um trabalho de base crítico podemos disputar a base para a crítica do trabalho de base unindo o imediato, o concreto, a autossustentabilidade e a luta de classes.

A construção da recuperação da ferramenta sindical é a construção da organização da classe rodoviária através da sindicalização classista; e ambas somam na luta concreta na luta de classes, no correto tempo de maturação da consciência e assimilação crítica da base organizada. A crítica do trabalho de base no rodoviário é a construção da classe rodoviária a partir da base concretamente organizada para transformar a teoria, na luta concreta na luta de classes. Problema concreto virando problema da classe na luta.

O concreto é o sólido que se pega com as mãos e se mostra em um boletim de agitação e propaganda. O trabalho pedagógico da luta de classes se faz no debate cotidiano olho no olho, a ação virtual serve ao mesmo tempo em que se faz o concreto. Em relação à classe rodoviária: baseado nas condições de trabalho e na luta concreta, da volta do cobrador, da aposentadoria especial, das 6 hs 40, dos banheiros nos terminais, da meta de 3 salários, do vale alimentação (sodexo) integral de 1 salário, do adicional de insalubridade, do contrato de trabalho não intermitente e não terceirizado, etc; com as lutas da cidade, de um mundo mais limpo e saudável, tudo junto da construção da humanidade, cada idoso, estudante, cadeirante, cada trabalhador é o serviço público.

A humanidade do motorista e o cadeirante e se opõem a qualquer ‘meta’ do capitalista. “O motorista parou o carro ao ser solicitado, mas não conseguiu levar o passageiro porque ele não conseguia levantar da cadeira de rodas. Por essa razão, o uso do elevador, nesse caso, era imprescindível. Naquele momento, o motorista explicou ao cadeirante o fato do elevador do ônibus estar defeituoso e ainda lhe orientou que procurasse seus direitos da seguinte forma: ‘Olha, eu não te levo não é porque eu não quero. É porque não posso: o elevador está quebrado! Busque seus direitos: denuncie esta situação!’ A seguir, prosseguiu seu caminho com tristeza e lamentando não ter conseguido levar o cadeirante, apesar da tentativa” (Belo de Souza 2017).

“Isso posto, uma das pistas que pensamos ter encontrado é que, possivelmente, a pressa figure como parte do gênero profissional dos motoristas de ônibus da cidade do Rio de Janeiro incentivada, inclusive, pelos empresários de ônibus à medida que, ainda de acordo com Caiafa: […] interessa ao capitalista que o motorista corra porque isso é aumento de produtividade. Se ele parar para pegar passageiros que vão pagar tarifa, de resto a correria significa que mantendo a mesma jornada de trabalho – num mesmo tempo que o capitalista paga ao rodoviário – o motorista pode cumprir um percurso maior, recolhendo os passageiros que acenam, entram e pagam. Aumenta o número de viagens de um mesmo veículo e com o mesmo par de funcionários que vão produzir mais (vender lugares nos ônibus) pelo mesmo salário (CAIAFA, 2002, p.47). Nesse caso, a pressa também tem por objetivo garantir bons resultados para a empresa, sendo, de certa maneira, um recurso para enfrentar as situações presentes no dia a dia desses trabalhadores, sobretudo no que diz respeito à prescrição de, ao final de seu dia de trabalho, alcançar à meta de 350 passageiros pagantes”. (Belo de Souza 2017).

“De acordo com Caiafa, quanto mais passageiros forem transportados em menor tempo, isso se refletirá em mais passagens vendidas. Como o motorista trabalha por horas diárias e não por viagens percorridas, observa-se que a pressa também o beneficia. O fato é que o capitalista quer ganhar dinheiro, sempre. Os meios de produção, o capital constante, só existem, do ponto de vista da criação da mais-valia, para absorver trabalho e com cada gota de trabalho uma porção proporcional de trabalho excedente. Se não realizam isto, sua mera existência constitui pura perda para o capitalista, pois durante o tempo que ‘estão parados’ representam adiantamento inútil de capital (MARX, 1980, p.290 apud CAIAFA, 2002, p.46)”. (Belo de Souza 2017). É muito importante conectar a consciência da exploração, da busca por direitos às possibilidades do controle direto e da revolução, nas coisas mais acessíveis cotidianas.

“Ainda a respeito desse seu desgaste físico, o motorista relatou durante a entrevista que nesses 18 anos trabalhando como rodoviário – sendo a maior parte deles como motorista, tendo passado inicialmente pela função de cobrador –, o maior dano por ele sofrido se deu a partir da implementação da dupla função: a de motorista e cobrador ao mesmo tempo, que é uma característica do trabalho contemporâneo: a acumulação de funções. Nesse sentido, o motorista entrevistado transparecia em seus comentários um sofrimento notório advindo da ausência de um companheiro de trabalho que, inclusive, o pudesse auxiliar, por exemplo, sinalizando o momento de fechar a porta traseira do ônibus após a saída de passageiros. Nesse particular, o motorista relata que quando o ônibus se encontra lotado e, em consequência disso, alguns passageiros viajam em pé, ele não consegue observar o espelho localizado na porta traseira do veículo para auxiliá-lo no fechamento das portas logo após os embarques e desembarques. Ele ressalta que, dentre as colaborações que aconteciam quando trabalhava com um companheiro cobrador, auxiliá-lo na visão da porta traseira do ônibus era uma delas. Conforme reproduzimos a seguir, sua declaração quanto a essa dupla função é contundente: “Isso tem que acabar! Acontecem muitos acidentes por causa disso. É que não há divulgação, mas existem muitos acidentes ocasionados pela dupla função. Isso tem que acabar!”, (Belo de Souza 2017).

Listamos, portanto, alguns dos desafios para organizar a classe rodoviária a partir das reflexões mais prementes destes trabalhadores.

1- Compreender a situação da classe rodoviária e o exercício do seu ofício é condição para a organização da classe rodoviária.

2- Quatro eixos principais, a natureza do trabalho (desumanizada pelo patrão capitalista e em competição com o outro, a covardia); a saúde (um rodoviário de 36 anos sem os dois rins, tornou-se paciente renal crônico preso a hemodiálise em Cabo Frio), no depoimento do seu irmão eu pude observar seus olhos distantes…; as condições deste trabalho, e a violência patronal e da cidade do capital; o papel protagonista de uma vanguarda operando um trabalho de base crítico, interno e externo por sobre uma base organizada

3- A ação da base organizada por sobre a base em geral

4- O processo pedagógico de ambas na luta concreta, na luta de classes no correto tempo de maturação da consciência e assimilação crítica.

5- O estudo da patronal a partir do estudo da classe rodoviária; e o estudo da classe como um todo e da patronal como um todo.

6- Como os estudos da situação da mulher e do jovem pioram porque são à margem da composição da classe rodoviária.

7- Um potencial enorme do estudo geral e específico em cada cidade do Brasil no contexto da América Latina para o estudo do trabalhador rodoviário.

No final a mais importante tarefa é ajudar o trabalhador rodoviário a recuperar o seu protagonismo e o seu respeito. Respeitar o trabalhador rodoviário é um exercício diário da vanguarda revolucionária.

Através destes eixos acima podemos ascender aos maiores objetivos da classe, e no caminho recuperar o respeito do trabalhador, dentre outras coisas. O grande desafio da classe rodoviária é se conectar a outros setores estratégicos nacionais e internacionais, buscando unificar a luta rodoviária nacionalmente e internacionalmente da classe rodoviária, e ao mesmo tempo manter a sua localidade e o seu caráter comunitário. De mudança co-unitária com a comunidade, inclusive com os grandes objetivos da classe como um todo.

Respeito – Para que todos possam participar e ajudar a recuperar o respeito da classe rodoviária através da participação de todos, todos os rodoviários participando na retomada do poder da classe rodoviária. Através dos comitês de empresa de salários e a eleição de representante sindicais de base com estabilidade.

Recuperação da ferramenta sindical para a luta classista – Construir uma ferramenta de lutas classista a partir da ferramenta sindical da categoria. Conectar os sindicatos de rodoviários, unificando as assembleias dos sindicatos e unificando a luta classista dos setores de transportes e de energia.

Segurança – A pandemia do covid 19 provou que o trabalhador rodoviário está e estará mais exposto às doenças nesta pandemia e em outras por causa da falta do cobrador, do excesso de jornada e da falta de EPIs; assim como pela falta de um adicional de insalubridade que pressione a patronal a diminuir a exposição do rodoviário ao perigo. Por isso nunca foi tão importante a luta pela volta do cobrador, pelo turno de 6 horas, pela aposentadoria especial e pela segurança do trabalhador rodoviário, com uma proposta de saúde preventiva, corporativa e pública pelo fortalecimento do SUS.

O trabalho – Ter direito ao trabalho é o maior direito do rodoviário, precisamos continuar o processo de conscientização do trabalhador rodoviário para a importância do seu trabalho, que precisa estar à altura da importância do desafio do transporte coletivo metropolitano. Por isso a luta contra a patronal pela reestatização do transporte coletivo, contra o trabalho intermitente, contra a terceirização e o trabalho precário e uberizado são fundamentais. Quando o trabalhador rodoviário construir o seu poder o poder do trabalhador rodoviário vai se espelhar no poder da comunidade e da cidade.

Salário – No caminho do poder, a luta por melhores salários e pelo vale alimentação (sodexo). A luta por salários demonstra que no passado o trabalhador rodoviário recebia cinco salários mínimos, não chegando hoje até três. Precisamos aumentar o poder do trabalhador a partir da luta por melhores salários, e a luta por melhores salários pela luta por um acordo coletivo forte, com melhores direitos e condições de trabalho, com uma luta conjunta pela melhoria do vale alimentação. O interesse da patronal (do galego) é inversamente proporcional ao do rodoviário, um quer mais salário e o outro mais lucro.

Educação – A educação profissional do rodoviário precisa voltar a ser feita dentro do sindicato, a profissional, a acadêmica e a política. O sindicato precisa se interessar como ferramenta de lutas a capacitar o trabalhador para a sua profissão, para a educação formal, e a educação política. Compreender como funciona a sociedade a partir da compreensão crítica da exploração capitalista significa capacitar o trabalhador para tomar poder.

Símbolo – A data base do trabalhador precisa ser unificada nacionalmente no mês de março, mês que prepara a luta no primeiro de maio. A história dos trabalhadores rodoviários precisa coincidir com uma narrativa nacional dos rodoviários para a construção de uma convenção coletiva nacional com direitos mínimos dos trabalhadores rodoviários. Unificados em uma única federação nacional; unificados também em uma única confederação de transporte terrestres, trabalhadores rodoviários de passageiros e cargas, autônomos e empregados, com trabalhadores nos trilhos, ferroviários e metroviários.

Jurídico – O departamento jurídico do sindicato precisa educar o trabalhador a brigar pelo seu direito trabalhando e não depois de demitido, para isso é preciso fazer as palestras para educar para o direito, dar assistência jurídica integral ao trabalhador.

Estrutura – A estrutura classista das sedes e subsedes precisa servir a luta de classes nas comunidades onde elas atuam. É preciso construir um grande guarda chuva dos sindicatos mais fortes para os sindicatos mais frágeis, para os movimentos populares e para a juventude. Unificando os trabalhadores estratégicos dos transportes e também da energia capitaneados pelos petroleiros. A luta do rodoviário também é a luta pela Petrobrás. O sindicato dos trabalhadores rodoviários precisa ser recuperado para a luta de classes, e esta ferramenta como estrutura, precisa ser operada para servir a luta da classe trabalhadora, a comunidade pela classe e a família rodoviária.

Este estudo conclui que se existe um lugar comum para unir luta concreta com luta de classes é com o trabalhador rodoviário. O rodoviário é um trabalhador marcado pela sua humanidade e pela sua popularidade. Um trabalhador que todos conhecem e que todos confiam no caminho do trabalho e no caminho de casa. A humanidade do trabalhador rodoviário é expressa todo dia. No cuidado com o trabalhador passageiro da comunidade, da periferia, do gueto e da cidade. No cuidado com o cadeirante, no cuidado com o trabalhador aposentado e idoso; no grande serviço de levar os estudantes gratuitamente, para que as crianças e a juventude deste país possam se somar um dia com poder aos que trabalham.

A humanidade do trabalhador rodoviário se expressa quando transporta o colega uniformizado para casa ou para o trabalho. E finalmente, para fazer a economia funcionar, porque o trabalhador precisa do transporte coletivo urbano para chegar ao trabalho e produzir a riqueza deste país, e também para voltar para casa com dignidade e segurança. A pandemia de covid 19 provou que o trabalhador é o país. O trabalhador rodoviário através do seu trabalho e humanidade transporta vidas humanas, e conduz os trabalhadores para o seu destino, por isso recuperar o seu respeito e dignidade é tão importante; por isso não ser conduzido pela patronal, mas conduzir é tão importante.

Aqueles que dizem que o sindicato é ferramenta do passado nesta disputa, ou que a disputa pela ferramenta sindical não serve para conectar toda a luta concreta, com as experiências de luta pedagógica da classe, com os movimentos e a juventude da comunidade e da cidade, não percebem o potencial da luta sindical como escola da revolução e não conhecem dentro disso o potencial da luta da classe rodoviária. Portanto, não conhecem o valor da recuperação desta ferramenta revolucionária que cria poder popular no caminho da revolução brasileira; é preciso disputar as direções sindicais, tomar estas ferramentas, armar estas ferramentas, para que elas sejam “guarda-chuvas” unitários, classistas, internacionalistas, combativos e solidários; a partir de sindicatos dos setores estratégicos para outros sindicatos, movimentos populares; e se inserindo na nova classe, a massa precária, periférica, desempregada. Este é o centro da luta de classes através da classe rodoviária.

Os rodoviários são um grande laboratório estratégico local. Os rodoviários terão um grande papel local na construção da greve geral e do Enclat (encontro nacional da classe trabalhadora, dos movimentos populares e da juventude) no Brasil, no contexto da América Latina; na medida em que construírem o seu trabalho de base crítico desde o processo de recuperação da ferramenta sindical, passando pelo processo organizativo, na luta concreta na luta de classes. Isso envolve a participação da comunidade, da questão eco-sustentável e da conexão entre a luta concreta e a luta de classes da classe rodoviária. Nos rodoviários parte-se da condução de trabalho da classe e da luta concreta pela crítica do trabalho de base.

Através da luta da classe rodoviária abre-se a grande oportunidade, a partir dos setores estratégicos, cujo maior setor é o dos trabalhadores de transportes, pode-se de forma qualificada pensar, estudar, lutar nas cadeias de valor. O poder dos trabalhadores tem na classe rodoviária a questão central. O Sindicato em cada comunidade é para todos e não é um clube. Os trabalhadores precisam compreender a questão do poder em si e para si, compreender o mercado e o poder dos trabalhadores global. Para tomar posse deste poder precisam aprender a comandar este poder. Os trabalhadores estão se levantando e se colocando na posição de luta. Eles podem em cada cidade transitar do mundo possível ao necessário, tudo isso não virá fora do esforço revolucionário. Por isso precisamos partir do tangível para o ideal, lutar pelo necessário através do possível, e não se vender no caminho ao capital; chegar ao concreto e lutar pelo muito difícil, e expor cotidianamente o quão difícil aos trabalhadores organizados.

Precisamos parar de ‘chorar pitangas’ sobre o que os que os ‘galegos’ do setor ou os capitalistas em geral pensam e fazem, para conscientizar os trabalhadores naquilo que os capitalistas pensam e fazem. Uma vez conscientes podemos organizar para a luta baseado naquilo que os trabalhadores pensam e fazem. A crise sanitária está nos dando a chance de fortalecer a consciência dos trabalhadores localmente e também o internacionalismo proletário. Se não existe greve nacional rodoviária hoje, existe muito trabalho pela frente; trabalho local e comunitário com muito déficit organizativo. Se nenhuma classe é tão desunida como a rodoviária, nenhuma é tão acessível, nenhuma é tão necessária para explicar a crítica do trabalho de base.

Os trabalhadores rodoviários podem se preparar diariamente para descer as alamedas até os espaços de poder, como quem constrói greves gerais; atacar pela ocupação de espaços os donos da cidade e os donos de todas as empresas ao mesmo tempo. Ocupar as alamedas! Os rodoviários são aqueles que mais facilmente podem parar a circulação da cidade. Por isso este é o seu maior desafio, o exercício deste poder. Neste caminho está o desafio que os trabalhadores têm para compreender que a melhor, a única escolha é a revolução; e que ela começa todo os dias nos locais de trabalho, moradia e nas ruas, nas alamedas ocupadas e no trabalho parado e na comunidade conscientizada.

Reivindicar, demonstrar, revolucionar. Rodoviários são mais do que uma categoria, são a classe da comunidade, da cidade que conhece as ruas e os passageiros trabalhadores, neste sentido povo; pela acessibilidade qualquer um faz trabalho de base; que traz nas suas formas organizativas de recuperação da ferramenta sindical uma similaridade com a forma organizativa e da luta de classes. Não existem desafios impossíveis para a classe rodoviária em movimento, no seu movimento diário está a forte contribuição para a revolução brasileira e para o poder popular. De um lado precisamos afirmar a humanidade e proximidade do rodoviário como parte do povo trabalhador; e do outro, afirmar a liderança da base organizada e se submeter ao seu comando, para nos conectarmos; conectar vanguarda e base geral a partir da base organizada e irmanada de todos os trabalhadores de transportes, estratégicos, precários e periféricos deste país.

A luta pela recuperação da ferramenta sindical é possível, a partir de um pequeno grupo coeso e organizado, em uma base organizada, onde quadros externos e internos operam com assistência; tanto mais sejam mantidos os níveis de coesão, de unidade e de trabalho mais haverá sucesso. Mas onde principalmente o aprendizado crítico possa acontecer. Esta luta pode se reverter na luta organizativa e na luta concreta na luta de classes se os níveis de coesão, unidade e trabalho aumentarem na medida em que se organiza a base organizada e se forma o conjunto restrito da militância.

Em certo sentido estamos sempre aprendendo e tecnicamente atrasados diante do setor que estamos nos esforçando para nós nos inserirmos estrategicamente. Por outro lado estamos sempre apressados para levar concepções teóricas e críticas, que apesar de importantíssimas, demandam tempo de maturação e assimilação crítica por parte da base organizada; mas devemos acima de tudo respeitar os trabalhadores. O objetivo da vanguarda revolucionária comunista não é se esquivar nem de um lado e nem do outro, mas encarar este desafio: como revolucionários, preparados, no número necessário, com autonomia e apoio logístico, e principalmente respeitando e compreendendo que cabe a base organizada alterar a teoria crítica segundo sua experiência na luta concreta na luta de classes, pela crítica do trabalho de base

Referências

CAIAFA, Janice – Jornadas Urbanas, exclusão, trabalho e subjetividades nas viagens, FGV, 2002, Rio de Janeiro

BELO DE SOUZA, Fátima Valéria – O Ofício de dirigir ônibus na cidade do Rio de Janeiro: uma aproximação na perspectiva da atividade, UERJ, 2017

Entrevista com Maura Lúcia, rodoviária, referência da luta pela volta dos cobradores, e militante grevista – 2014-2018

Entrevista com Luiz Ferreira, rodoviário e militante da Unidade Classista – 2016 – 2020.

Entrevista com Ricardo Wagner, rodoviário e militante comunista – 2016 – 2020.

Entrevistas com rodoviários do Rio de Janeiro durante a eleição do SINTRATURB – 2016, agradecimentos especiais aos rodoviários Alexandre, Isaías e Jorge Mengo.

Entrevistas com rodoviários do Rio de Janeiro preparação e execução da greve dos rodoviários – 2018

Entrevistas com rodoviários de Niterói até Arraial do Cabo durante a eleição do SINTRONAC – 2020

CODATU – Panorama do sistema de transporte de passageiros no Rio de Janeiro – 2019 https://www.codatu.org/actualites/panorama-do-sistema-de-transporte-de-passageiros-no-rio-de-janeiro/