Concentração de riqueza na América Latina
Diego Lopes
Marxistas Brasil
Desde tempos imemoriais, a riqueza concentrada nas mãos de poucos tem sido uma situação popularmente desprezada e, como sabemos, existem várias passagens bíblicas, do Alcorão e do Budismo nas quais o dinheiro ou a riqueza acumulada são referidos como uma dificuldade em alcançar a salvação.
A obra de Adam Smith intitulada Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (1776) é considerada a primeira a tratar da economia do capitalismo e a inaugurar, assim, a teoria econômica, como um ramo especializado da ciência social.
Smith começou a investigar como ocorre a acumulação da riqueza de uma sociedade, mas não abordou o contraste entre ricos e pobres. Porém, ele conseguiu entender que os lucros do capitalista vêm do trabalho do trabalhador, embora considerasse esse fato uma lei natural do sistema.
Foi Karl Marx (1818-1883) que explicou a inconsistência teórica de Smith e em sua obra Capital (1867) descobriu que, de fato, seguindo Smith, os lucros do capitalista vêm do trabalho do trabalhador, mas o que Smith ele não investigou, Marx o descobriu, pois opera um mecanismo que ele chamou de “mais-valia”. Em outras palavras, o valor criado pelos trabalhadores no processo de produção é superior ao valor de sua força de trabalho e que o capitalista livremente se apropria para manter a propriedade privada dos meios de produção. Outro fator relevante é a divisão social do trabalho, que divide as pessoas entre quem só tem a força bruta para oferecer e quem pode vender seu conhecimento; por outro lado, ele explicou os fatores de produção: terra, trabalho e capital,
O problema está na tendência inevitável que a acumulação de capital adquire à concentração em poucas mãos e na preponderância dada aos proprietários do capital sobre os trabalhadores. Essa tendência tem origem na disputa que o agente econômico mantém com os demais agentes para obter uma taxa de lucro superior à média de seu mercado, de seu setor e da sociedade; o conflito originou-se, por sua vez, da necessidade de derrubar outros que participam do mercado para evitar a fome de seus negócios. Mas esse esforço e dedicação para atingir uma taxa superior à taxa média de lucro e, assim, ser capaz de derrubar ou dominar seus oponentes, torna seu trabalho e esforço um instrumento de corrupção dos princípios originários do mercado.
De acordo com essa hipótese, haveria dois momentos nesse intrincado processo: O primeiro, pelo qual o capital é acumulado para alcançar uma posição de hegemonia no mercado que garanta certo domínio da concorrência para evitar a fome ou a falência do seu negócio. A segunda, quando a necessidade de garantir esse domínio se torna uma necessidade de acumular riqueza. Nesse segundo momento, o capital, que a princípio era um mero meio de produção (e trabalho para quem não o possuía), se transmuta em meio de criar riqueza para quem o possui.
Como esta situação se “normaliza” na sociedade, conforme se consolida o setor social dono dos meios de produção, o primeiro momento é criar condições para o surgimento de mercados anômalos, dirigidos por poucas empresas; mercados que permitem lucros maiores do que deveriam existir sem eles. Desse modo, a “taxa média de lucro” daquela sociedade sobe acima da “taxa natural” exigida para o funcionamento ótimo do mercado, gerando com esse movimento um desequilíbrio sistêmico que leva ao uso desnecessário de recursos e remuneração indevida.
As diferenças atuais entre países e sociedades são assustadoras, embora os principais países da América Latina já tenham comemorado o segundo século de sua independência nacional, processo de modernização provocado pela expansão econômica e social derivada da dominação colonial, exercida principalmente pela Espanha. , Portugal, Inglaterra, Holanda e França, não geraram uma distribuição justa de poder, renda e riqueza. Ao contrário, a forte concentração de renda e poder foi um dos pilares da rápida expansão da riqueza, que se desenvolveu desprovida de mecanismos de justiça redistributiva como os dos países desenvolvidos.
Causas de concentração e desigualdade na América Latina
– Inserção das colônias na economia mundial da época. De início, refira-se a disponibilidade das monarquias de Portugal e Espanha para disputar, entre os séculos XV e XVIII, as posições superiores no sistema economico em desenvolvimento da época. Por outras palavras, a economia-mundo do Atlântico ibérico tinha em Espanha uma orientação para a expansão em forma de império universal, enquanto Portugal caminhava para a conquista do mercado internacional. Desta forma, o processo de colonização, tanto na América Espanhola como na América portuguesa, caracterizou-se fundamentalmente pela exploração das riquezas associada ao exclusivismo metropolitano, que privilegiou a monocultura de produtos primários de exportação (agricultura, pecuária e a atividade. extração de minerais e vegetais) para as metrópoles. O descompromisso das metrópoles com o desenvolvimento das colônias latino-americanas favoreceu de imediato o enriquecimento de pequenos setores da população local, geralmente ligados às atividades de produção e comercialização (exportação e importação de mercadorias e tráfico de escravos). O resto da população colonial em formação permaneceu completamente alheia à geração do excedente econômico.
– Constituição do sistema agrário. Os colonizadores portugueses e espanhóis imediatamente tentaram conceber a ideia de que os “índios” ocupavam muito mal a terra, reivindicando e assumindo para si, por isso, o direito de propriedade e a função de dizimar a população indígena, que , na época, eram 100 milhões de indivíduos. A situação no México, em particular, é notável pela rapidez com que a população ameríndia foi reduzida, de 25,2 milhões em 1518 para apenas 2,6 milhões em 1568. Um verdadeiro genocídio. A lógica era: menos pessoas, mais território.
A estrutura agrária criada na América espanhola e portuguesa foi a de grandes propriedades, que tendiam à exploração extensiva de produtos primários para exportação. Desse modo, a tradicional organização agrária da América pré-colombiana –de propriedade coletiva e uso comum da terra– foi rapidamente substituída pelo regime de propriedade privada.
Isso levou ao surgimento de um estrato de aristocratas na Terra. A aristocracia agrária na América Latina foi dividida em três sistemas diferentes de ocupação da terra e distribuição da propriedade agrária. Por um lado, a hacienda, que se desenvolveu nas áreas serranas com grandes propriedades e a exploração do trabalho por meio da servidão por dívidas, situação muitas vezes verificada nos Andes e no México. Por outro lado, as plantações, que também se voltaram para a produção em larga escala de produtos primários voltados para o mercado externo, com o uso de mão de obra escrava, como no Brasil e na Costa Rica. Por fim, a agricultura, nem sempre baseada na utilização de mão-de-obra forçada, mas também, por vezes, de mão-de-obra gratuita, na forma de parceria, assentamento ou colonização,
– Divisão de trabalho em grandes propriedades. Em geral, durante a colonização, prevaleceu o uso recorrente de trabalho forçado por índios e negros para apoiar a produção agrícola e a exploração em larga escala de minas para comercialização estrangeira. Entre os séculos 16 e 19, cerca de 14,6 milhões de escravos foram introduzidos em todo o continente americano, o que permitiu o enriquecimento dos mercadores do comércio externo e interno de escravos. Além da degradação da condição humana e da desvalorização do trabalho imposta pelo regime escravista, isso atrasou a constituição dos mercados de trabalho, que por sua vez formou uma massa de empobrecidos na América Latina. A pauperização atingiu não só os segmentos sociais submetidos ao trabalho forçado, mas também os chamados agregados sociais, formada por homens livres desprovidos de capital. Por isso, a luta pela independência nacional, ao longo do século XIX, nem sempre foi acompanhada pela superação das diferentes formas de trabalho forçado. Mesmo nos países nascentes da América Latina – que acabaram imediatamente com a escravidão – prevaleceram várias formas de exploração do trabalho. Em grande parte como resultado do prolongamento de um padrão ultrapassado de produção e reprodução dos ricos, caracterizado pela inserção econômica subordinada à monocultura e extração de bens primários e à estrutura agrária concentrada na grande propriedade. nem sempre foi acompanhada pela superação das diferentes formas de trabalho forçado. Mesmo nos países nascentes da América Latina – que acabaram imediatamente com a escravidão – prevaleceram várias formas de exploração do trabalho. Em grande parte como resultado do prolongamento de um padrão ultrapassado de produção e reprodução dos ricos, caracterizado pela inserção econômica subordinada à monocultura e extração de bens primários e à estrutura agrária concentrada na grande propriedade. nem sempre foi acompanhada pela superação das diferentes formas de trabalho forçado. Mesmo nos países nascentes da América Latina – que acabaram imediatamente com a escravidão – prevaleceram várias formas de exploração do trabalho. Em grande parte como resultado do prolongamento de um padrão ultrapassado de produção e reprodução dos ricos, caracterizado pela inserção econômica subordinada à monocultura e extração de bens primários e à estrutura agrária concentrada na grande propriedade.
“Mesmo nos países emergentes da América Latina – que acabaram imediatamente com a escravidão – prevaleceram várias formas de exploração do trabalho.”
Embora a industrialização completa tenha sido escassa em todos os países da região, houve avanços –especialmente a partir da primeira metade do século XX– nas atividades urbanas, capazes de permitir o surgimento de uma nova geração de ricos industriais. Sua conformação, por sua vez, refletia-se à parte da população como um todo, pois muitas vezes era fruto do maior saque da população trabalhadora urbana. De certa forma, o processo produtivo associado à manufatura gerou uma classe trabalhadora que acabou convivendo com uma massa humana marginalizada das políticas públicas e sujeita à competição dentro de um mercado que funcionava com um enorme excedente de mão de obra ao mesmo tempo. ao longo do século 20, mesmo nos países com maior grau de industrialização (Argentina, Brasil, Chile, México e Venezuela). Praticamente, em todos os países latino-americanos que avançaram, em alguma medida, na industrialização, houve um amplo processo de urbanização da velha pobreza, que se localizava no campo, sem melhora considerável na redistribuição de renda.
“De certa forma, o processo produtivo associado à manufatura gerou uma classe trabalhadora que acabou convivendo com uma massa humana marginalizada das políticas públicas e sujeita à competição dentro de um mercado que funcionava com um enorme excedente de mão de obra no ao longo do século 20, mesmo nos países com maior grau de industrialização (Argentina, Brasil, Chile, México e Venezuela) ”.
A partir do último quartel do século XX, as opções de avanço urbano-industrial foram severamente limitadas pelo surgimento de uma nova maioria política, mais favorável às orientações neoliberais de estabilização monetária e abertura comercial e financeira do que em relação à expansão produtiva. via mercado interno. Assim, com o enfraquecimento das atividades manufatureiras e a rápida conversão dos países latino-americanos em produtores e exportadores de bens primários, começou a ganhar importância um seleto grupo social ligado à especulação financeira, geralmente sustentado pelo endividamento do setor público. Mesmo com a estabilização monetária, acompanhada de abertura comercial e financeira, bem como da modificação do papel do Estado,
– Financeirização da riqueza. Os novos ricos da financeirização aliam-se aos grandes latifundiários ligados ao agronegócio e à extração de minérios e vegetais, aos grandes proprietários das atividades urbanas (comunicação, indústria, comércio e serviços) e aos grandes financistas. Da mesma forma, o avanço da privatização do setor produtivo estatal (telecomunicações, siderurgia, bancos e aviação, entre outros) e de bens e serviços públicos (como saúde, educação e água) foi acompanhado pela maior concentração – freqüentemente monopolizado – de renda, riqueza e poder no setor privado, nem sempre nacional.
Diante da relativa estagnação da América Latina desde o último quartel do século XX, percebe-se o esgotamento dos mecanismos de mobilidade social. Mesmo os filhos de famílias de classe média foram vitimados pelas décadas perdidas. O baixo crescimento econômico com alto desemprego e a expansão de empregos precários impediram o surgimento de oportunidades e perspectivas superiores de trajetória de vida para a população e, muitas vezes, incentivou a emigração.
Só os ricos têm se beneficiado dos mecanismos de mobilização de maiores riquezas, principalmente graças à especulação financeira, possibilitada nos últimos tempos pelas políticas neoliberais. Observa-se que de aproximadamente 150 milhões de famílias latino-americanas, apenas 10% absorvem quase 47% do fluxo anual de renda, representado pelo Produto Interno Bruto (PIB).
A riqueza da América Latina foi construída a partir da violência colonial, depois acumulada por uma privilegiada classe crioula, que, embora diminuísse e erradicasse a escravidão formal, se acostumou a gerar e construir fortunas a partir do abuso, da exploração e do empobrecimento das massas. popular. Essa superestrutura de abuso corrompeu todos os pilares dos Estados modernos e os reais fatores de poder. Pobreza é violência, não tanto por seu significado moral e ético, mas por sua origem, forma e maneira como os ricos usaram de abusos permanentes para consolidar seus privilégios e poder.
https://www.marxistasbrasil.com.br/2020/12/a-origem-da-concentracao-de-riqueza-na.html?fbclid=IwAR0aBJXAvXOXntoiW6fi5lI3XKuue5mu8BB6B29KIl37iThXbYEqsPFfQk0&m=1