O espectro de Lenin

imagemPor: Marcelo Bamonte – militante da UJC de São Paulo

“Estavam na esquina, e o vento gélido assoviava e fustigava-os enquanto tiritavam, calçados com botas ordinárias, batendo dentes ao falar: “Como era Ilitch? Alguém o tinha visto?”. Iugai o tinha visto no terceiro congresso do Komsomol. Porém, Lenin significava algo infinitamente maior na vida deles. Não apenas em anos passados, mas nos vindouros, para sempre, era impossível dizer o quanto significava para eles. Sempre estaria ali, não importava o que acontecesse. Era o que sentiam, e assim deveria ser. Para sempre ligados a Lenin, seu maior exemplo de vida, desejavam saber todos os detalhes sobre ele, como se parecia, sua voz, seu caminhar, que coisas guardava em seu quarto, que relações mantinha com seus camaradas, com sua família. Todos falavam ao mesmo tempo, contando aos outros o que sabiam ou qualquer coisa que lhes viesse à mente”. (PANOVA apud KRAUSZ, p. 20)

Quão difícil é a tarefa de relembrar um gigante? Se por um lado corremos o risco de não abarcar todos seus históricos feitos, de outro, existe a singela tentativa de personificação do eterno na forma da palavra. E palavras jamais descreveriam em sua completude a figura de Vladimir Lenin, falecido no dia 21/01/1924, exatamente há 97 anos.

O revolucionário, que para tornar-se um experimentou na pele a avassaladora repressão czarista que comandava o Império Russo, está entre as figuras mais enigmáticas do século passado e, com certeza, é a personificação própria do mesmo. Se a Revolução Russa foi o estopim mais importante do século XX, muito se deve à figura de Lenin. Sua vida e obra são marcos cruciais para compreender o movimento socialista mundial. Não só líder com vasta importância teórica e prática, Vladimir Lenin é a personificação da corrente marxista que logrou êxitos reais para a classe trabalhadora — e segue sendo, até hoje, a única que produziu e alimentou revoluções dentro e fora da Rússia.

Seria difícil não defini-lo como o principal homem político de seu tempo, até porque sua figura, de artífice da vitória, manteve-se firme durante os mais duros períodos onde a estratégia e tática se mostraram em um tensionamento a nível de ruptura total. A esquematização do Estado proletário, sua manutenção econômica e a construção internacionalista foram apenas elementos dentro da concretude das genialidades políticas do homem nascido em Simbirsk.

Como nos recorda Florestan Fernandes, é impossível não separar sua vida em três marcos principais: 1) pela sua contribuição teórica como criador altamente original no seio do pensamento marxista; 2) sua contribuição prática, como inventor de novas combinações institucionais de organização do movimento marxista-leninista e dos partidos que podiam mediatizar a sua transformação em força política especificamente revolucionária ou, ainda, como inventor de táticas e de palavras de ordem que calibravam politicamente a influência de tal movimento e de tais partidos nas condições concretas em que operavam como força política revolucionária; 3) seus papéis históricos, nos diversos momentos da evolução do marxismo e do marxismo-leninismo, na Rússia ou no plano internacional, e do desenvolvimento do que se convencionou caracterizar como “revolução russa”.

Das mais diversas frentes e extensões dos acontecimentos que possibilitaram a construção da primeira experiência de Estado socialista moderno, a presença de Lenin se torna notável. Ele é, ao mesmo tempo que personificação do anseio revolucionário, a prática revolucionária em si. Incansável, ao mesmo tempo que insuperável. Destacou-se como prolífico escritor, fornecendo as bases para a criação do partido de vanguarda que destrona o oportunismo e apostasia no seio da esquerda russa. Além disso, nos deixou a sua enorme compreensão da filosofia e economia política do comunismo científico.

Durante a vida, um firme opositor a toda distorção oportunista e revisionista da teoria e da prática revolucionária, do dogmatismo, do sectarismo, das ilusões parlamentares, mas sem negar a ação no parlamento. Se este jogo de afirmações e retrações se confirmam dentro de sua figura, Lenin se mostra como a dialética em si. Para Lênin, a dialética se apresenta como o coração pulsante do materialismo histórico, aquilo que o torna uma teoria viva e dinâmica, fugindo da estigmatização dos que consideravam a filosofia hegeliana obsoleta. Seus apontamentos, certeiros na medida de uma genialidade quase impossível de ser traduzida, são o coroamento de seu próprio percurso filosófico moldado pela prática. Como igualmente nos recorda Gianni Fresu, a constante interação entre teoria e práxis é de fato o elemento que mais distingue a figura de Lênin em um panorama — o do marxismo depois de Marx — no qual esses dois âmbitos raramente tiveram efetiva conjunção.

As posições de Lenin sobre o colonialismo também são apenas um fragmento de seu enorme e vasto campo de atuação. Através delas, comunistas puderam expandir sua compreensão sobre a questão das colônias, tendo como inspiração a figura do revolucionário ao liderarem as lutas anticoloniais, tanto nos países colonialistas quanto nas colônias. Não à toa Domenico Losurdo observa a expansão de seu fenômeno durante a construção do aparato estatal militar e a esperança da difusão do marxismo no ocidente como centelha de libertação.

A única esperança à autodeterminação dos povos, agitando a bandeira da liberdade e lutando contra as garras coloniais e imperialistas, vem justamente da construção capitaneada por Lenin. Mao Zedong nos recorda, por exemplo, que “Graças aos russos que os chineses descobriram o marxismo. Antes da Revolução de Outubro, os chineses não só ignoravam Lenin e Stalin, eles não conheciam sequer Marx e Engels. Os tiros de canhão da Revolução de Outubro nos trouxeram o marxismo-leninismo (ZEDONG, v.4, p. 425)”.

Se palavras pouco englobam sua figura em uma completude, deixemos que as capilaridades da luta realmente revolucionária falem por nós. A figura de Lenin inspira e continua a inspirar os diversos movimentos comunistas que lutam pelo socialismo real, não se esquivando de seus erros, mas não deixando que suas narrativas sejam contadas pelos vencedores da história. Se a esquerda hoje cai em uma movimentação autofóbica, deduzindo tudo da ideologia dominante, não podemos deixar que Lenin seja ofuscado de sua devida importância.

Há 97 anos o mundo perdia um gigante? Não. Na verdade, nunca o perdeu.

“Lenin era um investigador infatigável, um trabalhador incansável. E pode-se dizer que, como ele era politicamente consciente, não descansou um único momento ao longo de sua vida, não descansou um único momento para investigar, estudar e trabalhar no caminho da revolução. Não houve gladiador que tenha travado mais combates ideológicos do que Lenin. A quantidade de batalhas no campo ideológico travada por ele é surpreendente. E sua história não é, neste caso, comparável à de outros homens que fizeram ações extraordinárias como méritos pessoais. Lenin é um daqueles casos humanos verdadeiramente excepcionais. A simples leitura de sua vida, de sua história e de seu trabalho, a análise mais objetiva do modo como seu pensamento e sua atividade se desenrolaram ao longo de sua vida, fazem com que ele realmente aos olhos de todos os seres humanos verdadeiramente excepcional”- Fidel Castro

“Um camarada me deu para ler a Tese sobre as questões nacionais e coloniais de Lenin. Havia termos políticos difíceis de entender nessa tese. Mas por meio do esforço de lê-la e relê-la pude finalmente apreender a maior parte deles. Que emoção, entusiasmo, esclarecimento e confiança essa obra provocou em mim! Eu me regozijava em lágrimas. Embora estivesse sentado sozinho em meu quarto, eu gritei fortemente, como se me dirigisse a grandes multidões: “Caros mártires compatriotas! É disso que precisamos, este é o caminho para nossa libertação”-Ho Chi Minh

“Camaradas, nós, comunistas, somos pessoas de um molde especial. Somos feitos de um material especial. Somos nós que formamos o exército do grande estrategista proletário, o exército do camarada Lenin. Não há nada maior do que a honra de pertencer a este exército. Nada mais elevado do que o título de membro do Partido cujo fundador e dirigente foi o camarada Lenin. Não é dado a todos ser membro de tal partido. São os filhos da classe trabalhadora, os filhos da miséria e da luta, os filhos da incrível privação e do esforço heróico que antes de tudo deveriam ser membros de tal partido. É por isso que o Partido dos Leninistas, o Partido dos Comunistas, também é chamado de Partido da classe trabalhadora”.- Josef Stalin

“Eu honro Lenin como um homem que se sacrificou completamente e dedicou todas as suas energias à realização da justiça social. Não considero seus métodos práticos, mas uma coisa é certa: os homens de seu tipo são os guardiães e restauradores da consciência da humanidade”.- Albert Einstein

“Como avançaremos a partir de agora? Com uma lanterna do leninismo na mão. Encontraremos o caminho? Sim, através do pensamento coletivo, da vontade coletiva do Partido, encontrá-lo-emos! E amanhã, e depois de amanhã, daqui a oito dias, daqui a um mês, interrogar-nos-emos ainda: será possível que Lênin já não exista? Durante longo tempo esta morte parecer-nos-á um capricho da natureza, inverossímil, impossível, monstruoso”.- Leon Trotsky