Unidade na luta com independência de classe
Sobre a independência de classe e a chamada ‘linha dura’ do governo
Por Antônio Lima Júnior*
Chegamos em 2021, ainda na pandemia do novo coronavírus, ultrapassando a marca de 200 mil mortes em decorrência da Covid-19 e uma série de irresponsabilidades do governo Bolsonaro para com o conjunto do povo brasileiro. Bolsonaro inicia seu terceiro ano com falas e ações cada vez mais absurdas, pegando gancho nas movimentações golpistas de Trump nos EUA, dando o aviso para 2022. Fora isso, as denúncias de superfaturamento em compras que parecem não abalar o governo.
Enquanto as instâncias do poder continuam fingindo que não é preciso derrotar Bolsonaro, que ele pode manter as já inexistentes garantias democráticas, ficamos a ver navios no cenário de resistência aos ataques contra a classe trabalhadora, num período em que a crise agrava cada vez mais a sobrevivência de milhões no Brasil.
Mas é preciso lembrar que Bolsonaro é apenas uma parte do problema. A saída da crise só pode ser iniciada se pensarmos um caminho que reverta toda uma política neoliberal que vem há décadas retirando as riquezas do país e os direitos da classe trabalhadora, sem cair em conversas de que existe um lado ruim e um lado bom da moeda. Basta lembrar que, durante a ditadura militar, existiam duas linhas do governo milico: a linha dura e a linha branda, mas que ambas se completavam, uma dependia da outra para existir.
Tirar Bolsonaro do governo é urgente, mas essa urgência não abandona a necessidade de construir a independência da classe trabalhadora contra o projeto liberal, projeto este que usou Bolsonaro para garantir a continuidade no plano das reformas que vinham se intensificando após o golpe de 2016 (golpe este que foi uma necessidade para o grande capital acelerar reformas diante de governos petistas que não mais lhe interessavam).
Se voltarmos ao pensamento da divisão entre linhas da ditadura militar, Carlos Marighella, em seu escrito intitulado ‘O papel das forças populares e nacionalistas’, afirmava que a caracterização de um setor ‘linha dura’ do governo não pode limitar a ação política contra esse setor, mas sim saber aproveitar as brechas nos conflitos entre as frações do poder para derrotar o governo como um todo, sem ilusões com a ‘ala branda’.
Por isso, pensar na derrota do governo Bolsonaro hoje é pensar também na derrota das medidas antipopulares, das reformas que visam retroceder as conquistas do povo e lutar também pela reversão de medidas que já foram aprovadas, como as reformas da previdência, trabalhista e o teto dos gastos. Um enfrentamento que não tenha esse horizonte será mera ilusão para a classe trabalhadora.
Ainda no mesmo artigo, Marighella mostra, assim, que o papel das forças populares é de independência dentro de uma frente única contra o inimigo comum, mesmo que essa frente marche separada mas golpeie junto. A independência de classe é fundamental se pensarmos a construção do programa de lutas que apresente o somatório de demandas da classe trabalhadora para reverter a situação, na retomada da autonomia de um governo que esteja vinculado aos interesses do povo e não do grande capital. Isso também está vinculado à noção de hegemonia, visto que nesse processo é necessário ganhar o conjunto da massa para o programa de lutas da classe, demandando esforço, trabalho de base e rompimento com as visões cupulistas que só enganam os interesses da classe.
Significa também, como Marighella recorda ao analisar o cenário pré-64 com a Constituição de 1946, que é preciso abandonar as ilusões com o passado, como muitas forças acreditam numa retomada do projeto reformista, sem abandonar a conciliação de classes, vide as eleições municipais de 2020 e agora com o resultado da eleição da presidência do Congresso, onde os partidos de oposição se agarraram a uma suposta ‘ala branda’ do governo na cegueira eleitoral para 2022, esquecendo que há uma política de terra arrasada até lá.
O papel das forças populares, portanto, não é de retorno ao passado que, diante do cenário imperialista, jamais voltará, mas sim de apontar para a radicalização do futuro, chamando a classe a tomar para si o destino que lhe é de direito. E é essa independência de classe que, afirma Marighella, garantirá o protagonismo no processo democrático. Se a urgência e a necessidade de derrotar a ‘linha dura’, botando pra fora Bolsonaro e sua corja miliciana, implica numa aliança com setores da pequena burguesia e da própria política burguesa, urge também construir um bloco da classe trabalhadora que intensifique as lutas e apresente com sua autonomia uma alternativa para a derrota do grande capital.
* Jornalista do jornal O Poder Popular no Ceará, militante do PCB e da Unidade Classista