Quase metade da renda anual do brasileiro já é engolida com compromissos financeiros

No momento em que o governo tenta conter de novo o desempenho fraco da economia pelo consumo, o peso das dívidas antigas alcança valores recordes no orçamento das famílias brasileiras. Em abril, só as dívidas financeiras representavam em média 45% da renda anual, segundo projeção do economista Simão Silber, da Universidade de São Paulo (USP), com base em dados do Banco Central (BC). Esse percentual era de 24,94% em janeiro de 2007 e de 35,8% no começo de 2010.

– O comprometimento das famílias com o endividamento aumentou bastante recentemente e dá sinais de saturação. A questão é que o maior acesso a crédito no Brasil é acompanhado por taxas de juros ainda elevadas, o que significa um perfil de endividamento que não é saudável. Isso gera a armadilha da dívida. As pessoas vão se estrangulando e ficam presas aos bancos – afirma o professor de Economia da Uerj Luiz Fernando de Paula, admitindo risco de aumento de inadimplência por causa das medidas de estímulo ao consumo anunciadas pelo governo.

Além disso, atualmemte, todo mês, mais de um quinto da renda das famílias já está comprometida com o pagamento de dívidas bancárias. Neste caso, essa fatia saltou de 18%, em janeiro de 2008, para 22% em fevereiro último. Um percentual muito elevado, segundo economistas, já que o consumidor ainda tem despesas como educação, habitação, transporte, saúde e alimentação. O excesso de dívidas acaba se traduzindo em aumento de inadimplência. Em março, a taxa, que considera atrasos acima de 90 dias, chegava a 7,4% dos financiamentos para pessoas físicas, ou R$ 38,85 bilhões.

Classe C deve 60% de sua renda anual

O educador financeiro Mauro Calil considera o grau de endividamento das famílias hoje elevado. Ele acredita que as novas medidas de incentivo ao consumo podem até ser favoráveis para a sociedade, por estimularem a economia, mas alguns indivíduos pagarão a conta, com mais endividamento.

A situação no Brasil é mais delicada que em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a fatia da renda mensal para quitar dívidas bancárias varia de 15% a 17%. Em países ricos, o nível de endividamento pode até ultrapassar 100% da renda anual. Mas, como os juros são menores e os prazos muito mais longos que no Brasil, o peso final no orçamento mensal das famílias (que é o comprometimento) é proporcionalmente menor. Outro agravante no caso brasileiro, segundo o professor da Uerj, é o prazo mais curto dos financiamentos.

– O endividamento e, principalmente, o comprometimento da renda mensal hoje são muito maiores que em 2008 e 2009, e o pacote do governo é o mesmo. Para voltar a se endividar com crédito, o consumidor tem de recuperar espaço no orçamento – diz Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa Experian.

Cálculos da área econômica do banco Pine indicam que o nível de endividamento médio é ainda maior entre as famílias da chamada classe C, com renda mensal entre 2,5 e cinco salários mínimos (de R$ 1.555 a R$ 3.110): chegaria a 60% da renda anual.

– Ultimamente as dívidas que esse extrato têm contraído são mais caras que em 2009, por exemplo. Até então, o endividamento era em CDC (crédito direto ao consumidor), agora há dívida em cheque especial, cujos juros são mais altos – observa Marco Maciel, economista-chefe do banco Pine.

Luiz Fernando de Paula lembra ainda que a baixa renda, além de só ter acesso a crédito com taxas de juros mais altas, tem menos facilidade para negociar suas dívidas com as instituições financeiras.

O encarregado administrativo Daivison da Costa, de 31 anos, foi um dos que se viu envolvido em dívidas que não conseguia pagar. Em 2007, ele teve um cheque de cerca de R$ 2 mil protestado às vésperas de seu casamento. As despesas do dia a dia e os gastos com a cerimônia e com a casa nova dificultaram o pagamento.

– Outro problema foi o parcelamento proposto pelo banco. As parcelas eram muito altas, incompatíveis com meus gastos mensais e com juros muito altos – conta Daivison.

A supervisora de vendas Jane Araújo, de 42 anos, contraiu uma dívida de R$ 1.600 no banco em 2007, mas só deu atenção ao problema quando o débito bateu R$ 6 mil:

– Meu limite era de quase R$ 2 mil, e, a essa altura, era impossível pagar.

Silber, da USP, não vê nas medidas de estímulo ao crédito grande potencial para impulsionar a economia.

– Por mais que o governo queira, vai ser difícil esticar tanto o crédito como já foi feito. E isso não ocorrerá por causa da estrutura atual. Os juros ainda são muito altos e dívidas, mesmo pequenas, já comprometem muito a renda. Além disso, os prazos dos empréstimos são curtos no Brasil – diz Silber, lembrando que o prazo médio dos empréstimos para pessoa física é de 600 dias, menos de dois anos.

A economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Marianne Hanson também acredita que o endividamento vai limitar o impacto dessas medidas, porque as pessoas estão mais cautelosas.

As operações de crédito do sistema financeiro alcançaram 49,1% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, mais que o dobro dos 24,1% registrados em 2003. É consenso entre os economistas que a expansão do crédito agora ocorrerá num ritmo menos vertiginoso.

Maciel, do Pine, ressalta ainda que a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos e do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito são muito restritos à indústria automotiva.

 


Ministério vai investigar fundo do FGTS

O Globo

BRASÍLIA. O ministro do Trabalho, Brizola Neto, anunciou a instalação de uma sindicância interna para apurar o baixo rendimento das aplicações do FGTS e rever sua política de investimentos. O FI-FGTS, fundo que o governo criou para investir em infraestrutura com recursos do FGTS , não está obtendo a rentabilidade exigida por lei, que é TR mais 6% ao ano. Essa foi a conclusão de uma auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) que analisou a prestação de contas relativas a 2010 – quando o retorno ficou em 4,95%. O relatório apontou ainda problemas na gestão desses ativos pela Caixa.

Brizola Neto informou que as próximas atas das reuniões do Conselho Curador do Fundo serão públicas, para atender à lei do acesso à informação. As medidas serão discutidas numa reunião extraordinária do Conselho:

– A gente vai buscar as razões para esse baixo rendimento das aplicações do FGTS.

Em 2010, o FI investiu R$ 3,78 bilhões de R$ 5 bilhões programados. Foram R$ 2,01 bilhões no setor de energia, R$ 1,3 bilhão em rodovias, R$ 500 milhões em portos e R$ 500 milhões em saneamento. Os trabalhos de campo da CGU foram realizados de 13 de junho a 26 de agosto de 2011, por meio de testes e análise de dados coletados ao longo do ano.

No documento, a CGU alertou que o resultado do FI deve ser prioritário, pois há necessidade de garantia de retorno, “principalmente por tratar-se de recurso do trabalhador”. A auditoria também criticou a Caixa, que usa recursos e estrutura própria na gestão dos recursos de terceiros. E cobrou indicadores econômicos e sociais que avaliem as aplicações do FI, que tem por objetivo melhorar o rendimento do FGTS e ajudar a resolver gargalos da infraestrutura.

Reportagem do “Valor Econômico” revelou que a mesma auditoria da CGU apontou conflitos de interesse entre membros do Conselho Curador (que aprova a política de investimentos do FGTS), do Comitê de Investimentos (que aprova projetos) e de funcionários da Caixa. De acordo com o jornal, três pessoas que atuavam nessas instâncias têm negócios privados e suas empresas foram contratadas por construtoras que receberam aporte do FGTS, via emissão de debêntures no valor de R$ 3 bilhões.

A reportagem levantou também problemas sobre a representação no Conselho Curador, mais favorável à Caixa. Além de um representante, o banco cedeu um funcionário: Paulo Furtado, lotado no Ministério do Trabalho e que exercia a função no Conselho de secretário-executivo e presidente, na condição de representante do ministro.

Ontem, Furtado foi exonerado do cargo de assessor especial do ex-ministro Carlos Lupi e da função no Conselho. Seu suplemente no Conselho, Antonio Gois de Oliveira, também foi exonerado.

A Caixa informou que passou a adotar regras mais rígidas e está exigindo que as empresas declarem que não têm participação ou parentes no Conselho, no Comitê ou na Caixa. Os funcionários foram proibidos de acumular a função com consultorias próprias.

 


Ex-premiê admite risco real de Grécia deixar euro

O Estado de S. Paulo

O ex-primeiro-ministro grego Lucas Papademos declarou ontem que a Grécia não tem alternativa a não ser cumprir o rigoroso programa de austeridade exigido por seus credores. Caso contrário, segundo ele, o país seria obrigado a sair da zona do euro e isso seria “catastrófico” para a economia, provocando inflação e problemas sociais ainda mais graves que os atuais.

Em sua primeira entrevista desde que deixou o cargo, Papademos disse à agência Dow Jones que a saída da união monetária acarretaria consequências econômicas graves, além de implicações profundas para o restante da zona do euro. Sem entrar em detalhes, Papademos disse que é por isso que os governos e as instituições da Europa estão preparando planos de contingência para essa eventualidade.

“Apesar de ser improvável que esse cenário se materialize e de se tratar de algo indesejável tanto para a Grécia quanto para os outros países, não se pode deixar de considerar que preparativos estão sendo feitos para fazer frente às potenciais consequências da saída da Grécia da zona do euro”, declarou Papademos.

O também ex-vice-presidente do Banco Central Europeu continua aconselhando o governo interino instalado em Atenas desde que deixou o cargo de primeiro-ministro, na quarta-feira da semana passada. Papademos deixou o posto de chefe de governo depois do resultado inconclusivo das eleições legislativas de 6 de maio. Novas eleições foram convocadas para 17 de junho.

Na opinião de Papademos, muitos gregos não teriam avaliado totalmente a gravidade da situação. “Os líderes políticos europeus enviaram uma mensagem clara: a Grécia deve ficar na zona do euro e o país deve cumprir seus compromissos. Portanto, o risco de a Grécia deixar o euro é real e depende efetivamente de o povo grego apoiar a continuidade da implementação do programa econômico.”

O ex-premiê citou estimativas segundo as quais o custo de uma saída da Grécia da união monetária ficaria entre € 500 bilhões e € 1 trilhão, o que refletiria o impacto sobre mercados, efeitos de contágio e danos à economia real. “Alguns cálculos que vi sugerem que a inflação aceleraria para 30% ou até mesmo 50%, dependendo do impacto desses acontecimentos”, acrescentou Papademos.

Os mercados nos Estados Unidos e no Brasil reagiram negativamente às declarações, feitas depois do fechamento das bolsas na Europa.

Em Paris, o ministro de Finanças francês, Pierre Moscovici, disse que a saída da Grécia da zona do euro pode levar à uma propagação “imprevisível” da crise da dívida, um cenário que a França vai tentar evitar a todo custo. “Tudo deve ser feito para ajudar as forças a favor da Europa e do euro na Grécia” antes das novas eleições marcadas.”

Já o ministro de Finanças de Luxemburgo, Luc Frieden, acha muito difícil a Grécia permanecer na zona do euro se os eleitores rejeitarem nas próximas eleições as medidas de austeridade e os termos do pacote de resgate para o país.

Hoje os líderes da União Europeia se reúnem num jantar informal em Bruxelas. Analistas não acreditam que sejam acertadas medidas decisivas. Existe a expectativa de que sejam discutidas a criação de eurobônus, o aumento dos recursos à disposição do fundo de resgate europeu para recapitalização dos bancos e a introdução de garantias pan-europeias para os depósitos das instituições financeiras.

 


Arrecadação se desacelera e cresce 3,49% em abril

Valor Econômico

A desaceleração da economia em março – quando o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) recuou 0,35% em relação a fevereiro, feito o ajuste sazonal – afetou o desempenho da arrecadação federal. Em abril, o recolhimento pela União de impostos e contribuições atingiu R$ 92,62 bilhões, registrando uma alta de apenas 3,49% em relação ao mesmo mês do ano passado, descontada a inflação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). É uma expansão real bem menor do que a verificada nos meses anteriores: de janeiro a março, a média de crescimento mensal da arrecadação sobre 2011 ficou perto de 7,5%.

De janeiro a abril, a arrecadação somou R$ 349,47 bilhões, avanço real de 6,28% na comparação com o mesmo período de 2011. O recolhimento do IPI sobre automóveis no quadrimestre totalizou R$ 2,02 bilhões, número 19,75% menor do que o arrecadado nos primeiros quatro meses do ano passado.

Levando em conta somente o volume de recursos que entram no caixa da Receita Federal – descontando, portanto, cobranças administradas por outros órgãos -, o resultado da tributação sobre a renda das empresas foi um retrato das dificuldades do setor. Dez setores da economia recolheram, em abril, 31,6% menos Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), na comparação com abril de 2011. Entre as atividades, estão as indústrias de bens de capital, alimentícia, metalúrgica, automotiva, extrativas de minerais metálicos e instituições financeiras. Incluindo os demais setores, as empresas pagaram quase 1% a menos de IRPJ/CSSL no período.

A receita de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre automóveis também registrou forte recuo na mesma comparação, de 31,5%. De acordo com a Receita, o movimento foi consequência principalmente de uma redução de 7,6% no volume de vendas ao mercado interno. Na segunda-feira, o governo adotou medidas de estímulo ao setor, reduzindo, ou mesmo zerando, o IPI de veículos automotores. O setor de bens de capital também foi contemplado com redução dos juros dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A arrecadação de receitas administradas, porém, ainda teve alta. O recolhimento do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) contribuiu de forma positiva. Esse tributo gerou caixa de R$ 5,71 bilhões no mês, 11,9% a mais em termos reais do que em abril de 2011. O número foi influenciado pelo fim do prazo da declaração anual do IRPF.

Mais expressivo ainda foi o aumento da receita de abril dos dois tributos federais incidentes sobre importações. O Imposto sobre Importação (II) e o IPI vinculado à importação foram responsáveis pelo recolhimento aos cofres federais de mais de R$ 3,5 bilhões, valor 15,5% superior ao proporcionado em abril do ano passado.

Já o Imposto de Importação direcionou aos cofres públicos R$ 9,23 bilhões no primeiro quadrimestre do ano, com crescimento real de 11,44% em relação ao mesmo período do ano passado. No IPI vinculado, que incide sobre as compras externas, a arrecadação foi de R$ 5,198 bilhões nos primeiros quatro meses do ano – alta real de 22,72%.

Um grande crescimento foi observado no IPI de bebidas, responsável pela arrecadação de R$ 1,210 bilhão no primeiro quadrimestre. O resultado real é 31,17% maior do que nos quatro primeiros meses de 2011. A Receita Federal destacou que o crescimento expressivo se deve à “alteração de alíquotas aplicadas a bebidas frias” em 2011.

Já o IPI-outros, que incide sobre a fabricação de máquinas, materiais elétricos e produtos químicos, arrecadou R$ 6,228 bilhões no quadrimestre, valor que representa diminuição real de 6,47% em relação ao mesmo período do ano passado.

 


Governo planeja mais ações para destravar o crédito

Valor Econômico

Enquanto aguarda o desenrolar da crise na zona do euro, com a possível saída da Grécia da união monetária, o governo prepara mais quatro ações para destravar o crédito e estimular a retomada. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, revelou ontem que avalia a isenção do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na portabilidade do crédito habitacional e um mecanismo que ajude a reestruturação da inadimplência bancária. Analisa também a ampliação do crédito e redução de seu custo para motocicletas e a desoneração do PIS/Cofins pagos pelas companhias de saneamento básico.

O ministro informou que a intenção do governo é permitir ao mutuário transferir a sua dívida para outro banco que apresentasse condições mais favoráveis de pagamento. Essa operação, segundo Mantega, seria feita sem o pagamento do IOF ou de qualquer outra taxa. Hoje, os bancos cobram tarifas elevadas para permitir a transferência dos débitos.

A caminho de atender um pleito dos bancos, Mantega disse que a reestruturação de dívidas deverá ser feita sem a cobrança de impostos, como prevê a Lei 12.431, que tipifica a renegociação como uma nova operação de crédito. A lei abre exceção apenas a valores até R$ 30 mil para pessoas físicas e no crédito rural. Nesses casos, os mutuários recebem um benefício fiscal e passam a pagar os tributos somente ao final da operação. A proposta em discussão no governo é ampliar o teto de R$ 30 mil.

O pacote de medidas anunciado segunda-feira pelo governo deve ter efeito modesto sobre o nível de atividade. “Nos próximos 90 dias saberemos se a Grécia saiu ou não do euro, se houve uma corrida aos bancos e o que aconteceu com a Espanha”, disse uma graduada fonte oficial. Conforme o desenrolar desses acontecimentos é que o Planalto decidirá sobre a dosagem da reação do governo à crise. A redução do IPI sobre veículos e a realocação de parte dos depósitos compulsórios para os bancos usarem como linhas de crédito para compra de automóveis foram medidas específicas “para dar uma resposta às demandas da Anfavea [associação que reúne as montadoras]”, disse a fonte.

 


Mercado reage mal a pacote de estímulo

O Estado de S. Paulo

O pacote de estímulo ao consu- mo lançado pelo governo ge- rou um efeito negativo no mercado financeiro. Enquanto as bolsas de valores europeias tiveram um dia de recuperação, a Bovespa fechou em forte queda, o dólar deu novo salto frente ao real e os juros no mercado futuro dispararam. O mau humor no Brasil começou logo no início do dia. A crítica entre os investidores era que as medidas foram restritas a alguns setores e repetem a fórmula adotada na crise de 2008 e 2009: o estímulo ao consumo, embora o remédio necessário agora seja dar força à oferta, por meio de reforço à indústria. “Há um questionamento sobre o modelo de crescimento do Brasil”, disse o diretor de Pesquisa para Mercados Emergentes da América Latina da corretora Nomura Securities em Nova York, Tony Volpon. “O consumidor brasileiro está muito endividado, então ofertar mais crédito para ele não vai ajudar muito, ao contrário da situação em que vivíamos em 2008.” O índice da Bolsa brasileira encerrou em baixa de 2,74%, acumulando queda de quase 12% nos últimos 30 dias – parte das perdas de ontem foi associada à declaração do ex-premiê grego Lucas Papademos de que a saída da Grécia do euro é um risco real. No mercado futuro de juros, os contratos com vencimento em 2013 subiram para 7,91%, ante 7,81% na véspera. As empresas do mercado imobiliário, que ficaram de fora do pacote do governo, foram as que apresentaram maiores quedas na bolsa. A PDG caiu 11,34%, a Gafisa, 9,9%, e a Rossi, 9,31%.

Dólar. Com o dólar em alta desde o início dos negócios, o Banco Central decidiu atuar com mais força no mercado de câmbio. Em dois leilões, o BC vendeu US$ 2,2 bilhões no mercado futuro. Mesmo assim, a moeda seguiu em firme tendência de valorização, até fechar o dia 1,81% mais cara, a R$ 2,079 – o maior preço desde 15 de maio de 2009. Analistas afirmam que o ritmo da alta foi bem superior à deterioração do noticiário e que, se o movimento continuar nessa velocidade, novas intervenções do BC não serão surpresa. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem no Senado que a alta da moeda pode ter efeitos colaterais sobre a inflação, mas avalia que esse repasse será limitado. “Todo remédio tem efeito colateral, mas você não deixa de tomar o remédio”, afirmou. “Atuamos sobre o câmbio para mudar seu patamar. Desde janeiro, ganhamos 20% de competitividade.” No mercado, há várias vozes que discordam. Para o diretor de câmbio da Pioneer Corretora, João Medeiros, a subida recente tem sinais de especulação, e a cotação parece começar a preocupar o BC. “A velocidade desse movimento incomoda”, disse./ COLABORARAM FERNANDO NAKAGAWA, EDUARDO CUCOLO E CRISTINA CANAS

 


Inadimplência força bancos a renegociar

Valor Econômico

Em meio à ação do governo de reativar o crédito de veículos com a adoção de um novo pacote de estímulos, uma prática adotada pelas agências de cobrança, sob orientação dos bancos, mostra o quão complicada está a questão dos atrasos no segmento. A ordem do dia é espremer até a última gota uma negociação do cliente, recorrendo a diversas medidas de conciliação, antes de retomar o veículo. Vale até renegociar as condições da dívida, prática que era incomum em uma carteira com garantia real e que ajuda o banco a reduzir sua inadimplência.

“Os bancos têm mudado a orientação para uma política de conciliação com o cliente em atraso”, diz Leonardo Coimbra, sócio do Grupo Cercred, empresa de recuperação de créditos. O Cercred tem 70% de seus negócios em créditos de veículos e atende as principais instituições do segmento, como Itaú, BV Financeira e Omni Financeira.

A causa de tanta benevolência bancária está na depreciação dos veículos usados – quanto mais barato o usado, menos dinheiro o banco recupera com a retomada. Se não colocassem a renegociação na prática do dia, a inadimplência das carteiras, em 5,5%, seria mais alta ainda.

Como falta crédito especialmente para usados, esse mercado encalhou. E a situação não deve melhorar com as novas medidas no curto prazo. Analistas veem tendência de mais queda do preço do usado, na medida em que o pacote incentiva a compra financiada no zero quilômetro.

“Se o prazo dos empréstimos é alongado, o prazo da cobrança caminha no mesmo sentido”, diz José Romeu Roque, presidente da Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc). Para ele, a queda na taxa Selic e do custo das linhas de empréstimo dos bancos vai levar a renegociação de dívidas a condições mais favoráveis para o devedor em atraso.

A reação ao pacote por parte dos bancos atuantes no segmento foi positiva. Banco do Brasil (BB) e bancos ligados a montadoras esperam expandir os financiamentos para aquisição de veículos atraindo, ao mesmo tempo, clientes com bom perfil de risco. Ao conquistar tomadores de crédito mais “conservadores”, o setor financeiro estaria assim afastando o risco de inadimplência. Os calotes crescem ininterruptamente desde o início de 2011.

O BB deverá disponibilizar um volume extra de R$ 2 bilhões para a concessão de financiamentos de veículos com a liberação do depósito compulsório, segundo os cálculos de seu vice-presidente de negócios de varejo, Alexandre Abreu. Ontem, o banco anunciou redução nas taxas de juro dos financiamentos de veículos novos e ampliou o limite do empréstimo para até 100% do valor do bem. Mas a dispensa de exigência de entrada vale para alguns casos. “Serão contemplados clientes com bom histórico de pagamento e carros com até um ano de uso”, ressalta Abreu.

Os prazos de financiamento não serão alterados. O limite continua sendo de 60 meses porque o fator de ponderação de risco (FPR) penaliza os empréstimos de prazo superior – uma das chamadas medidas macroprudenciais. Muitos especialistas acreditam que foram “facilidades” como prazo de até 72 meses, praticado há menos de um ano, que contribuíram para a alta da inadimplência.

Segundo Décio Carbonari, presidente da Anef, associação que reúne os bancos de montadoras, a redução do IPI incidente nos carros e do IOF sobre o crédito permitirá uma redução de 10,5% a 11% do valor da prestação, dependendo do prazo de financiamento. “O cliente de renda mais alta, que adiou a troca do veículo ano passado, deve se sentir atraído por essas novas condições”, diz.

Ainda que a redução de impostos, combinada à liberação de compulsório, aumente o universo de potenciais tomadores de crédito (inclusive os de renda mais baixa), a redução de taxa de juro, na avaliação de Abreu, do BB, diminui o risco de inadimplência. “Quando o preço da prestação cai, facilita o pagamento da dívida”, explica.

Abreu evitou falar sobre o Votorantim, instituição na qual o banco estatal detém 50% do capital e que tem puxado as provisões para devedores do BB. O executivo apenas ressaltou que o modelo de concessão do Banco do Brasil difere daquele do Votorantim porque as concessões são restritas a clientes, não estando disponível em revendas. “Ao conhecer o cliente, tenho condição de ser amais assertivo na disponibilização do limite.” O Votorantim, um dos líderes de mercado no financiamento de veículos, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que ainda está avaliando o impacto das medidas nos negócios da instituição.

Otimismo do setor bancário à parte, há quem ache que o “remédio” aplicado pelo governo no setor automotivo não terá um efeito tão forte quanto na crise de 2008. Segundo Wermeson França, da LCA Consultores, não há uma demanda reprimida pela compra de veículos e o comprometimento de renda das famílias, que em 2008 e 2009 ficava em 18%, hoje está em 22%.

 


Incentivo aos carros, sem contrapartida

Valor Econômico

Recentemente, os técnicos da equipe econômica chegaram a uma fórmula para lançar um programa de incentivos fiscais atrelado ao consumo de combustível dos veículos, como se faz, há algum tempo, nos Estados Unidos e Europa. Mas representantes da indústria discordaram da metodologia utilizada. E o programa foi engavetado.

Segundo fontes envolvidas nas discussões, a ideia era reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para as empresas que, em cinco anos, comprovassem uma redução de 20% no consumo de combustível dos seus automóveis. O cálculo se baseou em resultados do Programa Brasileiro de Etiquetagem, criado em 2008 pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

A etiquetagem revela quilômetros percorridos por litro de combustível (álcool e gasolina), como nos rótulos que medem consumo de energia em geladeiras. Como na indústria automobilística a adesão à etiquetagem ainda é voluntária, os representantes das montadoras contestaram o cálculo sob o argumento de que os dados envolviam apenas veículos produzidos pelos que aderiram espontaneamente ao programa.

O elenco de medidas anunciado pelo governo esta semana ajudará a elevar o consumo de carros, mas segue na contramão do que governos de outros mercados tão expressivos quanto o do Brasil têm feito para envolver os automóveis em planos de mobilidade sustentável. A grande maioria dos programas lançados no mundo nos quatro últimos anos atrela a redução de impostos a eficiência energética e controle de emissões.

Carros híbridos e elétricos são, de longe, os que recebem a maior parte dos benefícios. Mas diversos países também oferecem vantagens aos motores a combustão desde que atendam aos limites de emissão de CO2.

Os pacotes de incentivos fiscais mais atraentes estão nos Estados Unidos, onde, além de bônus de U$ 5 mil a US$ 7,5 mil na compra de carros elétricos, bancados pelo governo federal, o consumidor consegue vantagens adicionais nos Estados. Os fabricantes já criaram sites que indicam quanto se pode economizar, dependendo de onde se vive. As administrações mais engajadas, como a da Califórnia, oferecem até desconto na conta de energia ou estacionamento gratuito.

Na França, o motorista pode tanto ser beneficiado com taxas menores se tiver carro econômico como também paga mais impostos se o automóvel poluir muito. A União Europeia fixou a meta de reduzir a emissão de CO2 nos veículos em 20% até 2015.

Por isso, o continente tem vários exemplos de incentivos. O governo da Espanha criou um fundo para oferecer um bônus sobre a venda do carro elétrico. Em Portugal, veículos econômicos podem ser isentos de licenciamento. Na Bélgica, os impostos caem também para as empresas que investirem na estações de recarga das baterias.

Em Israel, a taxa de impostos para carros elétricos tem sido reduzida. Mas, o plano é voltar a subir daqui a dois anos. A ideia é estimular a antecipação da troca de carro para elevar a escala e, assim, ajudar o fabricante a reduzir os custos do investimento.

Na China, o maior mercado de veículos do mundo, os programas, por enquanto, não envolvem o consumidor. Estão mais voltados a estimular a indústria no desenvolvimento de novas opções de veículos. Mas pelo menos cinco cidades já participam de projetos pilotos.

No Brasil, a alíquota de IPI dos carros com motor flex (que podem ser abastecidos com gasolina ou álcool) é dois pontos percentuais mais baixa do que nos que aceitam somente gasolina. No programa apresentado nesta semana o governo diminuiu o IPI tanto para os carros flex como os movidos a gasolina, proporcionalmente.

O carro elétrico está ainda longe de ser o veículo padrão em qualquer parte do mundo. Mas seu uso tem sido claramente estimulado, principalmente como opção de deslocamento rápido em grandes centros urbanos.

No Brasil, no entanto, o elétrico é o que recolhe a maior carga de impostos por estar na categoria “outros” na subdivisão do IPI e por ser importado. Como não é produzido no país, o elétrico não se enquadra, portanto, no plano do governo para estimular atividade industrial e emprego e afastar o país da crise mundial.

Preocupado com a queda na atividade nas fábricas, o governo também reduziu juros para financiamento dos caminhões. Uma vez mais, a sustentabilidade não entrou na pauta. Os estoques de caminhões subiram neste ano quando entrou em vigor a lei de redução de poluentes dos veículos movidos a diesel. O custo da nova tecnologia elevou os preços dos veículos que poluem menos. Prevendo isso, as transportadoras anteciparam as compras no ano passado, reforçando suas frotas com os modelos que atendiam à lei anterior e que, portanto, poluem mais.

Os representantes da indústria automobilística gostam de dizer que há tempos o Brasil encontrou sua energia alternativa com o etanol. É verdade. Mas a vontade do brasileiro de utilizar essa fonte ainda está atrelada à oscilação de preços e safra. As últimas pesquisas indicam que abastecer o carro com etanol atualmente compensa apenas para motoristas do Estado de São Paulo.

 


Crise e ausência de dinheiro novo limitam efeito do pacote

Valor Econômico

O pacote de medidas anunciado pelo governo na segunda-feira deve ter efeito modesto sobre o nível de atividade. O incentivo fiscal do IPI para a redução dos preços dos automóveis terá duração de apenas três meses porque avalia-se que esse é o prazo para que haja um desfecho mais claro da crise na Europa. “Nós próximos 90 dias saberemos se a Grécia saiu ou não do euro, se houve uma corrida aos bancos e o que aconteceu com a Espanha”, disse uma graduada fonte oficial. Conforme o desenrolar desses acontecimentos é que o Palácio do Planalto decidirá sobre a dosagem da reação do governo à crise, sempre mirando o crescimento econômico.

A redução do IPI sobre veículos e a realocação de uma parte dos depósitos compulsórios para os bancos usarem como linhas de financiamento para a compra de automóveis foram medidas específicas, divulgadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo Banco Central “para dar uma resposta às demandas da Anfavea [Associação nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores]”, disse a fonte. As montadoras querem se desfazer de um estoque de 360 mil veículos para os quais não há demanda.

Com menor tributação, os preços dos automóveis podem cair 10% e isso dará uma ajuda, ainda que temporária, no controle da inflação. Com essa redução de preços a expectativa da área econômica é de haja um ganho de 0,3 ponto percentual para a inflação medida pelo IPCA. Mas esse é um ganho que se reverterá assim que as alíquotas do IPI voltarem ao normal, a partir de setembro.

Já a realocação gradativa de R$ 18 bilhões em depósitos compulsórios não representará aumento da liquidez na economia e pode não se traduzir em expressiva ampliação do crédito para a compra de automóveis. O BC, em uma medida pouco usual porque dirigida a apenas um setor, tirou uma parte do uso do compulsório destinado à compra de carteiras de bancos de pequeno e médio porte para encorpar os financiamentos para aquisição de veículos, mantendo a liquidez global neutra.

A grande dúvida é se os bancos que relaxaram seus critérios de análise de risco para expandir o crédito a automóveis e amargaram elevação da inadimplência vão, justamente no momento em que estão limpando seus balanços, voltar a emprestar mais.

Parte das ações macroprudenciais adotadas pelo BC para conter a expansão do crédito em dezembro 2010, porém, permanecem em vigor inclusive para limitar os financiamentos de veículos. É o caso do aumento da exigência de capital mínimo requerido dos bancos para fazer frente ao risco de calote em algumas modalidades de crédito. O aumento de 50% atingiu as operações de crédito direto ao consumidor (CDC) com prazo superior a dois anos e as de consignado de pelo menos três anos.

O capital requerido, antes de 11% do valor da operação, subiu para 16,5% para financiamentos de veículos com prazo superior a cinco anos. Nos financiamentos com prazo entre dois e cinco anos também houve elevação, dependendo do valor da entrada paga pelo comprador do automóvel.

Em novembro de 2011, quando a expansão do crédito já tinha perdido ritmo, algumas restrições foram afrouxadas, mas só para operações com prazo de até cinco anos. O capital mínimo exigido continuou em 16,5% para financiamentos mais longos de veículos e dobrou, chegando a 33%, no caso de operações de CDC e de consignado superiores a cinco anos.

Além da maior exigência de capital para o crédito ao consumo de prazo mais longo, o BC manteve as alíquotas mais elevadas de compulsório que passaram a vigorar em dezembro de 2010, quando o compulsório sobre depósitos a prazo subiu de 15% para 20% e o a adicional sobre depósitos à vista e a prazo passou de 8% para 12%.