Paraguai elege presidente acusado de narcotráfico e contrabando de cigarro
Com Cartes, um novato na política, os colorados retomam sua histórica hegemonia sobre o poder paraguaio, dez meses após a queda de Fernando Lugo. Segundo observadores internacionais, as eleições de ontem foram limpas. Será, portanto, sob governo colorado que Assunção retomará o status de membro pleno no Mercosul e na Unasul a partir do próximo semestre. Cartes toma posse em agosto.
“O povo paraguaio falou e nós respeitaremos”, disse Alegre, reconhecendo sua derrota. “Não desanimem.”
A uma rádio local, antes da divulgação dos resultados, Cartes afirmou que já esperava o triunfo sobre Alegre. Cartes afirmou que “a participação dos jovens desde as primárias do partido” foi decisiva.
Além do Palácio de López, o Partido Colorado teria conquistado ainda a maioria do Congresso. Cartes, de 56 anos, foi o favorito desde o início da campanha, mas viu sua vantagem diminuir nos últimos meses. O bom momento de Alegre, porém, não foi suficiente. Liberais ameaçaram à tarde não reconhecer o resultado da eleição após um comentário do vice-presidente do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TS-JE), Juan Manuel Morales. Seis horas antes do fechamento das urnas, o ministro disse que as primeiras informações indicavam ampla vantagem de “um dos candidatos”. Em seguida, completou: “E Efraín (Alegre) terá de reconhecer essa realidade”, insinuando que o rival de Cartes estava prestes a ser derrotado. Morales, número 2 da Justiça Eleitoral, foi candidato à prefeitura de Assunção, em 1992, pelo Partido Colorado e ministro da Justiça no governo – também colorado – de Juan Carlos Wasmosy (1993-1998).
Diego Abente Brun, chefe da campanha de Alegre, disse ao Estado que os comentários são “delitos flagrantes e absurdos” cometidos para influenciar os resultados das urnas.
Tranqüilidade. Houve denúncias de compra de votos em regiões afastadas da capital, mas, segundo observadores, os desvios “não saíram do esperado” para o Paraguai.
Oficialmente, o chefe da missão eleitoral da OEA, o ex-presidente da Costa Rica e Nobel da Paz, Oscar Árias, disse não ter recebido nenhuma denúncia. “Estou muito contente em ver a tranqüilidade das pessoas”, afirmou.
Apesar de as pesquisas de boca de urna serem proibidas no dia da eleição, diversas sondagens foram divulgadas, de hora em hora, pelos principais grupos de imprensa, trocando apenas os nomes dos candidatos por letras como “X” e “Y”.
“Há uma lei clara contra esses levantamentos, mas ela foi ignorada”, afirmou um dos coordenadores do grupo de observadores da União Européia. Ele se disse “chocado” com, a violação, mas negou que ela possa ter interferido decisivamente no resultado final, considerando a ampla margem que obteve Cartes sobre seu rival
Embora tenha sido enxotada, do poder em junho, a esquerda paraguaia aparentemente conseguiu ontem um resultado inédito no Congresso: tornar-se a terceira maior força política do país. O objetivo agora, segundo disse ao Estado Mario Ferrero – o terceiro colocado na disputa presidencial é unificar os grupos esquerdistas, os quais disputaram divididos a campanha.
No Paraguai, o Legislativo tem amplos poderes sobre o Executivo, incluindo a capacida -de abrir “julgamentos políticos” contra presidentes – como ocorreu com Lugo. Ao contrário do ex-bispo, cujo partido era nanico no Congresso, Cartes governará com maioria.
BNDES abandona política de apoio a ‘campeãs nacionais’
O Estado de S. Paulo
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) abandonou a controvertida política de criação de “campeãs nacionais”. A informação é do presidente da instituição, Luciano Coutinho, que não concorda com o uso desse termo. “A promoção da competitividade de grandes empresas de expressão internacional é uma agenda que foi concluída”, disse Coutinho, em entrevista exclusiva na sexta-feira, na sede do BNDES em São Paulo.
Ele afirma que a política tinha “méritos” e chegou “até onde podia ir”, porque o número de setores em que o País tem potencial para projetar empresas líderes é “limitado”. O economista citou os segmentos de petroquímica, celulose, frigoríficos, siderurgia, suco de laranja e cimento. “Não enxergo outros com o mesmo potencial”, frisou. Segundo ele, o BNDESPar, braço de investimentos do banco em empresas, está focado em setores inovadores, como tecnologia da informação, farmacêutico e bens de capital.
O incentivo às “campeãs nacionais” começou há seis anos, no governo Lula, quando Coutinho já ocupava o cargo de presidente do BNDES. Com empréstimos em condições generosas e compras de participação, o banco injetou cerca de R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS e Marfrig, na Lácteos Brasil (LBR), na Oi e na Fibria, conforme levantamento feito pelo Estado. Algumas dessas empresas estão em situação financeira delicada, como a LBR, que pediu recuperação judicial, e o Marfrig.
Ele afirmou que “poucas instituições são tão transparentes quanto o BNDES” e garantiu que divulga todas as operações, respeitando o sigilo bancário. Por isso, não comentou a exposição do banco às empresas de Eike Batista, que sofrem uma crise de confiança. Disse apenas que está “tranquilo”.
Medidas para incentivar investimento no setor químico devem sair logo
Valor Econômico
Preocupado com o elevado custo da produção e com a invasão dos produtos importados, o governo fecha os últimos detalhes para reduzir a incidência de PIS/Cofins sobre a matéria-prima da indústria petroquímica, assim como criar dois regimes especiais de tributação para estimular o aumento dos investimentos no setor.
Nos últimos dois anos, o déficit comercial dos produtos químicos registrou um crescimento de 49%, passando de US$ 11,8 bilhões para US$ 17,6 bilhões, segundo números do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). Somente no primeiro bimestre, o saldo negativo subiu 14,83% ante mesmo período do ano passado.
Na avaliação do governo, é preciso dar condições para que esse segmento amplie os investimentos e aumente a produção para atender ao mercado interno que tem optado pelo produto importado. No caso da diminuição da incidência de PIS/Cofins, ela deve contemplar, por exemplo, etanol, nafta, gás liquefeito petróleo (GLP), propano e hidrocarboneto leve de refinaria.
A diretora técnica de economia e estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna Ferreira, destacou que, nos primeiros dois meses do ano, continuou o enfraquecimento do setor com queda na produção das empresas brasileiras e das vendas internas. “Não adianta estimular o aumento do consumo, é preciso dar condições para que as empresas não fiquem refém dos importados”, disse Fátima. Segundo ela, se nada for feito pelo governo, o déficit comercial do setor deve bater um novo recorde neste ano.
O desenho do Regime Especial para a Indústria Química (Repequim) para desonerar de PIS/Cofins e, em alguns casos, de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a compra de bens de capital e serviços pelo setor está praticamente pronto, conforme fonte da área econômica. A percepção é de que essa iniciativa vai baratear os investimentos.
Foi com esse mesmo objetivo, que começou a vigorar neste ano, o Regime Especial de Incentivo ao Desenvolvimento da Infraestrutura da Indústria de Fertilizantes (Reif). A expectativa é de que alavanque investimentos de US$ 13 bilhões. Com o Reif, a indústria de fertilizante pode investir em nova planta fabril e ter suspensão de pagamento de PIS/Cofins, IPI e IPI vinculado à importação durante a execução da obra. Essa suspensão poderá ser transformada em isenção tributária. Sem o novo modelo, a empresa teria o crédito sobre imposto pago apenas no final de todo o processo.
Segundo a Abiquim, para atendimento de toda a demanda interna, o setor de produtos químicos precisa realizar investimentos de US$ 167 bilhões ao longo de 10 anos. Atualmente, esse investimento é de US$ 4 bilhões ao ano. Isso ajudaria a ampliar a capacidade instalada do setor, que está em 80%, um patamar considerado baixo. O percentual para atendimento da demanda do país é ter uma elevação da utilização da capacidade instalada para algo entre 92% e 95% (padrão da indústria química). Isso, segundo cálculos da entidade, permitiria reduzir as importações em US$ 5 bilhões. Mas tudo isso depende de investimentos.
Para a diretora da Abiquim, com a crise econômica mundial há um excedente de produtos químicos, que acaba invadindo o mercado brasileiro por ser mais barato que o similar nacional. “É preciso resolver gargalos para destravar a produção e conseguir ampliar os investimentos para que seja possível substituir o importado”, explicou Fátima.
Independente das promessas de governo, o segmento químico pleiteia ainda a criação de um regime específico para estimular investimentos em inovação. A empresa é desonerada, mas deverá se comprometer em realizar investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). Para a Abiquim, a iniciativa pode ajudar a aumentar os atuais níveis de investimentos em P&D dos atuais 0,6% da receita líquida para 1,5% em 10 anos. Mesmo assim, esse valor ainda seria menor do que a média internacional do setor químico que varia entre 2% e 2,5% da receita.
Outra reivindicação do setor é a redução do custo do gás natural no Brasil. O segmento químico sugere a realização de leilão específico para o uso do gás como matéria-prima no curto prazo. Para o longo prazo, na avaliação da Abiquim, é preciso criar projetos estruturantes com a realização de leilões aproveitando recursos de gás provenientes dos campos existentes como pré-sal.
Desaceleração da China já afeta embarque de commodities
Valor Econômico
A frustração do crescimento da economia chinesa já se reflete na exportação brasileira. No primeiro trimestre, o volume exportado em minério de ferro caiu 2,3% em relação aos mesmos meses de 2012. A queda chama a atenção, porque o volume de exportação do minério para a China perdeu ritmo no ano passado, mas não chegou a cair. Em 2012, a exportação do produto para os chineses subiu 3,3% em volume. No primeiro trimestre de 2012, o crescimento de quantidade era de 5%.
O volume embarcado de soja também caiu, mas nesse caso há uma explicação para a redução de 24,3%. No ano passado houve antecipação de embarques, fenômeno que não se repete este ano. A expectativa, portanto, é que o volume de soja exportada supere o de 2012. Os preços, porém, estão abaixo do esperado, o que também é reflexo de uma demanda aquém da expectativa. Isso pode limitar a contribuição do grão para a balança comercial com a China.
O petróleo, que ao lado da soja e do minério de ferro está entre os três itens mais importantes da pauta de exportação brasileira para a China, não promete melhorar o desempenho dos embarques ao país asiático. O volume de exportação de óleo bruto caiu 6,6% no primeiro trimestre, acompanhando a tendência de queda de volume na exportação brasileira do produto, em razão da falta de expansão da produção nacional, que tem se voltado cada vez mais para o abastecimento do mercado doméstico. Juntos, minério de ferro, petróleo e soja representaram no primeiro trimestre 79% do valor total exportado pelo Brasil à China.
Apesar da queda de quantidade embarcada, o valor exportado em minério de ferro para a China no primeiro trimestre cresceu 4,2%, devido a uma pequena recuperação de preço no período. O menor volume embarcado para o país asiático, porém, é um reflexo do excedente de aço no mundo e, com a menor demanda, o minério pode voltar a sofrer queda de preço, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior, é cedo para falar em queda de volume na exportação do minério. “A tendência é que não haja grande recuperação de preços.”
Durante o primeiro trimestre, segundo dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), o preço médio das exportações brasileiras no segmento de minerais metálicos cresceu 4,2% em relação aos mesmos meses de 2012, enquanto a quantidade exportada caiu 1,5%. Rodrigo Branco, economista da Funcex, diz que a estimativa inicial do órgão era de elevação de 20% do preço médio de exportação do minério de ferro este ano em relação à média de 2012. Atualmente, porém, a projeção é de alta menor, de 15%.
Ainda com perfil de produção fortemente voltado para o mercado externo, a China sente os efeitos da falta de recuperação dos países da União Europeia, diz Fabio Silveira, diretor de pesquisa da GO Associados. Esse fato, ligado à tendência altista de estoques no complexo que inclui minério de ferro, metalurgia e siderurgia, deve reduzir a demanda internacional pelo insumo. Silveira estima que a exportação brasileira de minério de ferro deve sofrer leve queda de volume, de cerca de 3% este ano, com preços estáveis em relação a 2012.
A soja também traz preocupação semelhante em relação a preço. Para Castro, os preços para o período estão aquém da expectativa. Ele lembra que os meses de abril e maio são os mais importantes para o embarque de soja. No ano passado, afirma, houve antecipação dos embarques e, além disso a produção brasileira se beneficiou com a alta de preços do grão no segundo semestre, por conta da seca que atingiu a safra americana.
Este ano, diz Silveira, há um receio de que o anúncio das boas safras de soja no hemisfério Norte contribuam para pressionar o preço do grão para baixo. A desaceleração da China, diz Silveira, ainda continuará tendo forte influência na exportação da soja brasileira. Apesar da produção recorde de soja em 2013, o economista avalia que o valor exportado do complexo soja – grão, farelo e óleo – não deve acompanhar o mesmo ritmo de crescimento.
A exportação do complexo soja, projeta Silveira, deve ficar em US$ 27 bilhões no ano, US$ 1 bilhão a mais que o embarcado em 2012. Apesar da expectativa de elevação da quantidade de grãos a serem embarcados, o economista prevê redução de 5% no preço médio da soja neste ano, na comparação com o ano passado.
Branco afirma que há, por enquanto, uma evolução positiva do preço da soja no primeiro trimestre, em relação ao ano passado. Os meses de abril e maio, segundo ele, irão definir melhor a tendência. “Não creio em queda grande de preços, a menos que aconteça algo imprevisto.”
O período de exportações puxadas pela alta de preços, seja para a China ou para os demais destinos,, porém, ficou para trás, diz Branco. Para ele, a exportação este ano será comandada principalmente pelo desempenho das quantidades embarcadas. Dados da Funcex revelam que, no primeiro trimestre, a queda de 7,7% no valor exportado foi resultado principalmente da redução de 6,6% no volume embarcado, enquanto os preços tiveram queda menor, de 0,9%.
Para FMI, Brasil tem baixo PIB potencial
Valor Econômico
O crescimento potencial do Brasil parece mais baixo do que se pensava, diz o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, referindo-se ao ritmo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) que não acelera a inflação. Para ele, se a economia brasileira estivesse muito abaixo do potencial, o país veria a inflação cair mais. “Com isso, a margem de manobra para usar políticas de estímulo à demanda é provavelmente limitada”, afirma Blanchard, lembrando que o FMI reduziu a previsão de crescimento para a economia brasileira em 2013 de 3,5% para 3%. Gargalos de infraestrutura e no mercado de trabalho foram apontados pelos economistas da instituição como restrições de oferta importantes que afetam o país.
O economista francês diz ainda que o desempenho mais fraco do Brasil no passado recente tem grande relação com o comportamento frustrante do investimento. “É provável que um número de distorções, assim como alguma incerteza sobre políticas, tenham um papel nisso”, disse Blanchard ao Valor, em meio à maratona de encontros e seminários da reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial, realizada na semana passada em Washington.
Blanchard diz ainda que países emergentes como o Brasil devem “ser livres” para suavizar movimentos de recursos externos mais voláteis, usando “instrumentos de administração de fluxos de capitais, medidas macroprudenciais e intervenção no mercado de câmbio”. Alguns desses capitais são desestabilizadores, afirma, observando, contudo, que parte do dinheiro que chega de fora vem por um bom motivo – aproveitar as perspectivas mais favoráveis dos mercados emergentes.
Para ele, aliás, o Brasil não abandonou o regime de câmbio flutuante. “Eu chamaria de flutuação administrada. O real flutua, mas com o uso de controle de capitais”, diz Blanchard, um dos principais responsáveis pela adoção de ideias mais flexíveis pelo FMI no pós-crise, como o apoio a controles de capitais em determinadas circunstâncias e a recomendação para que alguns países não exagerem na dose da austeridade fiscal.
Para Blanchard, a recuperação americana mostra sinais robustos, pelo lado do setor privado. O país vai crescer quase 2% mesmo com o ajuste fiscal equivalendo a uma contração de 1,8% do PIB. O economista elogia também a política monetária japonesa, e não a encara como uma medida voltada para produzir uma desvalorização competitiva do câmbio, mas sim para de fato tirar o país da deflação. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: A recuperação dos EUA é sustentável, num cenário em que o setor privado parece em boa forma, mas a incerteza sobre a política fiscal deve continuar elevada?
Olivier Blanchard: Eu estou confiante que a retomada vai continuar. Há muitos fatores que estão na direção certa. Primeiro, há a política monetária. O Fed foi agressivo e tomou muitas medidas para ajudar a economia. Os investidores esperam que as taxas de juros vão seguir baixas, o que é bom para a demanda. É bom que os juros básicos estejam baixos, mas as taxas que afetam a vida das pessoas é aquela de hipotecas e empréstimos. O sistema bancário nos EUA não está em situação perfeita, ainda há riscos, mas ele está melhorando em termos de indicadores de capital, de funding. O mecanismo de transmissão está funcionando de novo. Há juros baixos para quem quer tomar dinheiro emprestado. Há também o que os economistas chamam de demanda reprimida. Quando há uma recessão longa e poucos imóveis são construídos, o que nós vimos por algum tempo, então o estoque de imóveis cai. Em algum ponto não há imóveis suficientes, e a construção começa de novo. É a mesma coisa no mercado de automóveis. Se as pessoas não compram carros por um tempo, em algum momento elas têm que trocar um automóveis que não está funcionando bem. Nós vemos esse fenômeno no mercado imobiliário, nós vemos a mesma coisa em bens duráveis. Todos esses são sinais de uma economia que está se recuperando. Se você olhar para a queda no crescimento [ no Brasil], ela parece vir em grande parte do investimento”
Valor: Mas e a política fiscal?
Blanchard: A política fiscal está de fato desacelerando a recuperação. A consolidação fiscal nos EUA é muito forte neste ano. É de 1,8% do PIB. Pode estar tirando de 1,5 a 2 pontos do crescimento. Eu espero que os EUA adotem uma trajetória melhor de ajuste fiscal. A ironia é que o sequestro [corte automático de US$ 85,3 bilhões que entrou em vigor em março], de algum modo, melhorou o panorama. Ele levou os investidores a concluir que o pior que pode acontecer é que o sequestro continue, e então o déficit será menor. Não é o melhor modo de fazer o ajuste, que deveria ser feito mais lentamente e com mais inteligência. Minha avaliação é de que a consolidação fiscal vai desacelerar e a demanda privada vai continuar forte. Com isso, a recuperação é razoavelmente forte.
Valor: O sr. acredita que os EUA poderão se tornar um competidor dos mercados emergentes nos próximos anos, devido ao renascimento da manufatura, mais do que uma economia baseada no consumo?
Blanchard: A maneira de pensar nisso é em termos de cadeias de valor. Produtos manufaturados não serão inteiramente fabricados na China, no Brasil ou nos EUA. Algumas partes serão produzidas na China, outras no Brasil e outras nos EUA. Pelo menos por algum tempo, os Estados Unidos vão continuar a ter vantagem em tecnologia de ponta, então parte da produção de manufaturados vai ocorrer no país. Nós vemos isso em biologia, em tecnologias da informação. No fim, produtos manufaturados serão feitos em todos os lugares do mundo. Nos casos em que é muito importante o trabalho barato, ela será feita nos países em que há esse fator. Nos segmentos em que for importante o trabalho especializado, será feita nos países em que ele existe. Quando for necessário basicamente estar próximo da pesquisa e desenvolvimento, os manufaturados serão feitos em países mais avançados, como os EUA.
Valor: Os bancos centrais dos países desenvolvidos, especialmente o Federal Reserve [Fed, o banco central americano] e o Banco do Japão, têm adotado políticas monetárias extremamente expansionistas. Como elas afetam os mercados emergentes? Eles devem manter ou intensificar controles de capitais para lidar com esses fluxos?
Blanchard: Há vários motivos pelos quais os capitais estão indo para os mercados emergentes, e é importante fazer distinções entre elas. A principal não tem a ver com a política monetária. Ela tem a ver com o fato de que os países em desenvolvimento simplesmente parecerem bem. Em termos de fluxos de investimentos estrangeiros diretos, os mercados emergentes, com forte potencial de crescimento, são muito atraentes. Em termos de investimento em carteira, os mercados de ações desses países parecem boas apostas, ainda que arriscadas. Esses fatores refletem a força dos mercados emergentes. Essa parte dos fluxos de capitais é boa. Outra força por trás dos fluxos de capitais são os diferenciais de juros. Como as economias avançadas têm um desempenho fraco e os mercados emergentes estão indo melhor em termos de atividade cíclica, há juros mais baixos nos países desenvolvidos e mais elevados nos países em desenvolvimento. Isso faz do investimento nos títulos dos mercados emergentes algo atraente. Esse diferencial de juros deve continuar por muito tempo e vai levar a fluxos de capitais para os emergentes. Também não são ruins, mas são menos importantes do que os do primeiro tipo. A terceira força por trás dos fluxos de capitais são episódios de aumento e redução de risco. Os investidores gostam de riscos, depois não gostam, o que faz os fluxos de capitais entrarem e saírem. Esses são desestabilizadores e países que os recebem, como o Brasil, devem ser livres para tentar suavizá-los por meio de instrumentos de administração de fluxos de capitais, medidas macroprudenciais e intervenção no mercado de câmbio.
Valor: O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, diz que há uma solução de meio termo entre países desenvolvidos e emergentes sobre esse assunto. Os primeiros adotam políticas monetárias expansionistas e os segundos usam eventualmente medidas de controle de capitais e macroprudenciais para lidar com eles. O sr. concorda?
Blanchard: Eu não gosto do termo solução de meio termo [compromise, em inglês]. Eu prefiro a palavra acordo. Acho que há acordo amplo de que as economias avançadas precisam usar política monetária não convencional porque não sobrou nenhuma política monetária convencional para ajudar na recuperação. Eles precisam fazer tudo o que podem. Eles não podem usar a política fiscal, uma vez que precisam de consolidação fiscal. Ao mesmo tempo, os países avançados entendem que essas políticas monetárias vão produzir movimentos nos fluxos de capitais. Como eles são voláteis, o acordo é que os países que os recebem devem ser livres para suavizá-los e usar quaisquer ferramentas que tenham à disposição. Esse é o acordo implícito. Ele não é perfeito, mas não é ruim, e talvez seja o melhor que pode ser feito.
Valor: Daqui a alguns anos, os bancos centrais dos países desenvolvidos vão começar a elevar os juros. O FMI espera que, no caso do Fed, isso ocorra no começo de 2016, mas considera que possa ser antes, se o crescimento for mais forte. Como isso afetaria emergentes como o Brasil e como esses países devem se preparar para esse cenário?
Blanchard: Quando isso ocorrer, é provavelmente porque o crescimento voltou, e essa parte é uma boa notícia para os mercados emergentes. Isso significa que as exportações vão aumentar. É algo que vai ocorrer com juros mais altos e, com isso, vai levar uma reversão parcial dos fluxos de volta para onde os juros estão mais atraentes, que seriam os EUA. Alguns fluxos de capitais provavelmente vão mudar de sinal.
Valor: O Banco do Japão adotou uma política monetária muito agressiva. Ela pode dar início a um processo de desvalorização competitiva ou é uma resposta a um processo de desvalorização competitiva que já estava ocorrendo?
Blanchard: Nenhuma das duas coisas. O Japão é um caso especial. Ele está numa situação econômica difícil há muito tempo. Já tentou muitas coisas. Um dos problemas do Japão é a deflação. Não é uma grande deflação, mas é deflação. É necessário fazer alguma coisa para estimular a inflação. Acho que a desvalorização do câmbio, que é um dos efeitos da política monetária, não tem como objetivo aumentar a competitividade, mas aumentar os preços. Se ela for bem sucedida, veremos mais inflação. Com isso, no fim, a taxa real de câmbio (que considera a inflação) não vai se mover muito. E a política monetária não vai fazer a situação da dívida pior. É uma tentativa de fazer a economia andar, e um modo de reduzir a relação entre dívida e PIB é aumentando o PIB, e é isso o que eles estão tentando fazer. Nós desejamos sorte a eles.
Valor: O real oscila hoje num intervalo estreito, depois de uma desvalorização significativa no ano passado. O Brasil abandonou o regime de câmbio flutuante?
Blanchard: Eu não acho que o Brasil tenha abandonado o regime de câmbio flutuante. O real ainda é uma moeda que flutua. Manter a flexibilidade da taxa de câmbio é claramente importante para o Brasil. Eu chamaria de flutuação administrada. Ela flutua, mas com o uso de controle de capitais. Nesse sentido não é flutuação pura.
Valor: O Banco Central brasileiro reduziu agressivamente os juros, o câmbio teve uma desvalorização expressiva no ano passado, o governo fez uma série de desonerações tributárias, mas a economia teve crescimento fraco em 2012 e a recuperação não parece forte. Por que a economia não reagiu de modo mais vigoroso a todos esses estímulos?
Blanchard: Deixe-me fazer pontos. O primeiro é que o crescimento potencial talvez seja menor do que nós pensávamos antes. O outro é que, se você olhar para a queda no crescimento, ela parece vir em grande parte do investimento. É provável que um número de distorções, assim como alguma incerteza sobre políticas, tenham um papel aí.
Valor: O Brasil cresceu 0,9% no ano passado e a inflação ficou próxima de 6%. O Brasil está preso num equilíbrio ruim de baixo crescimento e inflação elevada?
Blanchard: Não acredito nisso. Para mim, isso sugere que o Brasil pode não estar longe do crescimento potencial. Se estivesse muito abaixo do PIB potencial, a inflação cairia. O fato de que não vemos a inflação cair muito sugere que talvez o crescimento potencial seja menor do que pensávamos. Nós revisamos a previsão de crescimento para 2013 de 3,5% para 3%. A margem de manobra para usar políticas de estímulo à demanda é provavelmente limitada.
Valor: Na quarta-feira, o Banco Central brasileiro elevou os juros em 0,25 ponto percentual. A inflação está acima do teto da meta, de 6,5%, mas a recuperação não é ainda forte. É uma boa ideia começar a elevar os juros num mundo com grande liquidez?
Blanchard: Eu não conheço os motivos exatos por trás da decisão, então vou fazer um comentário mais geral. Você não quer aumentar os juros no último minuto, numa grande magnitude. É perturbador e como leva tempo para o aumento dos juros afetar a atividade, pode ser tarde demais. Então você quer fazê-lo antes, e lentamente.