51 anos de Revolução Cubana: socialismo é humanidade
A cada novo ano de resistência socialista, o processo cubano nos enche de esperança revolucionária, com inquestionável exemplo de que os povos oprimidos do mundo podem escolher um caminho alternativo ao domínio imperialista e à exploração do capitalismo. Essa esperança torna-se ainda mais concreta se buscamos compreender a história deste processo, real e presente, que se forjou em um movimento de gerações revolucionárias. Façamos assim, um breve resgate histórico, que além de uma singela homenagem ao povo cubano é também um legado para o nosso próprio caminho revolucionário.
Recordemos que Cuba constituiu-se como colônia espanhola no século XVI e, desde então, sua economia foi baseada no trabalho do escravo negro e na produção açucareira. A partir de meados do século XIX acentuaram-se as contradições entre a metrópole e as elites crioulas locais, em virtude das crises econômicas mundiais de 1857 e 1866, da baixa nos preços do açúcar e da decadência do império espanhol. Tais contradições culminaram nas guerras de libertação nacional: a “Guerra dos 10 anos” (1868-1878), liderada por Carlos Manuel de Céspedes, e a Guerra de Independência (1895-1898), na qual surge o líder José Martí, um homem muito à frente de sua época, cujas idéias patriotas e humanistas, somadas a sua exemplar prática como revolucionário, o consagraram herói nacional de Cuba. Desde a guerra de independência Martí já alertava o perigo que vinha da América do Norte, em um chamado ao povo cubano pela sua real libertação.
Durante esse processo, o incipiente movimento das massas de trabalhadores, ainda com precárias formas de organização e politicamente pouco ativas, não pode fazer contraponto à força das classes senhoriais. Os chamados criollos não conduziram as lutas de libertação do domínio espanhol para uma revolução política contra ordem existente, temendo que o controle político militar do movimento se deslocasse para os grupos sociais identificados com a pressão popular por revolução democrática. Assim, as forças do movimento de libertação nacional foram canalizadas para uma “revolução dentro da ordem” que, assegurando a permanência das oligarquias, estabeleceu entre elas e os EUA um pacto que permitiu ir até o fundo a “modernização da colonização indireta”, através da incorporação financeira e comercial de Cuba aos EUA. Em 10 de dezembro de 1898, com a assinatura do Tratado de Paris entre EUA e Espanha, Cuba deixou de ser colônia espanhola para estar subordinada ao imperialismo ianque. Em 1o de janeiro de 1899 foi oficializada a ocupação militar estadunidense em Cuba. No ano de 1901, a Emenda Platt foi adicionada à Constituição cubana, permitindo a intervenção estadunidense em caso de segurança nacional. Foi através de tal emenda, que os EUA criaram a base militar de Guantanamo, existente até hoje, mesmo com a abolição da Emenda Platt em 1934. Dessa maneira a burguesia internacional fincou suas garras em Cuba, realizando em 1902 a expropriação de terras dos camponeses por empresas como American Tobacco Company, Cuban American Sugar e a United Fruit Company.
O despertar cubano, ainda que sob a frustração do sonho patriótico, serviu como experiência para as lutas que se travariam nas décadas seguintes, sendo agora o crescente imperialismo dos EUA o principal inimigo, assim como já deixava claro José Martí.
No inicio do século XX se organiza o movimento operário em Cuba, bem como o movimento estudantil, influenciados pelas conquistas da Revolução de Outubro, a Revolução Mexicana, e as reformas universitárias ocorridas em diversos países da América (como Argentina, Chile e Peru). São constantes greves obreiras e estudantis no país. Em 1904, Carlos Baliño (que fundou junto com Marti o Partido Revolucionário Cubano), fundou o Partido Socialista Obreiro, que se converteu em Partido Socialista de Cuba. Em 1923 foi fundada a Federação Estudantil Universitária, por Julio Antonio Mella, que em 1925, junto a Baliño, fundou o Partido Socialista Popular (equivalente ao primeiro Partido Comunista de Cuba). Em 1939 foi fundada a Confederação de Trabalhadores Cubanos.
A necessidade da luta antiimperialista volta com vigor no processo revolucionário iniciado em 1933, desencadeado pelos efeitos da crise do capital de 1929. A organização dos movimentos de massa, especialmente do movimento operário e estudantil, culminou com a derrocada do ditador Geraldo Machado e a instituição do chamado “Governo dos 100 dias” que foi duramente reprimido pelas forças Ianques. Tal movimento evidenciou o papel contra revolucionário da burguesia nacional e dos latifundiários, dependentes e associados aos interesses do Império.
No contexto pós II Guerra Mundial acirraram-se as contradições e a miséria no país, configurando marcadamente fortes condições objetivas para a retomada do processo revolucionário. Diante do crescimento do movimento de massas e da possibilidade de uma vitória eleitoral do partido ortodoxo (com ideais patrióticos e democráticos), em 1952 Fulgencio Batista aplicou um golpe de Estado, novamente com amplo apoio das forças militares do norte.
As massas populares se opuseram à ditadura e sua atividade cresceu na mesma proporção ao agravamento da situação do país. O movimento operário foi ilegalizado, sendo a luta contra a ditadura organizada dentro dos sindicatos clandestinos, com orientação do Partido Socialista Popular.
Nesse processo desempenhou um papel determinante a vanguarda revolucionária que dirigiria as atividades das massas no sentido de terminar as tarefas iniciadas nas lutas contra o colonialismo espanhol e nos combates da geração de 1930. Fidel e Raúl Castro, Melba Hernandez, Haydeé e Abel Santamaría, junto a outros 117 jovens mártires, organizaram os corajosos ataques ao Quartel Moncada e ao Quartel Carlos Manuel de Céspedes, inaugurando uma nova fase na luta revolucionária cubana, em que a guerra civil oculta passava a ser aberta e a luta armada a forma fundamental de enfrentamento ao regime.
O ataque ao quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, teria como objetivo obter armas, dar a conhecer o movimento revolucionário que surgia e incorporar as grandes massas populares. O fracasso militar do assalto levou os revolucionários sobreviventes à prisão e à organização do Movimento 26 de Julho (M-26-7). Na cadeia, os revolucionários trataram de preparar-se teoricamente, ao mesmo tempo em que conduziam a organização e fortalecimento do movimento através da campanha de anistia. É neste contexto que Fidel escreve sua magistral defesa que anunciava os princípios norteadores da revolução cubana: “A historia me absolverá”.
Após sua saída da prisão, em 1955 os revolucionários são perseguidos e ameaçados. Fidel se exila no México e desde aí busca nos exilados cubanos o financiamento para o preparo militar do M-26-7, que seguiu se articulando e crescendo na ilha, com grande inserção no meio estudantil e operário. No México, Fidel conhece Ernesto Guevara, que passa a ser conhecido como Che. Em 2 de dezembro de 1956, desembarcam 82 revolucionários em Cuba, depois de uma longa viagem desde o México a bordo do Iate Granma, entre eles Fidel, Raúl y Che. Esses, apoiados pelo forte movimento construído em solo cubano, iniciam o braço armado guerrilheiro na Sierra Maestra.
O M-26-7 unificou os combatentes do Diretório Revolucionário 13 de março, de José Antonio Echeverría, e o Partido Socialista Popular, de Blas Roca, em torno da estratégia revolucionária de libertação nacional, cuja luta antiimperialista constituiu um elemento central. O objetivo foi buscar, através da revolução nacional, a instauração da democracia, da soberania popular e um desenvolvimento independente. Palavras de ordem que de início serviam tanto ao proletariado como a setores da burguesia nacional, mas que forjaram as bases para um direcionamento socialista da revolução à medida que a organização das classes oprimidas ganhou espaço. Da unidade entre o M-26-7, o Diretório Revolucionário e o PSP surgiu o equivalente social e político do partido revolucionário, que abriu o caminho para a revolução das massas exploradas.
Com o triunfo da revolução em 1o de janeiro de 1959 os representantes das oligarquias e o imperialismo foram varridos do governo revolucionário recém instaurado. A radicalização do processo revolucionário cubano significou não apenas a criação do primeiro Estado socialista da América Latina, mas também a esperança e o exemplo dos povos oprimidos deste continente.
O dia 1o de janeiro foi apenas o inicio das vitórias contra o imperialismo e exploração do povo cubano. Neste mesmo ano, o governo revolucionário iniciou a nacionalização de empresas pertencentes ao grande capital internacional, entre estas 36 indústrias açucareiras, que dominavam 40% da produção de açúcar do país. Realizou-se também a primeira Reforma Agrária, que distribuiu 50% das terras cubanas a cerca de 600 mil famílias. Nacionalizaram-se a saúde e a educação. Em 22 de dezembro de 1961, graças ao trabalho de mais de 100 mil jovens, professores e trabalhadores, Cuba se tornou o primeiro país da América livre de analfabetismo. Nesse mesmo ano Fidel Castro profere seu inesquecível discurso declarando a Revolução Cubana de caráter socialista.
Do triunfo revolucionário aos dias atuais
A medida que avançavam as conquistas do heróico povo cubano, crescia também a contra-ofensiva do império. Ainda em 1961 a CIA financia e organiza o ataque de 1200 mercenários a Playa Girón, derrotados pelo povo combatente. Foi então que para organizar o povo cubano e defender suas conquistas foram criados os Comitês de Defesa da Revolução – CDR, possibilitando a construção do socialismo e da democracia popular em cada bairro. Depois desse, vieram muitos outros ataques, como a explosão de uma avião em 1976 que matou 73 pessoas, cujo autor, Juan Posadas Carrilles, segue livre sob proteção ianque.
Além dos ataques terroristas, em 1962 EUA expulsam Cuba da Organização dos Estados Americanos, OEA, e declara o bloqueio econômico à Ilha, buscando impedir que outros países comercializem ou desenvolvam qualquer tipo de relação com este país. Com o bloqueio genocida, Cuba estreita suas relações com a União Soviética, através de acordos comerciais, militares e de solidariedade. Também nesse período, em 1965, concluiu-se o processo de unificação dos grupos revolucionários em um único partido. Dessa forma se constituiu o Partido Comunista de Cuba, de caráter marxista-leninista, com Fidel Castro como Secretário Geral.
Os feitos da revolução cubana seguiram impressionando nos anos seguintes. Em poucos anos Cuba desenvolve-se como potência científica em diversas áreas, como a medicina e a farmacologia. Torna-se o país com maior expectativa de vida e menor mortalidade infantil das Américas, números comparáveis aos mais desenvolvidos países europeus. Desenvolve-se no âmbito dos esportes e cultural, sendo, por exemplo, o país de todo mundo com o maior percentual de escritores per capita, mostra do nível intelectual alcançado pelo povo durante o socialismo. Nas artes plásticas, na dança, na música, no cinema e no teatro a revolução deixou também sua marca: um povo culto é um povo livre, parafraseando José Martí.
O socialismo cubano também não acabou em si mesmo. Os cubanos deixaram marcas de emancipação em diversos países. Na África, para exemplificar, contribuíram com os esforços para a libertação nacional de várias nações, como Angola, Etiópia, Congo e Moçambique, sendo sua participação fundamental para o fim do regime Apartheid na África do Sul.
Na década de 80, os acordos com o campo socialista passaram a responder por 85% do intercâmbio de mercadorias realizado por Cuba. Na década de 90, com a desintegração da URSS e do socialismo no leste europeu, teve inicio uma das épocas mais difíceis da história do aguerrido povo cubano: o período especial.
No primeiro ano após a dissolução do campo socialista do leste europeu e da União Soviética, o produto interno bruto decaiu 33%. A questão energética foi uma das mais prejudicadas, colapsando o transporte. Um exemplo do caos gerado foram as muitas safras de alimentos que apodreceram no campo, já que sem combustível para o transporte não podiam ser deslocadas às cidades. Faltavam alimentos, remédios e outros produtos essenciais. Nesse contexto, o cruel bloqueio imperialista tornou-se ainda mais perverso.
Mesmo com tamanhas dificuldades, em pleno período especial, o povo cubano ratifica sua vontade de seguir construindo o socialismo em plebiscito nacional, com mais de 90% dos votos e uma participação de quase 100% da população. Talvez, por tão heróica resistência e convicção do rumo escolhido, que Fidel considera o Período Especial “o mais glorioso dos 50 anos da Revolução Cubana”. Nessa etapa as idéias criativas para superar as dificuldades foram muitas, como o desenvolvimento de um efetivo programa de agricultura urbana, referência mundial, que hoje emprega cerca de 400 mil cubanos e produz alimentos para milhões.
Em contraponto, o período especial gerou também uma série de novas contradições cujas soluções tornaram-se, atualmente, os principais desafios para o avanço do socialismo em Cuba. Para reverter o processo de carência e dependência econômica criaram-se diversas empresas mistas (parcerias entre o Estado – sócio majoritário – e empresas capitalistas), com a finalidade de aumentar e diversificar a produção agrícola e industrial. Para incrementar a arrecadação do Estado, Cuba foi obrigada a abrir-se ao predatório turismo internacional.
Com tais medidas, Cuba pôde evitar a ofensiva da contra-revolução capitalista e manter as mais importantes conquistas da revolução. No entanto, este longo período de dificuldades materiais foi bastante marcante na determinação da consciência social. Um grande contingente de cubanos deixou o país durante os anos do período especial, e problemas como a prostituição, o mercado negro e a corrupção, tornaram-se presentes. As desigualdades internas foram intensificadas, especialmente quanto à valoração do trabalho: um trabalhador do turismo, um taxista particular, alguém que recebe dinheiro de um familiar no exterior ou que aluga um quarto para estrangeiros têm maiores possibilidades de consumo que um exemplar operário, um médico ou um reconhecido professor universitário.
Essas contradições têm sido os maiores desafios do Estado cubano, do Partido Comunista e das organizações de massa do povo. A fim de avançar na superação delas, o governo revolucionário tem proposto à população uma série de reformas – cabe ressaltar que elas têm um caráter absolutamente distinto das contra-reformas que vem sendo aplicadas no Brasil. Uma delas trata da legislação trabalhista e objetiva aumentar a produtividade industrial e a agilidade dos serviços, por meio de incentivos materiais aos trabalhadores mais dedicados e comprometidos com a revolução. Tal medida vem no sentido de reafirmar o principio socialista de “receber de acordo com seu próprio trabalho e esforço”, rumando assim no sentido de diminuir a burocratização dos serviços e a corrupção, que estagnam a produção. Outra importante medida adotada recentemente é a distribuição das terras ociosas do Estado aos pequenos agricultores e a garantia de condições para produzir, com o objetivo de aproximar Cuba da soberania alimentar.
Mesmo com tantas dificuldades, Cuba segue sendo vanguarda no que se refere à solidariedade internacional. Atualmente estudam em Cuba cerca de 50 mil estrangeiros, dos mais diversos cursos universitárias, sendo a maioria medicina. Além disso, são bastante conhecidas as missões cubanas de solidariedade na área de saúde e educação, hoje presentes em mais de 70 países, em especial nos que estão em guerra ou que sofrem de catástrofes naturais. Somente na Venezuela são mais de 35 mil cubanos, entre médicos, profissionais da saúde e educadores. Outro relevante exemplo do internacionalismo do socialismo cubano é o projeto Escola Latino Americana de Medicina – ELAM, idealizado pelo Comandante Fidel Castro em um momento em que toda a América Central havia sido assolada por três furacões. Este ano o projeto comemorou 10 anos de existência, com uma grande quantidade de médicos atuando em toda a América Latina, incluindo, por exemplo, a fundação de hospitais populares. Atualmente, cerca de mil brasileiros estudam em Cuba.
Ainda assim os ataques imperialistas não cessam. O assassino bloqueio segue vigente, mesmo com as sucessivas votações contrárias nas assembléias da ONU, em que apenas 3 nações do mundo se mantêm favoráveis a sua continuidade. Os prejuízos para Cuba são incalculáveis: em apenas 8 horas de bloqueio o governo cubano poderia reparar cerca de 40 creches ou em 1 dia comprar 139 ônibus de transporte urbano. O caso dos cinco heróis cubanos é outro exemplo da desumanidade que impõe o monstro do norte – como definia Simon Bolívar – presos por lutar contra o terrorismo dos EUA.
Muitos insistem em deturpar o caminho escolhido pelo povo cubano, mas os fatos não escondem a verdade: em 51 anos o socialismo humanizou a sociedade cubana. Cuba é o único país das Américas em que a violência, tão crescente no Brasil, é insignificante. Havana, uma capital com quase 3 milhões de habitantes, é tão tranqüila quanto uma pacata cidade do interior, em que assassinatos e seqüestros ficam restritos aos romances policiais. Cuba é um país que trabalha cotidianamente para superar a desigualdade de direitos entre os gêneros, para superar o racismo, a discriminação e tantas formas de opressão, tão enraizadas em nossas sociedades. Outros não cansam de afirmar que a Revolução Cubana é coisa do passado e que o socialismo morreu junto com a URSS. Para esses respondemos que não somente é presente o socialismo em Cuba, mas que vem fortalecendo seus princípios e ideais à medida que avançam os processos revolucionários na América Latina. Em contrapartida, processos como o venezuelano e o boliviano, sem a Revolução Cubana provavelmente não existiriam e o caminho da barbárie a que conduz o capitalismo aparentaria ser a única via para a humanidade. Cuba e o socialismo nos permitem seguir sonhando com a utopia de um mundo humano, no mesmo sentido em que dedicaram suas vidas tantos mártires nesses 51 anos de revolução. Por eles e pelas gerações futuras o povo cubano jamais abandonará as trincheiras conquistadas.
*Base do PCB em Cuba.
La Habana, 31 de dezembro de 2009.