Feira da Reforma Agrária afirma produção agrícola do Rio de Janeiro
Quem mora ou trabalha no centro do Rio pode conhecer a diversidade da produção dos assentamentos do Rio de Janeiro. Foto: Fábio Caffé/Imagens do Povo.
Do Norte Fluminense, veio o coco e o abacaxi. Da Baixada, principalmente o aipim. A região Sul Fluminense, além das hortaliças, trouxe os fitoterápicos e cosméticos a base de ervas medicinais. Até o mais novo assentamento do estado, em Macaé, contribuiu com tomates e abóboras sem agrotóxicos. E foi assim que se construiu a quinta edição da Feira Estadual da Reforma Agrária Cícero Guedes. Camponeses e camponesas vieram de todo estado e puderam mostrar para os cariocas que, sim, a Reforma Agrária pode dar certo, e sim, o estado do Rio de Janeiro produz alimentos saudáveis.
Cícero Guedes, liderança assassinada em 2013, reforçou em sua última entrevista que era necessário realizar mais de uma feira por ano para aumentar o diálogo com a sociedade. E assim foi feito. Além da já tradicional edição de dezembro, que lembra o Dia Internacional dos Direitos Humanos, o MST promoveu a Feira Estadual da Reforma Agrária, no centro do Rio de Janeiro, nos dias 24 e 25 de julho, lembrando o dia do trabalhador e trabalhadora rural.
Elisângela Carvalho, da direção nacional do MST, explica a importância da feira para o movimento: “Estamos aqui fazendo o diálogo com a sociedade para pautar a reforma agrária, que está completamente parada. A feira é um instrumento fundamental para esse diálogo, pois aqui conseguimos trazer uma diversidade grande de produção vinda das quatro regiões em que trabalhamos. A gente faz da feira um espaço político de luta, e um espaço também para mostrarmos a cultura popular. A sociedade está entendendo a importância de fortalecer a agricultura camponesa, e a produção cooperativada de alimentos saudáveis e diversificados.”
Fitoterápicos do Setor de Saúde fizeram sucesso. Foto: Fábio Caffé/Imagens do Povo.
Mais de 10 toneladas de alimentos foram trazidas pelos cerca de 60 agricultores e agricultoras ligados ao MST, em uma tenda de 200 metros quadrados montada no Largo da Carioca. Participaram também da feira camponeses e camponesas ligados ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e à Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ). O grande fluxo de pessoas no local, cerca de 15 mil visitantes, possibilitou o diálogo direto com moradores de todos os lugares da cidade, que trabalham no Centro. Desta forma, foi possível quebrar o bloqueio da mídia empresarial, que mais uma vez ignorou a existência da feira. A cobertura jornalística ficou por conta da Empresa Brasileira da Comunicação (EBC), e da mídia alternativa. Veja o vídeo da feira, produzido pela Asfunrio/TV Maré.
Garis, que fizeram uma greve histórica no carnaval de 2014, aproveitam as atrações culturais da feira. Foto: Fábio Caffé/Imagens do Povo.
Reforma Agrária Popular – Cooperativas e Agroindústrias nos assentamentos
O VI Congresso do MST consolidou a proposta da Reforma Agrária Popular. Na avaliação do movimento, a reforma agrária clássica de distribuição de terras, realizada em diversos países capitalistas, não irá acontecer no Brasil, pois não há interesse da burguesia. Por isso, a Reforma Agrária Popular pretende unir trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade na construção de um projeto de desenvolvimento que torne o campo um lugar viável de se viver, através da produção agroecológica e da construção de agroindústrias e cooperativas que agreguem valor aos produtos e rompam o ciclo de exploração da cadeia de alimentos.
No Rio de Janeiro, duas cooperativas organizam a produção do MST: a Coopscamp, na região Norte, e a Coopaterra, na região Sul e Baixada Fluminense. Francisco Fortunato, secretário da Coopscamp, explica que neste momento o principal objetivo da cooperativa é organizar a venda dos produtos dos assentados para programas de compras públicas, como o PAA e o PNAE. “Nosso forte aqui é o abacaxi, o leite, abóbora e a farinha. Mas usamos a estrutura para fortalecer também as outras culturas.” Outro objetivo da Coopscamp é o beneficiamento de produtos para reduzir as perdas. “Os abacaxis que sobrarem aqui da feira vamos levar de volta, e muitos vão ser perdidos. Se já trouxéssemos a polpa, daria pra guardar por mais tempo.”
Chiquinho, como é conhecido, explica ainda que o benefício da cooperativa é mais do que puramente financeiro. “A cooperativa compra o côco dos assentados a cerca de 80 centavos, o mesmo que os atravessadores. A diferença é que eles muitas vezes dão calote. Além disso, o excedente da venda fica no assentamento, pois é investido na manutenção da cooperativa. A cooperativa é a família dos assentados.”
Chiquinho, secretário da Coopscamp: “A cooperativa é a família dos assentados”. Foto: Fábio Caffé/Imagens do Povo.
Hoje, existe uma agroindústria em funcionamento, nos assentamentos Che Guevara e Ilha Grande, em Campos, que produz açúcar mascavo e rapadura. Além dela, dois projetos estão em andamento: no assentamento Terra Prometida, para beneficiamento do aipim, e em Campos, para gerar subprodutos da cana.
A Coopagé (Mage) e a Univerde (Nova Iguaçu), outras cooperativas agroecológicas do estado, também estiveram na feira.
Açúcar mascavo e rapadura, produzidos na agroinústria de Campos dos Goytacazes. Foto: Fábio Caffé/Imagens do Povo.
Agri-cultura: música, mística e trocas sementes animam a feira
Além da venda de produtos, a feira contou com diversas atrações culturais que atraíram a atenção de quem passava pelo local. De acordo com Marcelo Durão, da coordenação do MST, “a palavra agricultura traz em si o significado social e cultural da produção agrícola.” O primeiro dia contou com o forró pé-de-serra do trio formado por Geraldo Junior, André Oliveira e Rômulo Alves. Quem saia para o almoço no centro pode dançar os xotes de Luiz gonzaga e Dominguinhos enquanto visitava a feira. À tarde, o som da viola caipira levou o Largo da Carioca para o interior do Brasil, com o grupo recém-formado Bailão da Mula Preta. O dia se encerrou com uma mística em defesa da reforma agrária e em solidariedade à Palestina. Integrantes do Comitê em defesa da Palestina ressaltaram a necessidade do internacionalismo num momento de massacre do povo palestina pelo estado de Israel.
A animação só aumentou no segundo dia. Assentados da Baixada Fluminense, Cosme Gomes e Elisângela Carvalho cantaram as músicas de luta pela terra, como Terra, de Pedro Munhoz, e Caminhos Alternativos, de Zé Pinto. O almoço foi embalado ao som do hip-hop militante d’Us Neguin Qñ C Kala. À tarde, mais cultura: uma grande troca de sementes e mudas mobilizou os feirantes, que puderam levar para seus assentamentos uma diversidade espécies.
Segundo Uschi Silva, integrante da AARJ, e uma das organizadoras da troca, “as sementes crioulas são a favor da vida e da biodiversidade, ao contrário das sementes transgênicas e das biofortificadas, que tiram a autonomia do agricultor e causam grande impacto ecológico e social.”
Troca de sementes e mudas. Foto: Fábio Caffé/Imagens do Povo.
Ao final da troca, a mística dando a benção à mãe terra foi celebrada pelo Padre Geraldo Lima, da CPT, e o pelo pastor Henrique, da igreja Batista. A feira foi encerrada com uma apresentação da APAFUNK, movimento que reúne profissionais do Funk e busca resgatar a veia política do ritmo. MC Calazans lembrou do dia em que conheceu Cícero Guedes, no encontro dos Sem Terrinha. “Nunca vou esquecer aquele vozeirão gritando Rebeldia Necessária, pra fazer Reforma Agrária!”
A próxima edição da feira acontece em torno do dia 10 de dezembro. Para o fim do ano, estão previstos 600m2 de feira, com 50 toneladas alimentos, incluindo produção agroindustrializada de outros estados, como arroz, feijão, doce de leite e achocolatado.
Geraldo Júnior, umas das atrações culturais da feira, prometeu estar presente na próxima edição. Foto: Fábio Caffé/Imagens do Povo.
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