Pela preservação do Patrimônio Popular: a luta pelo Passo dos Negros em Pelotas-RS

imagemYuri Yung*

No dia 04 de maio de 2017 foi realizada uma audiência pública na plenária da câmara dos vereadores de Pelotas, sobre o projeto de construção de um terceiro condomínio de luxo na área da chácara da Brigada. Este condomínio, no entanto, será construído sob o custo de tirar os moradores do local e destruir um patrimônio histórico da cidade de Pelotas: a Ponte do Passo dos Negros, construída em 1854. Este projeto conta com o apoio e aval da prefeitura de Pelotas, que tem a visão de urbanização e desenvolvimento longe de considerar as comunidades e população local, ou o patrimônio histórico e cultural da cidade, e mais próxima da elite e dos empresários do setor imobiliário.

A audiência contou com a presença de moradores da região, pessoas de vulnerabilidade social em sua maioria, sem acesso a água e luz, que vivem no local sem ter condições de ir para outro ambiente, e moradores que vivem ali, cujas histórias de vida estão enraizadas já por tanto tempo, que não desejam mudar de residência. Também contou com a presença participação de militantes do movimento Afro, professores e alunos dos cursos de antropologia e arqueologia, entre outros lutadores dos movimentos sociais, que reconhecem a importância social, política, histórica e cultural deste espaço. Também se fizeram presentes na audiência, sacerdotes das religiões de matriz africana que consideram o local sagrado para o seu culto, devido a importância histórica e religiosa desempenhada pelo Passo dos Negros e pelas árvores de figueira, que ali constituem um elemento paisagístico sagrado para estas comunidades, representando as árvores Baobás da África.

A história da ponte do Passo dos Negros é um marco da história de opressão e exploração na cidade, realizadas à custa do sangue e suor dos povos negros escravizados, mas é também um símbolo de resistência destas populações, que ajudaram a construir Pelotas no processo de produção do charque que enriquecia as elites. Estas mesmas populações costumam ser esquecidas quando se trata de preservar o seu patrimônio, e suas histórias são deixadas em segundo plano na historiografia oficial. Ao contrário dos descendentes de seus exploradores, que herdaram propriedades e riquezas obtidas pelas exploração de escravos nas charqueadas, os negros formam uma minoria em termos econômicos, posto que seus antepassados não puderam deixar aos seus descendentes nada além da liberdade nominal, e esta liberdade se tornou na escolha entre trabalhar sob precárias condições, análogas à escravidão, ou morrer de fome. Como se este passado histórico já não fosse mais do que hediondo, agora também se pretende falsear a história e negar a participação dos negros no patrimônio desta cidade. Este patrimônio merece ser preservado para as futuras gerações, para nos lembrar que só a resistência e luta contra a opressão pode transformar nossa realidade e que, por outro lado, enquanto houver senhores e servos haverá desigualdades sociais e exploração.

A destruição dessa ponte tem um fundo econômico, mas também um fundo simbólico e ideológico: trata-se de apagar a história de um passado podre e comprometedor da elite pelotense, e que seria capaz de por si só justificar as políticas afirmativas como algo ainda muito superficial. A história que se pretende contar sobre Pelotas, e que tem sido contada predominantemente até aqui, é a história de um conto de fadas: com barões, baronesas e princesas, bem longe da realidade que à luz da verdade revela um dos processos de escravidão mais extremos do país. A preservação deste espaço vai em contramão dos interesses da elite dominante, portanto, a luta pela preservação do Passo dos Negros é uma luta contra-hegemônica. No entanto, apesar do esforço que estas comunidades têm levantado para a preservação do lugar, e na exigência pelo respeito aos moradores que ali habitam, os secretários de cultura e de mobilidade da cidade, bem como a Prefeita de Pelotas, não compareceram a audiência pública. Isso demonstra que o poder institucionalizado daqueles que deveriam representar o povo de Pelotas, estão mais interessados em seguir a cartilha de dominação e opressão das elites, destruindo espaços que formam o patrimônio popular e preservando o patrimônio das classes dominantes. Para eles as palavras: “todo o poder emana do Povo”, que figuram na Plenária da Câmara, não passam de palavras vazias de conteúdo, ou de mera fraseologia para enganar a população.

Nós do Partido Comunista Brasileiro através de nossa célula em Pelotas, e os coletivos União da Juventude Comunista e Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, através da nossa linha de luta e resistência popular, anti-imperialista, internacionalista e classista, nos colocamos ao lado do povo trabalhador, e cerramos nossas fileiras ao lado dos Negros, Indígenas, Camponeses e das populações exploradas e excluídas desta cidade, que ajudaram a construir nossa história e que, em verdade, constroem ela nos dias de hoje, pois a classe parasita que nos explora nada faz além de tentar mover a roda da história para trás, é o nosso dever lutar para que ela ande para frente. Na luta pelos direitos à cultura, moradia, educação, saúde, lazer e a vida, no processo de construção do Poder Popular, conclamamos: Todo Poder ao Povo!

Ilustração: acervo do GEEUR

*É militante do PCB e da UJC, estudante de antropologia-arqueologia.