Como os acidentes nas empresas ilustram algumas leis do capitalismo

imagemJ. R. P. Guimarães

O empobrecimento geral das condições de vida e trabalho da grande massa do povo brasileiro a partir da crise econômica iniciada no ano de 2014 atingiu em cheio a classe operária fabril. No biênio 2016-2017, marcado pelo Golpe de Estado reacionário e pelas leis coloniais, anti-povo e anti-operárias, houve uma verdadeira onda de acidentes de trabalho nas fábricas e empresas e, a despeito da crise e da consequente redução da produção nestas, o nível de exploração da classe operária aumentou, os grandes capitalistas compeliram os operários a trabalhar sob ritmos mais intensos mesmo num contexto de recessão econômica.

O que explicaria esse aumento nos acidentes de trabalho? É possível atribuir tal aumento puramente à ganância e à maldade dos capitalistas? Talvez, em partes. Se atribuímos as más condições de trabalho vividas pelo proletariado brasileiro nas empresas à maldade dos capitalistas, porém, devemos levar em conta um complemento: é a forma de apropriação básica do capitalismo, baseada na propriedade privada capitalista sobre os meios de produção (que engendra as duas classes antagônicas básicas deste tipo de sociedade, capitalistas e operários), a responsável por condicionar a existência desta mesma “ganância” por parte dos capitalistas, e não o contrário. Sendo assim, se vamos explicar as causas objetivas que engendram a insalubridade dos locais de trabalho aos quais os operários brasileiros são submetidos, é necessário compreender algumas leis do capitalismo que dizem respeito a tal questão.

Capital fixo, capital circulante, intensificação dos ritmos de trabalho e insalubridade: questões teóricas

Quando um capitalista investe seu capital numa empresa, seja numa indústria, num comércio, roça, ou qualquer ramo que seja, o faz com o intuito de enriquecer, de fazer seu dinheiro se tornar mais dinheiro. No âmbito de sua empresa, os operários produzirão determinada mercadoria que o capitalista venderá para um comprador e, ao vendê-la, receberá de volta o capital que investira acrescido de um determinado excedente, a mais-valia. A lei fundamental do modo capitalista de produção, que engendra seu desenvolvimento, é exatamente a produção deste excedente, a mais-valia. Cada capitalista almeja, porém, não apenas a produção da mais-valia, mas principalmente que a parcela da mais-valia seja cada vez maior, que consiga obter um volume cada vez maior de mais-valia realizando os menores investimentos possíveis.

O capital que cada capitalista aplica em sua empresa, porém, não cumpre uma função homogênea no processo da produção. O capitalista empregará uma parte de seu capital para a compra dos meios de produção necessários para viabilizá-la (isto é, máquinas, combustíveis, matérias-primas, instalações, terrenos, depósitos, etc.), e a outra parte para o pagamento dos operários empregados na empresa. A parte do capital empregada na compra de meios de produção é chamada constante, e aquela empregada no pagamento dos operários assalariados é a parte variável do mesmo. A divisão do capital em capital constante e capital variável enfatiza, sobretudo, a divisão do capital no que diz respeito à exploração dos trabalhadores assalariados. Enfatiza que a parte variável do capital é a responsável pela produção da mais-valia, que são os braços e cérebros da classe operária que produzem as mercadorias nas empresas dos capitalistas.

Para entendermos como isso se relaciona com a questão dos acidentes de trabalho e o aumento dos mesmos, é necessário compreender a divisão do capital no que diz respeito não à exploração dos trabalhadores assalariados, mas à rotação do capital, isto é, com qual velocidade cada parcela do capital retorna para as mãos do capitalista a partir do momento que é investido na produção.

Quanto ao caráter da rotação, o capital se divide em duas partes, capital fixo e capital circulante.

Chamamos capital fixo àquela parte do capital que retorna ao capitalista não imediatamente após o mesmo vender sua mercadoria, mas de forma parcelada. Suponhamos que um capitalista investiu na compra de uma máquina o valor de 1 milhão de reais, e que essa máquina funcione, digamos, por 10 anos. Nesse caso, esta máquina transfere para a mercadoria, anualmente, o valor de 100 mil reais. Caso a máquina funcionasse pelo período de 5 anos, transferiria para a mercadoria, anualmente, o valor de 200 mil reais. Forneçamos outro exemplo: se um capitalista, para construir sua empresa, adquire um terreno no valor de 1 milhão de reais, gasta outros 19 milhões de reais para construir a totalidade da empresa, e a empresa funciona no local por, digamos, 40 anos, esta parte do capital relacionada ao terreno e às instalações incorpora nas mercadorias produzidas na empresa, anualmente, 500 mil reais, e assim por diante. Logo, o capital fixo se refere àquela do capital utilizada pelo capitalista para o investimento no maquinário, instalações fabris, edifício, terreno, manutenções, etc.

Chamamos capital capital circulante àquela parte do capital que retorna ao capitalista imediatamente após a venda da mercadoria, pois incorpora a totalidade do seu valor ao preço final da mercadoria. Entram na parte circulante do capital os gastos com os salários dos operários, com a compra de combustíveis, matérias-primas, materiais auxiliares, e todos os outros elementos que não entram no capital fixo.

Tais constatações e definições nos permitem refletir sobre a relação que há entre as leis do capitalismo e o aumento dos acidentes e da insalubridade dos locais de trabalho.

Podemos observar que o capital fixo, por regra, é um investimento que retorna para os capitalistas somente após muitos anos. Demos o exemplo de um capitalista que compra uma máquina por 1 milhão de reais e, dado que a mesma funcionará por 10 anos, transferirá anualmente para a mercadoria um valor de 100 mil reais. Porém, caso ela funcione por 5 anos, transferirá para a mercadoria, anualmente, um valor de 200 mil reais. Se funcionar por, digamos, 2 anos, incorporará na mercadoria 500 mil reais anuais. Este é um dos motivos que condiciona que os capitalistas se interessem em reduzir ao máximo os limites físicos do uso da máquina, para que os investimentos de capital fixo, que por regra somente retornam para o bolso dos mesmos após muitos anos, retornem de forma mais rápida. Essa necessidade de um retorno rápido dos investimentos do capital fixo compele os capitalistas a obrigarem os operários a trabalhar sob ritmos cada vez mais intensos (de modo a reduzir o tempo útil das máquinas), o que por sua vez faz com que as normas de segurança no trabalho sejam negligenciadas, elevando a quantidade de acidentes de trabalho diante das pressões que sofrem os operários para trabalharem mais rápido, e por aí vai. [1]

As máquinas, porém, não estão sujeitas a um desgaste puramente físico, mas também a um desgaste moral. Suponhamos que uma determinada máquina funcione numa empresa por 10 anos, mas que nas empresas capitalistas concorrentes, neste meio tempo, outras máquinas mais produtivas e baratas sejam empregadas nos processos produtivos. Para não se arruinar diante das outras empresas capitalistas na concorrência anárquica pela conquista dos mercados, este capitalista usado como exemplo terá de adquirir máquinas tão produtivas e baratas, ou ainda mais produtivas e baratas. Isso significa que as máquinas anteriores que o capitalista empregava em sua empresa, ainda que sigam fisicamente disponíveis para o uso, sofreram um desgaste moral, estão obsoletas para serem ainda usadas na empresa. Mas dado que as máquinas obsoletas ainda estavam disponíveis para o uso durante muitos anos e terão que ser substituídas por máquinas mais baratas e produtivas, isso significa que aquelas ainda não transferiram a totalidade de seu valor para as mercadorias e mesmo assim cairão em desuso. O capitalista não obterá o retorno do valor investido na máquina mais antiga, terá aplicado seu capital em vão. Sendo assim, um outro fator que também condiciona os capitalistas a obrigarem seus operários a trabalharem sob ritmos mais intensos é o temor daqueles diante de uma possível depreciação moral do nível técnico presente da empresa. É objetivo do capitalista, então, reduzir os limites físicos das máquinas para que, diante da depreciação moral do nível técnico presente, aquele consiga retornar para si o máximo possível de capital fixo que empregou ao ter que substituir as máquinas atuais por maquinários mais modernos. A consequência da necessidade dos capitalistas de intensificarem os ritmos de trabalho nas empresas devido a este fator não é senão o aumento ainda maior dos acidentes de trabalho, à negligência com as normas de segurança não apenas por parte dos capitalistas como também por parte dos operários, que necessitam cumprir as metas de produção para que mantenham seus empregos e o sustento de suas famílias.

A parcela do capital fixo é composta, como dissemos, não apenas pelas máquinas, mas também pelos edifícios, edificações produtivas, instalações fabris, terrenos, depósitos, etc. Como regra, a parcela do capital fixo ligada ao investimento em tais edificações retorna muito mais lentamente para os capitalistas até mesmo em comparação com a parcela do capital fixo empregada na compra de máquinas. Enquanto as máquinas costumam funcionar por períodos de 5, 6, 7 ou 10 anos, as fábricas e empresas permanecem funcionando no mesmo terreno, em geral, por algumas décadas. Por esse motivo, há uma tendência imperiosa dos capitalistas de comprimir em muito, o máximo que possam, os investimentos nas instalações e edifícios, forçando os operários a trabalhem em locais insalubres, sem ventilação e iluminação. Nos ramos fabris ligados a atividades de risco elevado para os operários, como nas indústrias químicas, siderúrgicas, eletrointensivas, de carvoria e mineração, construção civil e outras, as economias dos capitalistas com os gastos na manutenção de instalações, no investimento na segurança de prevenção de acidentes em locais de alta tensão elétrica, etc., frequentemente geram explosões nos locais de trabalho, prensas caem sobre operários em razão da falta de manutenção, operários caem de guindastes nos canteiros de obra por conta da precariedade ou inexistência de equipamentos de segurança, trabalhadores carvoeiros nas minas de subsolo morrem em decorrência do uso inadequado e precário de dinamites, tremores de terras e deslizamentos nas minas ceifam a vida de centenas ou mesmo milhares de operários, e assim por diante.

Os casos dos acidentes de trabalho nas fábricas e empresas no Brasil dão exemplos ilustrativos

A página NOVACULTURA.info segue cumprindo um papel importante nas denúncias econômicas acerca das péssimas condições de trabalho nas empresas, fazendo repercutir os mais deploráveis acidentes de trabalho (muitos dos quais seguidos de morte) ocorridos nas mesmas. Observemos aqui como os mais notáveis acidentes de trabalho ocorridos em nosso país em tempos recentes ilustram as leis do capitalismo que acabamos de mencionar e descrever.

As leis do capitalismo anteriormente descritas caem como uma luva para a fábrica siderúrgica da Gerdau localizada em Ouro Branco, no estado de Minas Gerais, onde trabalham pouco mais de 3 mil operários. Do final de 2016 para cá, isto é, em cerca de um ano, morreram cerca de nove operários em acidentes de trabalho, dos quais cinco eram trabalhadores terceirizados. Em novembro do ano passado, três operários que faziam manutenção numa torre de gás da fábrica foram mortos numa explosão súbita na torre no momento em que exerciam suas respectivas funções. Em dezembro de 2016, mais outro operário morreu num acidente de trabalho do alto-forno 2 da fábrica. Outra explosão ocorrida na coqueria 2 da fábrica, em agosto deste ano, levou a óbito cinco operários. Os sindicatos locais, então, denunciam o que já sabíamos: a empresa Gerdau tem economizado milhões de reais na realização de manutenções preventivas nas instalações da fábrica, o que tem transformado os locais de trabalho destes operários em dinamites prestes a explodir (literalmente, como podemos ver!). A Gerdau de Ouro Branco já é recordista mundial em acidentes de trabalho dentre todas as fábricas do ramo siderúrgico existentes na face dessa Terra. Além disso, a terceirização de uma quantidade crescente de postos de trabalho tem permitido à Gerdau livrar-se da responsabilidade não apenas do pagamento dos operários, como também de fornecer aos operários os EPI (Equipamentos de Proteção Individual) necessários para mitigar os efeitos dos acidentes de trabalho ao menos minimamente. Não dispondo sequer de tais equipamentos de segurança, vão a óbito como moscas. Mas que importa aos capitalistas da Gerdau em ter dezenas de operários mortos ou reduzidos à invalidez no chão de fábrica quando há milhares de desempregados esperando nos portões, sedentos por trabalho?

Na manhã do dia 25 de setembro de 2017, três operárias da fábrica de processamento de couro Curtume Andradina (localizada no município de Andradina, no interior de São Paulo) sofreram um gravíssimo acidente de trabalho. Enquanto trabalhavam, uma prensa de cerca uma tonelada caiu sobre as respectivas cabeças das mesmas, esmagando-as. Nenhuma das três resistiu aos horríveis ferimentos e morreram na tarde do mesmo dia. Conforme denunciam os operários e operárias que estavam presentes no momento do acidente, a inexistência de uma comissão de prevenção a acidentes de trabalho na fábrica fez com que a prestação de ajuda às operárias acidentadas se desse de forma precária. Os próprios trabalhadores, sem experiência em lidar com acidentes de trabalho, tiveram de utilizar uma empilhadeira para levantar a prensa e socorrer as colegas de serviço. Os operários denunciaram também que a prensa caira sobre as cabeças das trabalhadoras sem ser acionada. A mesma prensa há muito carecia de manutenção preventiva. Para concluir, as trabalhadoras acidentadas e posteriormente mortas não utilizavam equipamentos de proteção individual.

Saindo um pouco das fábricas, observemos como isso se ilustra no trabalho dos assalariados rurais no Brasil. Na agricultura, por via de regra, a proporção de capitais fixos em relação a capitais circulantes é baixa. Há um retorno mais rápido de investimentos para os capitalistas que aplicam seu capital na agricultura, em razão do baixo nível relativo de capitais fixos, e as condições de vida e trabalho dos trabalhadores assalariados na agricultura é em muitas vezes inferior àquelas dos trabalhadores assalariados na indústria. Na cidade de Espírito Santo do Turvo, interior de São Paulo, cerca de 250 trabalhadores assalariados das plantações de laranja da empresa Cutrale entraram em greve no início do mês de outubro de 2017 em razão das miseráveis condições de trabalho e pagamento. Eram obrigados a trabalhar na chuva, alimentando-se de marmitas estragadas fornecidas pela empresa, e dormindo em alojamentos insalubres. Na semana anterior à deflagração da greve, um trabalhador rural da plantação morreu esmagado por um trator no local de trabalho. Para reprimir a greve e as movimentações de protestos dos trabalhadores rurais, a polícia militar foi enviada pela Cutrale para aterrorizá-los nas plantações, para além também das ameaças de demissão em massa.

Para que a classe operária conduza com sucesso suas lutas contra os capitalistas, é necessário o conhecimento sólido das leis que engendram as más condições de trabalho nas empresas.

Nota

[1] Quanto a esse raciocínio, poder-se-ia questionar o seguinte: é evidente que os capitalistas possuem a tendência em reduzir os limites físicos dos maquinários para que obtenham um retorno mais rápido da parcela do capital fixo empregado na compra destes. Todavia, um retorno mais rápido dessa parcela do capital fixo significaria o encarecimento das mercadorias e, portanto, uma desvantagem do capitalista que reduz os limites físicos das máquinas em relação àquele que procede no sentido de fazer suas máquinas durarem pelo máximo de tempo possível. Essa tendência de prolongar o limite físico dos maquinários com vistas a baratear os preços das mercadorias, contudo, é também contrabalanceado pela tendência que possuem as máquinas ao desgaste moral e, consequentemente, aos riscos que possuem os capitalistas de não obterem retorno da parcela do capital fixo empregada nas máquinas moralmente desgastadas. Mais ainda nas condições da forma atual e prevalente do capitalismo no mundo, o capitalismo monopolista, imperialista, no qual um punhado de empresas se organizam em carteis para dividir, tal como uma fatia de pizza, não apenas o mercado nacional mas também mundial, possuindo condições para fixar as mercadorias sob preços elevados à custa da pilhagem dos consumidores, a tendência de encarecer as mercadorias para obter um retorno rápido desta parcela do capital fixo não parece prejudicar tanto os capitalistas.

Foto: Jeso Carneiro (CC BY-NC 2.0)

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