Zumbi Vive: a força do Povo Negro é o Povo Negro organizado!
Comissão Nacional Organizadora do Coletivo Negro Minervino de Oliveira
Para nós do Coletivo Negro Minervino de Oliveira, o dia 20 de novembro ultrapassa o significado de uma data que, ao contrapor-se à narrativa que atribui a libertação da população negra à Princesa Isabel, reivindica como símbolo da resistência quilombola a história de Zumbi dos Palmares. A consciência negra, para nós, representa articulação de uma ordem social em contraposição à exploração do homem pelo homem, materializada em Palmares e todas as experiências quilombolas nesse país. Trata-se, portanto, de uma consciência que supera a resistência defensiva, mas apresenta formas de organização de uma estratégia ofensiva de tomada de poder.
A história de luta dos negros e negras brasileiras é rica em experiências táticas que devem ser constantemente lembradas para que a nossa e as futuras gerações colham os melhores exemplos e não caiam nos mesmos equívocos e ilusões do passado. Palmares não pode ser esquecido.
O desconhecimento e/ou deformação da história do povo negro é vantajoso do ponto de vista da manutenção da estrutura e dinâmica racista da sociedade, mas é extremamente nocivo para nós que construímos a luta antirracista e a luta anticapitalista. A história dos negros e negras se confunde com a história das lutas sociais nesse país, de tal forma que trazer a questão racial para o centro do debate e das estratégias de luta é tarefa de todos aqueles e aquelas que atuam nos movimentos sociais, ou seja, não deve ser uma tarefa exclusivamente relegada aos negros e negras da classe trabalhadora.
Para situar-nos historicamente e apontar para táticas de enfrentamento aos desafios colocados estrutural e conjunturalmente para o povo negro e a classe trabalhadora como um todo, precisamos destacar alguns fragmentos do trajeto que percorremos até chegar aqui.
Há quatro décadas o Movimento Negro experimentou um processo de radicalização das lutas, acompanhando o ascenso do movimento dos trabalhadores no anos finais da ditadura, entre a década de 70 e 80 com a fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUDR) – posteriormente se tornaria o MNU, atual Movimento Negro Unificado – que, ao se organizarem para manifestar a indignação contra a violência policial sobre a população negra, formularam diversas reivindicações de direitos extremamente importante para a reprodução da vida da população negra, assim como a denúncia do mito da democracia racial. Chegaram a realizar em aliança com diversos setores – especialmente aqueles vinculados à CUT e ao PT – marchas significativas como a Marcha Zumbi em 1995. Podemos dizer que, depois da Frente Negra Brasileira e a União dos Homens de Cor, esse foi uma das últimas expressões da força que o movimento negro de massas nacional experienciou. Após estas articulações nacionais temos atualmente importantíssimos movimentos de base com alcance regional como as Mães de Maio, as lutas contra o encarceramento em massa, as lutas de resistência dos quilombolas, e mais recentemente, o ascenso das Marchas da Mulheres Negras.
No entanto, a aposta de todas as fichas na luta por conquistas de políticas públicas pela via institucional limitou o potencial organizativo desses e dessas militantes. A compreensão de que a luta antirracista deveria priorizar a organização da população negra nas ruas e nos instrumentos organizativos de classe foi substituída pela crença de atingir, dentro dos moldes deste sistema, a igualdade racial. Esse movimento se deu articulado com o transformismo do PT, resultando numa política de conciliação de classes e o consequente apassivamento dos movimentos sociais que conduziram a eleição de Lula.
Não se pode negar, por outro lado, a importância das conquistas que o movimento negro organizado garantiu à população negra brasileira. No âmbito internacional, a Conferência de Durban, em 2001, impulsionou dentro dos mais variados espectros políticos o enraizamento das pautas raciais dentro das agendas políticas. Localmente, a Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino sobre a História e Cultura Afro-brasileira no ensino fundamental e médio, além de incluir o 20 de novembro no calendário escolar; a criação de uma secretária com fundo orçamentário para promoção da igualdade racial, a SEPPIR; a Lei 12.711/2011 que instituiu as cotas sociais e raciais nas instituições públicas de ensino superior.
A grande contradição desse período anterior foram os meios como foram garantidos esses direitos, assim como o objetivo daqueles que absorveram tais reivindicações históricas como forma de concessão do estado. A lógica de cooptação do PT absorveu os quadros do movimento negro das últimas duas décadas de tal forma que a luta de massas dos negros nos dias atuais é inexistente, raras algumas exceções no nível local. Apesar dessas leis expressarem, parcialmente, os interesses do povo negro brasileiro, muitas delas foram encaminhadas sem participação das bases. Essa opção política de atuação na luta de classes trouxe graves consequências ao nível de politização e organização da classe trabalhadora, especialmente os negros e negras, gerando um cenário onde, não bastasse uma minoria dos negros acessar o ensino superior, muitos de nós, principalmente periféricos, desconhecemos as políticas de ação afirmativa; são raras as escolas que colocam em prática o ensino da história e cultura afrobrasileira; a SEPPIR foi extinta com apenas uma canetada sem causar nenhum alarde, nenhuma manifestação significativa.
Combinadas a essa forma de conquistar direito “pelos ares” por estes setores até então hegemônicos do movimento negro, as contrarreformas e ofensivas do Estado brasileiro nos período Lula-Dilma deram continuidade, acirrando ainda mais as políticas de guerra às drogas, instauração das UPPs e Lei antiterrorismo que aprofundaram o genocídio do povo negro, a criminalização da pobreza, assim como a perseguição política dos negros e negras militantes dos movimentos sociais.
Essas práticas truculentas da classe dominante brasileira são características estruturantes de nossa formação social, de tal forma que, durante os períodos democráticos ou ditatoriais, o que se modificou no que diz respeito à relação entre Estado e trabalhadores foi a intensidade do autoritarismo e da repressão. A democracia brasileira nunca foi uma democracia racial, foi e é uma constante democracia racista, ou seja, a condição de subalternidade do negro é pressuposto para que se reproduza o capitalismo em sua normalidade.
Após o apassivamento das lutas no ciclo Lula-Dilma sem nenhum avanço significativo em meio a um cenário de crise mundial, é articulado um golpe de Estado para o aprofundamento de medidas neoliberais. Com um novo governo empossado após o golpe jurídico, o até então vice-presidente do governo Dilma assume a presidência.
O novo ciclo histórico com Michel Temer como presidente, é marcado pela regressão de direitos trabalhistas e sociais, limitação de investimentos públicos e aproximação do Brasil de volta ao mapa da fome. Através da PEC 241, que limita gastos públicos, o governo golpista promove a estagnação de determinados grupos que já viviam em uma situação de extrema vulnerabilidade.
Dentre os grupos vulneráveis, os negros estão entre os mais atingidos, pois, segundo dados do IBGE, Ipea e do Relatório Anual das Desigualdades Raciais da UFRJ, a população negra é a que mais depende de serviços públicos como saúde e educação, bem como do sistema de seguridade social. Com o congelamento de investimento essa situação se agrava, intensificando o quadro de precariedade social que se encontra a população negra. A Reforma Trabalhista avança significativamente os níveis de precarização do trabalho através do aumento da informalidade e a intensificação da exploração. A privatização das estatais como a Petrobrás encerra qualquer possibilidade de soberania nacional.
O projeto ultraliberal do governo Bolsonaro-Mourão é a explicitação do racismo e da opressão capitalista com toda a truculência através do estímulo à violência nas periferias, o estímulo à hostilidade às religiões de matriz Africana. A ameaça às comunidades Quilombolas pelo alinhamento do governo com o agronegócio tornou-se uma constante. Todos esses elementos estão sendo combinados com a intensificação das retiradas de direitos trabalhistas e a contrarreforma da previdência, que atacam a população negra enquanto componente da classe. Se, em períodos anteriores, a classe trabalhadora negra acessava os trabalhos mais precários, atualmente o desemprego e a informalidade tornaram-se mais comuns do que nunca.
A atual conjuntura latino-americana é confirmação da dinâmica imperialista. De modo que há desde avanços dentro dos limites democrático burgueses mais tímidos como as políticas sociais garantidas no estado brasileiro até o ascenso de um governo progressista que enfrentou, em certa medida, os interesses imperialistas e realizou reformas estruturais como o caso da Venezuela. No entanto, os projetos políticos que não propuseram uma transformação radical em todos as dimensões da vida social foram incapazes de suportar as ofensivas neoliberais.
O diagnóstico de nossos problemas é parte essencial para a superação da sociedade de classes e sua estrutura racista. Diante de uma conjuntura tão agressiva, de avanço sobre os direitos básicos, nossa tarefa imediata é resistir contra tais ataques. O governo Bolsonaro é explicitamente racista e a necessidade de recuperação do Capital perpassa por um aprofundamento do racismo e da precarização dos trabalhadores em geral. Sendo assim, precisamos lutar contra a reforma da previdência, embora seu processo já esteja bastante avançado, pois a população negra será a mais atingida, certamente.
A luta de classes, por mais adversa que se apresente para os explorados e oprimidos, como demonstraram todos e todas quilombolas de Palmares e os demais movimentos de rebelião e insurreição ao escravismo, não exclui a possibilidade de uma contraofensiva, de um processo de organização da revolta, de colocar em marcha um projeto emancipatório de sociedade. Os nossos irmãos latino-americanos que estão dando respostas aos ataques da burguesia internacional também podem servir de exemplo sobre a possibilidade de uma contraofensiva dos povos indígenas em aliança com trabalhadores brancos e negros para o movimento negro brasileiro.
A tarefa histórica dos militantes, coletivos, organizações que atuam no Movimento Negro é de se desvencilhar das ilusões acerca da ampliação do estado burguês através de conciliação de interesses, é superar a atual fragmentação do movimento a partir de uma unidade de atuação com os setores populares. Precisamos de uma produção teórica que corresponda aos desafios e demandas colocadas pelas condições de vida da nossa comunidade e não mais repetir esquemas e categorias de teóricos do capitalismo central e tentar adaptá-los mecanicamente à nossa realidade.
É urgente a organização da juventude para constituir uma renovação de um movimento negro que busque a superação do racismo e que compreenda que tal objetivo está necessariamente ligado à necessidade de uma sociedade sem classes, e que as mediações táticas perpassam pelo enraizamento nas comunidades contribuindo ativamente para a construção do Poder Popular que faça frente às agressões do presente e avance para a superação desta sociedade.
O Coletivo Negro Minervino de Oliveira se coloca:
Na luta pela conquista de empregos com condições dignas
Em defesa da ampliação ao acesso da juventude negra à cultura e educação
Contra propostas fiscais que visem prejudicar os trabalhadores para “aliviar” os custos da elite brasileira.
No combate a intolerância religiosa
Contra o encarceramento em massa e extermínio da população negra que, a partir deste governo com nítidos traços fascistas, tende a se intensificar; lembremos que ainda hoje não temos respostas sobre quem mandou matar Marielle.
Contra a privatização dos serviços públicos, pois somos diretamente os mais prejudicados e a via privada acaba por excluir grande parte de nós do acesso a serviços básicos.
Contra o genocídio nos campos, no qual tem se intensificado no atual governo, especialmente entre os quilombolas, indígenas e militantes do MST.
No combate ao racismo e o capitalismo na direção do socialismo