O Brazil não conhece Brasil

imagemOpinião/ Henrique Suricatto

O governo e os analistas das corretoras de investimentos se veem “surpresos” pela alta demanda ao auxilio emergencial, não imaginavam a procura por quase metade da população brasileira. Em um cenário intermediário, onde seriam localizados 50% dos potenciais beneficiários fora do Cadastro, serão beneficiados direta ou indiretamente 32,5 milhões de famílias ou 107,2 milhões de pessoas, com gasto total estimado em R$ 90,1 bilhões. [1]

Há aqui uma demonstração enorme do grau de precariedade vivida pela maioria da população brasileira. O que esta pandemia vem expondo à luz do dia (e que vínhamos denunciando desde sempre) é a gritante desigualdade social e de renda que existe em nosso país. Para a maioria estar recorrendo a este auxilio, fica demonstrado o quão frágil era o equilíbrio do sustento destas famílias na dita “recuperação econômica”.

Quando metade dos brasileiros sobrevive com apenas R$ 438 mensais, ou seja, cerca de 105 milhões de pessoas com menos de R$ 15 por dia para todas as suas necessidades básicas[2], vendo as condições de trabalho ficar cada vez piores, com demissões, suspensão dos contratos de trabalho, redução da jornada de trabalho e de salário e falta de estrutura na saúde, o cenário para eles é desesperador. O vírus entra como um infeliz bônus.

Soma-se a isso a burocracia de obter o auxilio emergencial, a falta de políticas de saúde pública realmente eficazes, a retórica bolsonarista contra as medidas de quarentena, jogando com o desespero das massas mais pobres[3], para reabrir a economia e “preservar empregos”, empurrando-os para cada vez mais para um estado de miséria duradoura e fatal. É difícil mensurar o tamanho do crime que esta corja comete contra os trabalhadores deste país!

Mas esta situação já existia bem antes da pandemia, na verdade ela é quase estrutural da composição da classe trabalhadora brasileira. Esse contingente de trabalhadores informais, assalariados ou não, quando se tornou a classe que absorve os desempregados, e apenas ganhou a atenção da mídia nos últimos 5 anos. Essa mesma mídia que trazia belas noticias sobre a diminuição do desemprego, com os louvores de toda a intelligentsia do mercado, divulgando a redução às custas de uma maior precarização da força de trabalho no nosso pais, o que na literatura marxista configura pauperização.

Quando Marx afirma n’O Capital que, quando mais avança o desenvolvimento dos meios de produção dentro do regime capitalista, mais pauperizados se tornam os proletários, visava a não absorção deste contingente novamente para o setor produtivo, o qual demite aos milhares e recontrata para menos postos de trabalhos, novos trabalhadores com menores salários e maior exploração da força de trabalho. Esta força de trabalho dispensada do setor produtivo pode ser reaproveitada em outros setores do mercado de trabalho, mas recebendo menos: os trabalhadores do comércio e dos serviços têm, em sua maioria, salários que não passam de 1,5 salário mínimo. O que sobra vira um grande exército industrial de reserva, os desempregados.

Como a fome chega para todos e parado não dá para ficar, muitos procuram sobreviver realizando atividades remuneradas ditas informais e aí o leque desta precarização é enorme. Essa bela obra de arte contemporânea brasileira pode ser vista nos inúmeros vendedores ambulantes, autônomos sem CNPJs e motoristas e entregadores de aplicativos de transporte e de entrega para título de ilustração, 40 milhões de exemplares, o retrato fiel da tragédia da crise financeira no Brasil, agora vistos em frente das agências da Caixa Econômica Federal esperando o auxilio de fome ser pago. Quem não consegue – como infelizmente pude testemunhar nestes dias – chora sabendo que a fome é uma certeza maior que o vírus.

Ali vi a barbárie, fiquei com esta cena na cabeça e tudo que conseguia sentir era ódio, ódio por ver isso e chamar de malditos todos essa raça que impõe toda essa miséria à nossa classe. Para o pobre faminto, o ódio de classe é tão genuíno quanto um amor de mãe.

E só agora se importam conosco? Só agora ficaram sabendo da nossa existência, e que somos praticamente 100 milhões de pessoas que vivem na pobreza[4]? Vou fingir que eles não sabiam, e que realmente num pais onde nossa direita patriótica usa bandeiras dos EUA e de Israel, realmente as palavras do finado Aldir Blanc fazem todo o sentido, temos um Brazil que não conhece o Brasil!

[1] – https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2020/04/02/auxilio-emergencial-pode-beneficiar-55percent-da-populacao-diz-ipea.ghtml

[2] – https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,metade-dos-brasileiros-sobrevive-com-menos-de-r-15-por-dia-aponta-ibge,70003293622

[3] – https://exame.abril.com.br/brasil/as-palavras-importam-estudo-revela-como-bolsonaro-prejudicou-isolamento/

[4] – https://criticadaeconomia.com/2017/12/na-barriga-da-miseria-extrema/