Em defesa dos povos indígenas na tríplice fronteira
DECLARAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE JURISTAS EM RELAÇÃO AOS POVOS INDÍGENAS NA TRÍPLICE FRONTEIRA DE BRASIL, COLÔMBIA E PERU E À PANDEMIA COVID-19
Associação Americana de Juristas (Organização Não Governamental com estatuto consultivo ante o ECOSOC e representação permanente na ONU de Nova York e Genebra
A região transfronteriça formada pelos municípios da micro-região do Alto Solimões (Brasil), do departamento de Amazonas (Colômbia) e dos distritos da província de Mariscal Ramón Castilla (Peru) conta com uma população indígena de, aproximadamente, 170.000 personas, que se distribui entre territórios formalmente reconhecidos, áreas que ainda lutam pelo reconhecimento oficial por parte dos Estados nacionais e pequenos núcleos urbanos. Além disso, existem informações de mais de 15 povos ou grupos indígenas em situação de isolamento voluntário.
As cifras oficiais não correspondem à realidade. Os nove municípios que integram a região tinham aproximadamente 260 mil habitantes em 2010, dados do último censo oficial realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma parte significativa dessa população está integrada por indígenas, conformados em ao menos 13 povos, somando uma população que foi contabilizada em 73.758 habitantes em 35 territórios indígenas, compreendidos entre Terras Indígenas demarcadas e outras em diferentes etapas do processo demarcatório (IBGE, 2010) (1).
Esta região tem registrado índices elevados de contágio e de falecimentos por causa da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), tanto em casos confirmados quanto de pessoas mortas. Esta situação extremamente grave se acentua ainda mais entre os grupos indígenas, principalmente aqueles que residem em territórios não reconhecidos oficialmente ou em núcleos urbanos. Devemos destacar a falta de informações concretas e atualizadas sobre os dados aqui apresentados e que esta subinformação constitui um agravante que demonstra o problema da invisibilidade e da desigualdade entre os povos indígenas, em contradição com o que prescreve o art. 2 da Declaração Universal de Direitos Humanos e o art. 2 dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos.
Esta situação extremamente grave se acentua ainda mais entre os grupos indígenas, cuja taxa de letalidade chega a alcançar 9,9% dos casos (2), vitimando principalmente aqueles que residem em territórios não reconhecidos oficialmente ou em núcleos urbanos. A Fundação Nacional do Índio – Funai (3), órgão governamental responsável por proteger e promover os direitos dos povos originários do Brasil, apesar de ter orçamento específico para o combate à COVID-19, decidiu adquirir caminhonetes com o dinheiro recebido (4).
Historicamente, os governos nacionais do Brasil, Colômbia e Peru desenvolveram políticas de fronteira desarticuladas, inadequadas e insuficientes para garantir a qualidade de vida destes povos. O fracasso destas políticas tem um altíssimo custo nas dezenas de terras indígenas, comunidades nativas e reservas indígenas, assim como nos grupos que residem nos centros urbanos. Um claro exemplo é a ineficiência das políticas de saúde para a população indígena nestes territórios, marcadas por significativos índices de desigualdade socioeconômica e violência institucional.
Os governos dos três países adotaram, – sem consultas prévias com a sociedade civil e em clara violação ao direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (Convênio 169 OIT) -, políticas inadequadas de fechamento de fronteiras – como a militarização levada a cabo pelo governo colombiano – sem alcançar com elas o objetivo de deter a pandemia e aumentando, ainda mais, a situação de vulnerabilidade por causa da insuficiente disponibilidade de alimentos, medicamentos e produtos de higiene pessoal, configurando uma violação dos direitos fundamentais dos povos.
Destacamos, ainda, alguns elementos que confluem para um agravamento do quadro entre os povos indígenas: inseguridade jurídica, devido à ausência de instituições públicas para a solução de problemas locais; insegurança territorial, em relação ao reconhecimento oficial dos territórios tradicionalmente ocupados; ameaça de exploração de recursos naturais por parte de diversas atividades ilegais que promovem a entrada de agentes externos nas comunidades locais; desconsideração das particularidades culturais, linguísticas e, principalmente, das concepções próprias dos povos sobre a enfermidade e a cura, desconsideradas na construção de políticas para a saúde indígena, violando um princípio fundamental do mencionado Convênio 169 da OIT.
A AAJ afirma que é urgente que se tomem medidas de enfrentamento à COVID-19 em territórios indígenas, por instâncias de governo de cada país articuladas também com as ações, já existentes, das organizações indígenas, instituições de investigação e universidades públicas com sede nesta tríplice fronteira.
1º de junho de 2020
Vanessa Ramos – Presidenta AAJ Continental
Luis Carlos Moro – Secretario General
Beinusz Szmukler – Presidente do Conselho Consultivo da AAJ
1. https://cimi.org.br/2020/05/instituicoes-pedem-acoes-em-defesa-de-indigenas-do-alto-solimoesdiante-do-avanco-da-covid-19-entre-os-povos/
2. https://epoca.globo.com/sociedade/em-meio-subnotificacoes-de-casos-coronavirus-avanca-na-areade-indios-isolados-24452885 3 http://www.funai.gov.br/index.php/quem-somos 4 https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,sucateada-funai-usa-mais-de-r-1-milhao-da-covid-19para-comprar-caminhonetes,70003279237
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)