Engels: a atualidade de 200 anos
Sofia Manzano
Contrapoder
Nesta semana nós comemoramos o aniversário de 200 anos do nascimento de Friedrich Engels. E, apesar de escolhermos datas decenais para essa espécie de comemoração, acredito que determinados personagens da história humana devem ser lembrados sempre. Esse é o caso de Engels que, como todos sabem, ao lado de Karl Marx, forma a base e a estrutura sobre as quais todos nós podemos pensar a superação da “pré-história” da humanidade. Mesmo considerando que é impossível falar de Engels sem falar de Marx, sua contribuição específica para o arcabouço teórico do marxismo deve ser ressaltada.
Engels viveu praticamente todo o século XIX – nasceu em 28 de novembro de 1820 e morreu em 05 de agosto de 1895, a maior parte de sua vida adulta em Manchester e Londres, na Inglaterra, que era o centro do mundo, pois ali se desencadeavam as transformações mais profundas que hoje se pode verificar no desenvolver do capitalismo por todo o mundo. Para termos uma ideia do que isso significa, teríamos que nos imaginar, hoje, vivendo em Pequim, Xangai, Suzhou ou Guangzhou, na China. No entanto, assim como antes, milhões de pessoas vivem nessas localidades, mas apenas algumas conseguem capturar, de forma tão profunda, científica e inovadora, o que realmente acontece para além da superficialidade dos fenômenos cotidianos. Esse é o caso de Friedrich Engels.
Filho de rico industrial alemão foi encaminhado para um estágio em Manchester, na fábrica em que o pai era sócio. Do período de 21 meses Engels produziu, aos 24 anos de idade, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, seu primeiro livro, repleto de originalidade na formulação de sínteses que servirão de base para o léxico categorial marxista. Para além da pesquisa empírica – tanto presencial, quanto nos dados coletados nos materiais disponíveis – esse livro introduz ideias que serão muito caras para a compreensão da realidade capitalista.
Apesar de os formuladores da economia política clássica – como Adam Smith, Malthus e Ricardo, em suas contribuições à ciência econômica, terem tratado de forma categoricamente distinta a situação do capitalista, de um lado, e do trabalhador, de outro, no livro de Engels, a massa de trabalhadores submetidos à relação capitalista de produção é introduzida como classe. Com esse salto categorial Engels pode desenvolver uma série de questões que expõem a situação concreta dos trabalhadores, moralmente informadas nos trabalhos dos economistas clássicos, em sua materialidade. Mesmo quando trata das “questões morais” dos trabalhadores e das trabalhadoras, como o roubo, a preguiça, o alcoolismo e a prostituição, ele vai à raiz da constituição moral, ou seja, as condições concretas e materiais da existência.
Dessa forma, traz para o centro da análise, o ser humano em suas relações humanas e não ideais, ou de uma “natureza humana” que possa existir independentemente das relações sociais a que esses seres humanos estão submetidos.
É do conhecimento geral a importância que Engels tem para a vida de Marx, tanto material, mas principalmente como interlocutor intelectual. Por outro lado, ele produziu uma vastíssima obra, além de ter mantido intensa militância na organização dos trabalhadores. Muitas vezes seu papel fica subsumido na magistral contribuição de Marx para o entendimento do mundo em que vivemos. A divisão do trabalho que se desenrolou entre os dois não pode relegar as específicas contribuições desse genial pensador que, além da grande facilidade com línguas diversas, acompanhava arguta e atentamente os avanços nas mais diversas áreas científicas.
Muitos são os livros, textos, materiais de divulgação e instrução política que Engels produziu juntamente com Marx, dos mais importantes: O Manifesto do Partido Comunista, A ideologia alemã, A Sagrada Família, aos prefácios de livros marxianos publicados após a morte do amigo e o magistral trabalho de organização, edição e publicação dos Livros 2 e 3 de O capital. Entretanto, de sua própria lavra, cumpre destacar o Anti-Dühring e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Este último, sem dúvida, leitura obrigatória para o enfretamento das condições desiguais em que permanecem todas e todos aqueles que não o homem branco e burguês.
A convicção engelsiana na revolução socialista é outra marca de seu caráter que se deve destacar. Em qualquer de seus livros, textos, prefácios, etc. podemos perceber um autor verdadeiramente otimista com o sucesso da luta da classe trabalhadora sobre qualquer forma de exploração. Mesmo os textos mais críticos, e são muitos, Engels não abre mão de uma argumentação cientificamente substantiva. A fina ironia com que tece suas críticas jamais se constituiu em biombo para escamotear seu profundo conhecimento e a certeza na vitória da classe trabalhadora. Por outro lado, não deixa de apontar as deficiências, falhas, escorregadas reformistas e desvios que, no seio mesmo da classe trabalhadora, aparecem e emperram a seu triunfo definitivo.
Nós, trabalhadores e trabalhadoras desse século XXI ainda não vislumbramos essa necessária vitória. No entanto, é urgente e reconfortante termos à nossa disposição, com tantos avanços tecnológicos que nos permite livre acesso, a leitura das contribuições ímpar de Engels à nossa luta.
Para finalizar essa singela homenagem, eu indicaria a todos e todas a leitura de A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Não por ser o primeiro livro de Engels, mas, por conter ali uma descrição do que estamos presenciando. Nesse capitalismo em crise estrutural, mesmo com toda luta de classes que nos permitiu alguns direitos (políticos, sociais e econômicos), o avanço das contrarreformas e o estreitamento das balizas da democracia já colocam alguns milhões de habitantes desse planeta na situação análoga à descrita por Engels em 1844. Por isso, lê-lo, estuda-lo e, acima de tudo, segui-lo na luta e na convicção de que a revolução é a única saída para a humanidade.
Viva Engels! Viva a classe trabalhadora! Vamos à luta!
PS: Com pesar, dedico esse texto a Diego Maradona, que não vive mais entre nós, mas esteve sempre ao lado das lutas progressistas.
Sofia Manzano
Professora da Uesb, mestre em economia, doutoranda em História Econômica, autora do livro “Economia política para trabalhadores”, pesquisadora nas áreas de trabalho, desigualdade, política econômica e teoria econômica. Dirigente nacional do PCB.