Hobsbawn: lições do mestre
Em meados dos anos noventa, Eric Hobsbawn esteve entre nós, no Brasil, para lançar seu livro A Era dos Extremos (Editora Schwarcz, 1994). Estávamos a poucos anos do fim do curto século XX, 1989, marcado pela queda do muro de Berlin. Testemunha da história que historiava o velho e bom mestre nos brindou com uma fina síntese dialética e do que estava por vir: “Nós, socialistas, somos responsáveis por algo que não queríamos. Nós humanizamos o capitalismo quando nós queríamos destruí-lo”. Poderia haver melhor síntese do curto século XX? Não creio. A Revolução Russa que, segundo o mestre, iniciara o século abrira um período histórico de grandes esperanças e mobilizações em luta por transformações com justiça e igualdade sociais. Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, expressão de John Reed o repórter que experimentou o calor dos acontecimentos daquela Revolução, projetaram de fato em todo o século a idéia de que era possível transformar o mundo, enfim, que a Revolução estava no horizonte histórico do possível.
O fim da 2ª Guerra consagrou, inclusive no plano geopolítico, uma bipolaridade onde o socialismo mostrava sua força impondo, até mesmo fora de suas fronteiras geográficas, condições de vida que humanizaram o capitalismo. O estado de bem estar social, que a democracia européia reivindica para si é, em grande parte, o resultado da ameaça real de uma transformação socialista no território da Europa Ocidental, como bem perceberam os estrategistas estadunidenses em sua iniciativa com o Plano Marshall. Bertolucci o percebeu com seu Novecento.
Eric Hobsbawn com sua fina análise dialética não só lia o passado presente como projetava o futuro quando nos alertava, na mesma ocasião, com uma pergunta à época ousada, sobretudo diante do clima de euforia que tomava conta dos ideólogos do fim da história, então e ainda agora, certos da vitória do capitalismo diante da queda do muro. Indagava Hobsbawn: “que será da humanidade quando o capitalismo já não mais teme o socialismo?”
A pergunta hoje já não parece delírio de um velho historiador rigoroso, mas posicionado diante das questões de seu tempo. A social democracia caiu junto com o muro e os 200 anos de história de luta dos pobres contra os ricos para conquistar direitos se tornaram nos últimos 20 anos a luta dos ricos contra os pobres para acabar com os direitos. A crise européia de hoje mostra sobejamente que deixado a si mesmo o capitalismo mostra toda sua face bárbara que, para nós latino-americanos, africanos e asiáticos não é nada novo, mas o é para os europeus.
Que os indignados se inspirem na dignidade desse intelectual e se transformem numa força política capaz de humanizar o mundo, tal como ele nos ajudou com suas análises e compromisso político.
Carlos Walter Porto-Gonçalves, 63 anos,
é professor da Universidade Federal Fluminense.