Anistia Internacional vê ameaças no Brasil

 

“Vemos um déficit de justiça muito grande no Brasil, que se concretiza por duas razões. O Estado, além de não garantir os direitos mais fundamentais das pessoas, é o agente violador desses direitos em muitas situações”, afirma Atila Rolque, diretor da Anistia Internacional no Brasil. Ele frisa que as violações cometidas pelo poder público são extremamente seletivas. “É contra pobres, negros e jovens da periferia. É essa parcela da população que é torturada em delegacias e presídios, que sofrem a violência policial”

“O estado dos direitos humanos no mundo” traz dados de 159 países e destaca os entraves para que o Brasil avance no tema. No caso do combate à tortura, ressalta o documento da ONG, é imprescindível que o Congresso Nacional aprove o Mecanismo Preventivo Nacional, que terá a prerrogativa de fazer inspeções, sem aviso prévio, a instituições fechadas — como presídios, unidades socioeducativas, abrigos e hospitais.

Além da demora do Legislativo, a Anistia critica também a modificação feita pelo governo federal no texto do projeto de lei que dá poderes ao presidente da República para nomear todos os integrantes do Mecanismo Preventivo Nacional. No texto original, elaborado conjuntamente pelo governo e pela sociedade civil, uma parte do membros seria indicada pelas entidades que lidam com o tema da tortura.

Um dos exemplos bem sucedidos no Brasil, destacado pelo relatório, é o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, do Rio de Janeiro. Em funcionamento há cerca de dois anos, o órgão já colhe frutos da atuação. “Nós trabalhamos no espírito de união, não de caça às bruxas. Então, até hoje, posso dizer que não tivemos dificuldades para entrar em lugar algum. No momento, estamos passando por uma onda de denúncias graves em unidades socioeducativas e decidindo o que fazer”, conta Renata Lira, membro do mecanismo fluminense.

Outros temas aparecem no relatório da Anistia Internacional de forma contundente. Um deles trata da situação dos índios. A entidade cita o caso dos guaranis caiovás, em Mato Grosso do Sul, que vivem em conflito com fazendeiros pela posse de terras. O documento cita uma série de projetos no Legislativo que atropela os direitos das populações tradicionais, como a Proposta de Emenda à Constituição nº 215, que transfere do Executivo para o Congresso Nacional a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas no país. Os conflitos em torno da Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi outro ponto destacado no relatório.

A onda de violência que atinge São Paulo desde o ano passado também figura entre os graves problemas relacionados aos direitos humanos registrados pela Anistia Internacional. De janeiro a setembro de 2012, informa o relatório, houve aumento de 9,7% nos casos de assassinatos (em relação ao mesmo período de 2011). Grande parte da mortalidade é atribuída à quadrilha denominada Primeiro Comando da Capital (PCC), citada nominalmente no documento, embora as autoridades brasileiras evitem pronunciar a sigla. A intensificação dos confrontos entre a polícia e o PCC seria uma das causas da escalada da violência.

O relatório chama a atenção para a situação dos defensores dos direitos humanos que estão sob ameaça de morte. Ao lembrar vítimas como o casal de agricultores Maria do Espírito Santo da Silva e José Cláudio Ribeiro, assassinados em maio de 2011, a Anistia Internacional alerta que muitos outros encontram-se na mesma situação, sem amparo dos programas de proteção do Estado. As remoções forçadas em função das obras para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, e a ameaça aos direitos sexuais e reprodutivos femininos também ganharam espaço no documento.

Principais pontos do relatório da Anistia Internacional sobre direitos humanos no Brasil:

Violência letal

Em São Paulo, houve aumento de 9,7% no número de homicídios nos primeiros nove meses de 2012 em relação ao mesmo período do ano anterior.

Tortura

A criação do Mecanismo Preventivo Nacional tramita lentamente no Congresso Nacional. Uma modificação do Executivo no projeto de lei, dando ao presidente da República plenos poderes para indicar os membros, é alvo de críticas.

Sistema prisional

Déficit de mais de 200 mil vagas no sistema carcerário do país, que segue em condições “cruéis, desumanas e degradantes”. Uma realidade que incentiva a prática da tortura em penitenciárias e delegacias.

Índios

A situação dos guaranis caiovás, que brigam pela posse de terra em Mato Grosso do Sul, e das comunidades atingidas pela usina de Belo Monte, no Pará, são algumas das preocupações da ONG.

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Câmara aprova internação involuntária de viciados

Correio Braziliense

A Câmara aprovou, na noite de ontem, o projeto polêmico que prevê, entre outros pontos, a internação involuntária de usuários de drogas e o aumento da pena mínima para traficantes. A pena passará de cinco para oito anos de cadeia se o criminoso integrar uma organização criminosa. O limite máximo da pena não foi alterado: 15 anos. Agora, a matéria, que altera a chamada Lei das Drogas, segue para votação no Senado Federal.

O substitutivo do deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL) para o Projeto de Lei 7663/10, do deputado Osmar Terra (PMDB-RS), foi debatido durante uma longa e tumultuada sessão. Os deputados, depois de muito bate-boca, retiraram do texto o artigo que previa a inclusão de advertência sobre malefícios do consumo de álcool no rótulo de bebidas produzidas no Brasil.

A internação involuntária é aquela em que o dependente químico é levado para uma clínica contra sua vontade. O texto da matéria aprovada foi negociado com o governo federal. Pelo que foi aprovado, o médico é quem decide por quanto tempo o viciado deverá permanecer internado. A família ou um representante legal poderá, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento.

A legislação aprovada veda a internação involuntária de dependentes em comunidades terapêuticas acolhedoras. O deputado Osmar Terra explicou, porém, que não se trata de internação compulsória. “É diferente. Na compulsória, é preciso uma autorização do juiz. É muita burocracia. Nem colocamos isso no relatório. O importante é que as pessoas entendam que esses usuários que serão internados contra a vontade são pessoas que não têm família, dormem nas ruas, perderam tudo e não conseguem trabalhar, vivendo apenas esperando os próximos 15 minutos para usar a droga.”

Durante a sessão, o parlamentar chegou a levar um saco cheio de giz para a tribuna para simular a quantidade de crack consumida por uma pessoa em dez dias.

O deputado Chico Alencar (PSol-RJ) se posicionou contra a internação involuntária. “Não se pode apresentar um projeto como a redenção da família brasileira frente ao flagelo das drogas. Isso é um fenômeno mundial muito sério. A mera política repressiva, em todos os lugares do mundo, não tem dado conta do problema”, defendeu. O deputado demonstrou preocupação com o uso político da lei: “A internação não gera resultados significativos e pode ser usada por algumas autoridades em várias cidades como um mero instrumento de limpeza étnica”.

Reinserção social

Sobre o tráfico, o texto prevê que, “se os crimes forem cometidos por quem exerce o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa, a pena é de reclusão de 8 a 15 anos”. A matéria define organização criminosa como associação de pelo menos quatro pessoas. Até o fechamento desta edição, os deputados ainda estavam votando os destaques ao texto, entre eles, emendas que poderiam alterar as penas estabelecidas na lei.

Outro artigo do texto aprovado determina que, nas licitações de obras públicas que gerem mais de 30 postos de trabalho, pelo menos 3% do total de vagas sejam destinadas à reinserção dos dependentes que foram tratados com base nas políticas de combate às drogas.

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Remessas de lucro pioram déficit externo

Valor Econômico

Embora lenta, a recuperação da atividade econômica doméstica já foi suficiente para fazer com que o déficit brasileiro em transações correntes com o exterior atingisse 3,04% do PIB no acumulado em 12 meses encerrados em abril, o maior nível desde julho de 2002, segundo dados divulgados ontem pelo Banco Central. Embora o saldo na balança comercial ainda tenha um grande peso para o déficit em conta corrente, que somou US$ 8,3 bilhões em abril e veio acima da expectativa do mercado, as remessas de lucros e dividendos tiveram influência relevante.

O fluxo líquido desses gastos alcançou US$ 9,516 bilhões no acumulado de 2013 até abril, respondendo por quase um quarto (23,4%) da elevação total do déficit em conta corrente no período.

A expectativa é que as remessas para o exterior continuarão crescendo em 2013, seja por conta da retomada ensaiada pela atividade doméstica ou pela situação ainda frágil dos principais economias do mundo. Isso, aliado ao crescimento da demanda doméstica, com reflexo no aumento das importações, deve continuar a impactar o saldo das transações correntes do Brasil com o exterior

No primeiro quadrimestre deste ano, as filiais de empresas transnacionais instaladas no Brasil remeteram ao exterior US$ 7,3 bilhões, cifra mais de 80% superior à registrada no mesmo período do ano passado. Trata-se do terceiro maior volume do período em toda a série histórica do Banco Central (BC), só perdendo para 2008 e 2011, segundo a Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet). Para a entidade, a fragilidade da recuperação das economias centrais, em especial na Europa, de onde vêm 55% do estoque de investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil, ajuda a explicar esse movimento. “As condições externas atuais parecem ainda conspirar a favor da continuidade deste movimento de aumento de remessas ao exterior.”

O setor industrial respondeu por 66,1% das remessas de lucros e dividendos no ano até abril, ante 59,6% no mesmo período de 2012, enquanto a participação dos serviços recuou para 29,9% (de 36,2%) e a de agropecuária e extrativismo mineral cedeu para 4% (de 4,3%).

Outros analistas e o próprio Banco Central, no entanto, atribuem parte do aumento das remessas a um maior fôlego da economia interna. A consultoria LCA projeta que as remessas poderão atingir US$ 30 bilhões, ante US$ 24,1 bilhões registrados em 2012.

O mercado espera que o ingresso líquido de investimentos estrangeiros diretos (IED) não será suficiente para financiar o déficit em conta corrente. A Tendências Consultoria prevê um saldo negativo de US$ 68,7 bilhões na conta corrente, acima dos US$ 64 bilhões previstos para o IED.

Na opinião dos economistas Affonso Celso Pastore e Alexandre Schwartsman, que já passaram pelo Banco Central, a deterioração do déficit em conta corrente reflete um cenário em que a demanda cresce mais que o PIB e impõe um aumento das importações. “Essa demanda representa o aumento do consumo e também dos gastos do governo”, destaca Pastore.

O saldo da balança comercial ficou negativo em US$ 995 milhões em abril. Schwartzman não vê melhora significativa da balança comercial neste ano. “O crescimento da China, que sustentava a alta do preço das commodities, já não é mais tão exuberante e não deve contribuir para uma melhora dos termos de troca [medida da relação entre preços de exportação e importação].”

Já a consultoria LCA prevê que a balança comercial deverá fechar o ano com um superávit em torno de US$ 12,0 bilhões. Isso, no entanto, não será suficiente para cobrir o déficit em conta corrente, e o financiamento do balanço de pagamentos dependerá da entrada de recursos por meio de investimentos em carteira e das captações externas.

O ajuste do déficit em conta corrente do governo, na opinião de Pastore, deve vir por depreciação do câmbio e corte de gastos do governo para reduzir a demanda.

Para Pastore, o câmbio em R$ 2 já está próximo do equilíbrio. No entanto, uma piora do déficit em conta corrente pode levar a uma valorização do dólar em relação ao real, obrigando o governo a retirar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para atrair investimentos estrangeiros em renda fixa. “Isso pode postegar, mas não elimina a desvalorização do real mais para a frente”, diz Pastore.

A desvalorização do real contribui para as exportações, mas também traz maior pressão inflacionária. “Por isso é necessário um ajuste na demanda”, diz Pastore.

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FMI estuda reformular pacotes de ajuda a países

Valor Econômico

O Fundo Monetário Internacional (FMI) estuda mudar o tratamento dado às reestruturações da dívida soberana após um período turbulento que abalou a correlação de forças entre os governos e seus credores.

Segundo autoridades internacionais familiarizadas com as deliberações do FMI, o fundo está primordialmente preocupado com a tendência dos países de adiar reestruturações – e também com as dificuldades em conseguir que detentores de bônus firmem acordos.

O trabalho do FMI, discutido em estudo apreciado em reunião do conselho executivo realizada na segunda-feira, é sua primeira tentativa de alto nível de enfrentar a questão desde o fracasso dos esforços destinados a criar um mecanismo de reestruturação da dívida soberana, dez anos atrás. Levanta a perspectiva de serem instauradas grandes mudanças no tratamento dado aos detentores privados de bônus. O FMI preferiu não comentar.

A Grécia impôs uma reestruturação aos detentores domésticos de bônus anos após o início de sua crise da dívida, enquanto muitos credores internacionais, entre os quais fundos de hedge, foram plenamente ressarcidos. As preocupações em torno da integridade do atual sistema foram exacerbadas pela derrota judicial imposta à Argentina pelos fundos de hedge com relação à sua reestruturação de 2001.

Uma autoridade do G-20 disse que o estudo do FMI, que deverá ser publicado ainda nesta semana, é uma “saída tática” que apenas acarretará mudança se for respaldada pelos Estados Unidos e pelos países europeus. Outra fonte disse que o FMI – e sua diretora-executiva, Christine Lagarde – quer reafirmar seu papel na reestruturação das dívidas soberanas.

As autoridades disseram que não há planos de adotar novos mecanismos legais ou de alterar o estatuto do FMI. As discussões estariam concentradas nas próprias políticas do fundo e em como tornar os contratos de dívidas soberanas mais sólidos.

“A equipe do FMI não quer, normalmente, sugerir nada arrojado demais”, disse Lee Buchheit, um dos sócios do escritório de advocacia Cleary Gottlieb e assessor de países endividados. “Mas há vontade política suficiente se acumulando agora, a partir de uma combinação entre a crise europeia e o contencioso argentino, que reencaminhou o assunto à ordem do dia.”

O FMI está preocupado com a possibilidade de seus próprios empréstimos serem parte do problema, já que as reestruturações só ocorrem depois que o fundo se recusa a continuar emprestando sem o dispêndio de algum esforço por parte do país beneficiado. Quando os países perdem acesso aos mercados e os programas do FMI substituem títulos de dívida privados, sobram menos papéis para uma eventual reestruturação.

Uma das alternativas é pedir aos credores que aceitem uma pequena reformulação dos prazos de seus títulos num estágio mais adiantado do processo de concessão de empréstimo do FMI.

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Evasão fiscal de múltis prejudica também emergentes, conclui OCDE

Valor Econômico

A estratégia de empresas multinacionais para pagar menos impostos, transferindo artificialmente lucros para paraísos fiscais, é uma “questão urgente e atual” não só para os países industrializados como também para nações emergentes e em desenvolvimento. Essa prática constitui sério risco para as receitas fiscais, para a soberania fiscal e para a confiança na integridade dos sistemas tributários de todos os países, podendo ter impacto negativos em investimentos, serviços e concorrência, e, consequentemente, sobre o crescimento e o emprego globalmente.

O Valor apurou que esse é um dos pontos de declaração de ministros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevista para a semana que vem. Será o ponto de largada para elaboração de plano global de ação contra a “erosão da base de imposição de impostos e transferência de lucros”.

Conforme fontes, a declaração ministerial deve enfatizar que o plano de ação global levará em conta os mais diferentes aspectos do problema para fechar lacunas que hoje permitem às empresas se aproveitar de assimetrias nas regras tributárias domésticas e internacionais e resultar em “dupla não taxação” ou taxação muito baixa.

O problema foi ilustrado nesta semana com a gigante da informática Apple sendo severamente acusada pelo Senado dos EUA de “subtrair” dezenas de bilhões de dólares do Fisco americano com sua estratégia de transferir lucros para países com impostos mais baixos ou quase inexistentes. Para analistas, porém, o caso apenas expõe lacunas do código fiscal americano.

Os grandes países emergentes mostram-se divididos no apoio à declaração ministerial da OCDE. O Brasil e a Indonésia decidiram endossar a iniciativa. Já a China e a Índia continuam refratárias a juntar forças com os países desenvolvidos.

Normalmente os grandes emergentes são convidados a participar nos debates principais da entidade envolvendo temas de relevo da governança global, mas se recusam a endossar as declarações ministeriais, até porque sempre há nuances que contestam.

Desta vez, a hesitação de Pequim e Nova Déli, que persiste pelo momento, parece surpreender porque o sentimento crescente é de que os Estados precisam dar um sinal político forte contra o planejamento tributário agressivo praticado por multinacionais para pagar menos impostos onde operam.

Um relatório da OCDE reconhece que a erosão de base tributária dos países pode ter fontes diversas, mas considera que uma das razões principais pela perda de arrecadação dos governos é mesmo a estratégia empresarial de jogar artificialmente os lucros para locais com taxas baixas.

A versão preliminar da declaração ministerial da OCDE nota que essa prática de múltis é um tema agora prioritário na agenda de numerosos países.

As estimativas são de que a evasão fiscal custe anualmente € 1 trilhão para a União Europeia e US$ 1,2 trilhão para os Estados Unidos.

O problema alimenta a percepção de injustiça entre contribuintes que devem pagar mais impostos, assim como entre empresas nacionais que também pagam mais taxas que as multinacionais.

Entre os países ricos, Reino Unido, França e Alemanha são os que mais impulsionam por medidas para fazer as companhias pagarem mais impostos onde operam e ajudar assim a reequilibrar o orçamento público que continua em queda.

Já Suíça e Luxemburgo, reputados por sua baixa tributação para as empresas, recusam qualquer mudança nas regras internacionais atuais. Holanda e Irlanda, que beneficiam muitas múltis com suas taxas baixas, aceitam dialogar.

Para a OCDE, o fato é que as regras de cálculo do imposto sobre empresas com negócios em vários países, em 3 mil acordos bilaterais para evitar bitributação, estão obsoletas e precisam ser revisadas, talvez por uma convenção global.

Até agora o foco tem sido sobre empresas como Google, Starbucks e Amazon. O Google, por exemplo, paga em média 5% de imposto sobre seus lucros – enquanto a tributação corporativa na França é de 33% e nos EUA, de 35%. Mas o caso da Apple chama atenção para empresas ainda maiores. Um foco importante na OCDE será dado na questão dos preços de transferências intrafirmas.