A Classe Operária
Como todos sabem – já faz algum tempo – não se gera vida espontaneamente. Nem os criacionistas confiam que isso seja possível. Da mesma forma, por que acreditar que as massas, em movimento, tomarão, espontaneamente, o caminho da Revolução? As leis que governam uma e outra gravidez equivalem-se.
Quando Marx e Engels se preocupam com a organização dos trabalhadores, na gênesis do movimento comunista internacional, indicam claramente que esse é um dos pressupostos do sucesso ou do malogro da luta da classe operária. Mesmo porque, do outro lado da rua, os capitalistas estão a postos, estruturados, disciplinados e aparelhados.
A defesa do “apoliticismo” das mobilizações e o discurso “antipartido” e “antiorganização” são mais velhos que a antiga e mal falada profissão. A repetição da chorumela, ao longo da história do movimento de massas, aqui e aonde quer que seja, enfastia.
Mas sempre haverá quem a revitalize, assim como sempre haverá um cabo à espreita para enredar os que berram contra os partidos, contra os sindicatos, contra os políticos. Um cabo, vê-se, estipendiado pelos democratas da linhagem dos Krupp, dos Thiesen, dos Kirdoff, dos Porche, dos Hugo Boss, da IG Farben, da AEG ou da estirpe de nossa gloriosa Fiesp (como Paulo Egydio Martins relembra, denuncia e não se arrepende).
Não porque o ex-governador e a finíssima flor do capitalismo alemão fossem (ou são) malvados, feios e perebentos. Também. Mas o que os guia é a consciência de classe. Essa mesma consciência que eles fazem de tudo para retirar, e negar, aos trabalhadores. Ora, quando decretaram o fim da história quem eles pretendiam que houvesse finado? A contradição de classes, et pour cause, a luta de classes. Quer dizer, promulgaram o falecimento de apenas um dos polos das contradições.
Quando o atual ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, foi indicado, vieram à imprensa duas autorias memoráveis de seu avô: o assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, o cabra marcado para morrer, em 1962; e o assassinato da líder camponesa Margarida Maria Alves, em 1985, que a “Marcha das Margaridas” lembra todos os anos. Pois bem, confrontado com o passado, o neto, sem a falsa sofisticação dos Fukuyama, proclamou: “Isso é coisa daquela época; agora, depois da queda do Muro de Berlim, acabou essa história de esquerda e direita”.
Assim, decretado, passou a compor alegremente o Ministério da presidente. Nenhum remorso, nenhum arrependimento, pois seu avô fez que o se esperava que os de sua classe fizessem, naqueles tempos terríveis quando ainda havia no mundo esquerda e direita.
A jornalista Juliana Cunha, do “Já Matei por Menos”, parodiando o velho dito, diz que “ideologia boa é ideologia naturalizada”. E, assim absorvida, passa a constituir senso comum. Como tal, engolem-se barbaridades como as do neto do matador de camponeses como ingênitas, de rerum natura. O antinatural seria o oposto, é claro. O imperdoável, jamais prescrito, seria Teixeira ter eliminado o avô do ministro.
Se as classes existem, é procedente que se organizem em defesa de seus interesses de classe. Principalmente a classe operária, vitimada nas últimas décadas pela mais poderosa campanha de cerco e aniquilamento ideológico. Mas não a organização domesticada dos sindicatos e das centrais sindicais. Do ponto de vista da burguesia, dos capitalistas, a organização sindical hoje, aqui, nos Estados Unidos, Europa, Ásia ou África equivale-se aos clubes lítero-musicais do século XIX, tão anódina, inofensiva. Desse mato, não sai coelho.
Qual, então, seria a organização adequada à classe operária, para que ela possa defender seus interesses de classe e opor-se à classe que a quer ver descaracterizada, enfraquecida, despolitizada, desideologizada, corrompida?
O Partido da Classe Operária.
Não existe outro espaço à classe operária que o seu próprio partido, estado-maior que a conduzirá no confronto, diário e final, com os capitalistas. O Partido da Classe Operária é o meio indispensável,vitam aut mortem, para a vitória do socialismo, para a prevalência dos interesses da maioria sobre o capitalismo e sua mais cruel invenção, o neoliberalismo.
Nos anos 60/70, quando do tronco fundador brotam, espoucam miríades de partidos e organizações, debatia-se com paixão e inevitável sectarismo a construção ou reconstrução (caso o PCB tivesse sido) do Partido da Classe Operária e havia mesmo quem presumisse pôr-se como célula geradora da (re)construção do Partido.
Nas décadas seguintes, dividida, subdividida, estripada, perdida, desviada, descaminhada para as mais absurdas opções –incluindo-se aí a pretensa sementeira- as esquerdas deixaram o debate sobre a indispensabilidade do Partido para coçar as feridas dos erros. E diante deles, ao invés de corrigi-los, reproduz o que já vimos tantas vezes na história: capitula.
A tal da redemocratização (cui prodest, cara pálida?) consolida a renúncia de boa parte da esquerda à revolução, ao socialismo e, quando muito, ela passa a militar a favor de uma peculiarsocialdemocracia de tipo novo, a socialdemocracia que gera esse prodígio chamado nova classe média, dezenas de milhões de brasileiros admitidos no maravilhoso mundo do consumo, levando na carteira, em média, mágicos 270 reais. Alvíssaras!
Enquanto isso, nenhum aparte sobre a massacrante, incessante exploração da classe operária. E a classe, desorganizada, despolitizada, desideologizada, não reage, inconsciente de seus interesses e de sua força.
E assim, nessa toada, nesse rame-rame medíocre lá vamos nós… para as eleições de 2014.
Paulo, o apóstolo, inventou o cristianismo ao determinar que fora da igreja não haveria salvação. Não estaremos inventando nada ao proclamar que sem partido não haverá salvação para a Classe Operária e, em consequência para a redenção de todo o povo brasileiro, notadamente para a classe média de 270 reais por mês.
Os esquerdistas tradicionais costumavam ser severos na crítica ao neoliberalismo dos governos de FHC e mais severos ainda na crítica aos erros acontecidos no ex-bloco socialista. E são experts na longa catalogação dos erros do comunismo internacional e descem a ripa com fervor inquisitorial no Partido Comunista Brasileiro, o dito Partidão, hoje rara luz nesse cinzento político que encobre o país.
Há ainda os pentitti , envergonhados de seu passado, que fazem coro com crítica de direita ao PT, considerando o socialismo e marxismo superados, defendendo um capitalismo não selvagem, como se a selvageria não fosse característica intrínseca do sistema capitalista, ainda mais nos tempos de globalização.
É claro que ocorreram erros graves nos países ditos socialistas e consequentemente nos partidos comunistas que lhe davam sustentação. Mas nunca é demais lembrar do cerco e da ofensiva do império dos Estados Unidos contra a antiga União Soviética, República Popular da China e Cuba, por exemplo, inclusive aproveitando as contradições sino-soviéticas.
Mas faz toda a diferença criticar os erros pela esquerda ou simplesmente capitular ao discurso conservador de que o capitalismo é eterno, esquecendo-se, deliberadamente, que as crises são provocadas pelo próprio sistema capitalista.
Na revolta das ruas ficou evidente o fracasso da modelo social liberal dos governos petistas e decomunistas de logotipo, que administram as crises capitalistas com inimigos de classe.
Como diz o padeiro, é impossível fazer pão de primeira com farinha de terceira.
Por isso os explorados e oprimidos continuam protestando nas ruas e berrando que apesar deles amanhã há de ser outro dia e essas figuras não terão como se esconder da euforia. E o povo trabalhador cantará Chico Buarque: quando chegar o momento esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro, todo esse amor reprimido, esse grito contido, este samba no escuro…
*José Benedito Pires Trindade e Otto Filgueiras são jornalistas