Os comunistas

Pablo Neruda

Passaram-se alguns anos desde que ingressei no Partido

Estou contente

Os comunistas formam uma boa família

Têm a pele curtida e o coração moderado

Por toda parte recebem golpes

Golpes exclusivos para eles

Vivam os espíritas, os monarquistas, os anormais, os criminosos de todas as espécies

Viva a filosofia com muita fumaça e pouco fogo

Viva o cão que ladra mais não morde, vivam os astrólogos libidinosos, viva a pornografia, viva o

cinismo, viva o camarão, viva todo mundo, menos os comunistas

Vivam os cintos de castidade, viam os conservadores que não lavam o pé a quinhentos anos

Vivam os piolhos das populações de miseráveis, viva a fossa comum e gratuita, viva o anarcocapitalismo,

viva Rilke, viva André Guide com seu corydonzinho, viva qualquer misticismo

Esta tudo bem

Todos são heróicos

Todos os jornais devem sair

Todos devem ser publicados, menos os comunistas

Todos os candidatos devem entrar em São Domingos sem algemas

Todos devem celebrar a morte do sanguinário de Trujillo, menos os que mais duramente o

combateram

Viva o Carnaval, os últimos dias de carnaval

Há disfarces para todos

Disfarces de idealistas cristãos, disfarces de extrema esquerda, disfarces de damas beneficentes e

de matronas caritativas

Mas cuidado: Não deixem entrar os comunistas

Fechem bem a porta

Não se enganem

Eles não têm direito a nada

Preocupemos-nos com o subjetivo, com a essência do homem, com a essência da essência

Assim estaremos todos contentes

Temos liberdade

Que grande coisa é a liberdade!

Eles não a respeitam,

Não a conhecem

A liberdade para se preocupar com a essência

Com a essência da essência

Assim tem passados os últimos anos

Passou o Jazz,

Chegou o Soul, naufragamos nos postulados da pintura abstrata, a guerra nos abalou e nos matou

Tudo ficava como está

Ou não ficava?

Depois de tantos discursos sobre o espírito e de tantas pauladas na cabeça, alguma coisa ia mal

Muito mal

Os cálculos tinham falhado

Os povos se organizavam

Continuavam as guerrilhas e as greves

Cuba e Chile se tornavam independentes

Muitos homens e mulheres cantavam a Internacional

Que estranho

Que desanimador

Agora cantam-na em chinês, em búlgaro, em espanhol da América

É preciso tomar medidas urgentes

É preciso bani-lo

É preciso falar mais do espírito

Exaltar mais o mundo livre

É preciso dar mais pauladas e o medo de Germán Arciniegas

E agora Cuba

Em nosso próprio hemisfério, na metade de nossa maça, esses barbudos com a mesma canção

E para que nos serve Cristo?

Para que servem os padres?

Já não se pode confiar em ninguém

Nem mesmo os padres. Não vêem nosso ponto de vista

Não vêem como baixam nossas ações na bolsa

Enquanto isso sobem os homens pelo sistema solar

Deixam pegadas de sapatos na lua

Tudo luta por mudanças, menos os velhos sistemas

A vida dos velhos sistemas nasceu de imensas teias de aranhas medievais

No entanto, há gente que acredita numa mudança, que tem posto em prática a mudança, que tem

feito triunfar a mudança, que tem feito florescer a mudança

Caramba!

A primavera é inexorável!

Em “pdf”: http://pcb.org.br/portal/docs/oscomunistas.pdf