Viva a Comuna!

imagemGeorges Gastaud

Jean-Pierre Hemmen*

Evocar hoje a Comuna de Paris, cujo 145º aniversário do seu início se comemorou a 26 de Março, não é apenas o relembrar de um facto histórico passado do proletariado francês.

Comemorar o aniversário da Comuna é também, nos nossos dias, a reafirmação do ideal comunista e o reconhecimento de que «(…) uma luta sem tréguas das massas, mesmo por uma causa desesperada, é indispensável para a educação ulterior dessas próprias massas, para as preparar para a luta futura».

A Comuna de 1871 não saía do nada. Trazia dentro de si a ardente memória da Comuna revolucionária de 1793, que tinha sido a ala de vanguarda da Revolução francesa e o último bastião robespierrista quando o incorruptível foi abatido pelos corruptos conjurados do Thermidor. E, ainda que a Comuna de 1871, obra do proletariado emergente e anunciadora das revoluções proletárias futuras, tenha sido um acontecimento irredutivelmente novo, o eco longínquo das insurreições populares parisienses do passado continuava nela a ressoar profundamente, o eco de fevereiro de 1848 (elemento desencadeador da Primavera dos Povos da Europa) e das barricadas operárias afogadas no sangue de junho de 1848, mas também das Três Gloriosas de 1830 (celebradas pelo quadro de Delacroix A Liberdade Guiando o Povo), sem esquecer, para além de Gracchus Babeuf e a sua Conspiração pela Igualdade (1796), as jornadas revolucionárias do 14 de julho de 1789 e do 10 de agosto de 1792 (Tomada das Tulherias pelos Sans Culottes parisienses e pelos Federados marselheses). E como não evocar a Fronda do Povo, que agitou a monarquia absoluta do séc. XVII e, bem mais longe ainda, a primeira revolução parisiense de 1357 (conduzida por Etienne Marcel e seus «chaperons » azuis e vermelhos, em aliança com a Grande Jacquerie do norte dirigida por Guillaume Carle), ou as comunas medievais que, de Laon a Beauvais, por vezes em aliança com o poder real (Bouvines) e por vezes contra ele, desafiavam do alto dos respetivos Beffrois os privilégios arrogantes dos nobres e prelados.

Da Comuna às revoluções do séc. XX

Disseram-se tantas coisas sobre a Comuna, que nos contentamos de remeter aqui para dois livros maiores : A Guerra Civil em França, em que Marx mostra o que é para um comunista, ou nas suas palavras um «materialista prático», a assimilação crítica da herança revolucionária, a igual distância entre o culto religioso e a ingratidão pseudo-«modernista». Principal fundador e dirigente da Primeira Internacional operária (de que fazia parte o operário “communard” Eugène Varlin) e exilado em Londres, Marx impulsionou a solidariedade internacional com os “communards”. Fortalecido por esta legitimidade concreta que se prolongou por inumeráveis esforços após a impiedosa repressão versalhesa, Marx soube no mesmo texto celebrar a ousadia dos “communards” « subindo ao assalto do Céu », fustigar o « sangrento minorca » Thiers e os seus imundos carrascos versalheses, e apontar imparcialmente as fraquezas políticas da direção comunária, não pelo prazer de denegrir camaradas de luta que ele venerava, mas para tirar da sua derrota ensinamentos suscetíveis de ajudar as revoluções futuras a vencer resistindo.

Foi exatamente ao deparar-se com as ilações críticas tiradas por Marx da derrota sofrida que Lénine escreveu por sua vez em 1917, em plena Revolução de Outubro, a impressionante brochura O Estado e a Revolução . O chefe de fila dos bolcheviques mostra aí de forma concreta como se articulam na teoria marxista da transição para o comunismo a questão do duplo poder, das alianças de classes para isolar a reação, da conquista política do poder de Estado pelo proletariado, da conexa instalação da ditadura do proletariado e da democracia dos sovietes de operários, camponeses e soldados («a mais larga democracia para as massas populares e uma ditadura implacável sobre as forças contra-revolucionárias», escreve Lénine para definir o conteúdo de classe da «ditadura do proletariado »), tudo isso na perspetiva final da socialização dos meios de produção desembocando a longo prazo no «desaparecimento do Estado», ele próprio tornado possível pela progressiva extinção das classes sociais e pela transição por ela permitida entre o atual «poder sobre as pessoas» e a futura «administração das coisas», conforme disse Saint-Simon. Todas estas conceções estavam já certamente a operar de uma maneira ainda confusa e esparsa (e não podia ser de outra maneira enquanto o jovem proletariado, ainda muito restrito à oficina artesanal e à loja, não tinha ainda edificado um Partido de vanguarda seu) nas lutas heróicas dos proletários parisienses do séc. XIX e dos seus camaradas lioneses, marselheses, etc. (porque a Comuna de Paris teve fortes prolongamentos «provinciais»), esses iluminadores da futura revolução mundial.

Entre os numerosos ensinamentos que se podem tirar da experiência da Comuna, permita-se-nos insistir em quatro pontos que têm particular importância para a nossa atualidade militante, enquanto o grande movimento da luta dos Goodyear e dos defensores do Código do Trabalho rendem indireta homenagem à Comuna neste 17 de março, apelando ao povo trabalhador e à juventude para ocuparem a rua sob a palavra de ordem tipicamente « communard » lançada pelos militantes do PRCF (« Pôle de Rennaissance Communiste en France », movimento saído do PCF, Partido Comunista Francês – N.T.) durante as lutas pelas reformas de 2003 : « não é o patronato que faz a lei, a verdadeira democracia está aqui ! ».

Ensinamentos para hoje e amanhã

• Em primeiro lugar, é absurdo opor a verdadeira democracia, a democracia proletária e popular, à ditadura do proletariado. É contudo o que fazem não apenas os dirigentes euro-reformistas do PCF, que desde 1976, há quarenta anos, denigrem este conceito estratégico do marxismo e lhe opõem uma nevoenta «democracia» sem fronteiras que mal disfarça a sua adesão à democracia burguesa em plena decrepitude fascizante e maastrichtiana. Em uníssono com os deputados «socialistas», estes mesmos reformistas em rotura com o marxismo não têm aliás medo de votar em unanimidade pelo estado de urgência que podiam perceber servir menos para combater o terrorismo fanático do que para intimidar e ameaçar o movimento popular. É aliás ao mesmo tipo de renúncia que procederam os dirigentes do NPA (Nouveau Parti Anticapitaliste, saído da LCR, Liga Comunista Revolucionária – N.T.), o qual com a gritaria dos seus megafones também repudiaram solenemente a referência marxista a este conceito marxista fundador. A experiência histórica da Comuna mostra pelo contrário que é ao mesmo tempo que devem ser exercidas a mais vasta democracia proletária (a mais direta possível, com contrôle dos deputados do povo, proibição de ganharem mais do que um salário de operário, possibilidade de revogação no decurso do mandato se este não for respeitado, etc.) e a luta intransigente contra as manobras contra-revolucionárias. Marx censurou aos dirigentes « communards », na verdade bastante divididos, o não terem tomado medidas mais severas para amordaçarem a contra-revolução e, especialmente, para expropriarem o Banco de França cujos haveres eram de facto produto desviado do trabalho proletário. A opção não é pois entre uma revolução gentil, ignorando as rigorosas medidas a tomar contra os seus inimigos mortais, e a « malvada » ditadura do proletariado. Se não forem tomadas com determinação medidas rigorosas pelo poder revolucionário saído do povo, então sem dúvida que, como diz o poeta « communard » Jean-Baptiste Clément, « Os castigos da bandeira vermelha / São substituídos pelo terror / De todos os patifes de esguelha / Criados de reis e do Imperador », porque os chefes reacionários safam muito cristãmente a pele… mas vingam-se muito « pagãmente » durante a Semana Santa (« Batem, prendem, fusilam / Tudo o que encontram ao calhas / A mãe ao pé da filha / A criança ao colo do velho… », escrevia ainda Clément). E não são os militantes chilenos da Unidade Popular, torturados por Pinochet e o seu tutor yankee prémio Nobel da paz Henry Kissinger, que poderão infelizmente vir afirmar o contrário, nem o milhão de comunistas indonésios esmagados por Suharto em 1965 sob os aplausos da imprensa «democrática» americana e na total indiferença do «Figaro» e da ORTF (Rádio e TV francesa – N.T.) de então.

Pelo contrário, a ditadura do proletariado não é um fim em si mesmo, nunca deve perder de vista que o seu objetivo é construir uma sociedade em que, através da extinção das classes sociais, o Estado de classe se torna progressivamente obsoleto e a sua tarefa em cada momento é promover a atividade política das massas, alargar sem cessar a democracia popular e a intervenção dos cidadãos-trabalhadores, para fazer de maneira que, como dizia ainda Lénine, «a cozinheira possa governar o Estado».

Do mesmo modo, é aberrante opor o internacionalismo proletário («Proletários de todos os países, uni-vos ! ») ao patriotismo popular. Os «communards» eram ao mesmo tempo ardentes patriotas franceses que recusavam capitular perante Bismarck e magníficos internacionalistas que levaram a ter responsabilidades imigrados progressistas famosos como Léo Frankel (húngaro), Dombrowski (herói da independência polaca, que defendeu Paris admiravelmente), não falando do revolucionário italiano Garibaldi, que foi então eleito deputado francês, ou Elisabeth Dmitrieva que, ao lado da parisiense Louise Michel ou da bretona Nathalie Le Mel, desempenhou um papel maior no recrutamento revolucionário das indomáveis mulheres parisienses. Conforme não deixamos de lembrar, a verdadeira cisão de classe não é a que separa os patriotas dos internacionalistas, como quereriam em conjunto fazê-lo crer os partidários nacionalistas dos Le Pen ou os adeptos neoliberais da UE supranacional e da NATO : quando a luta de classes endurece, opõe invariavelmente de um lado da barricada social os partidários do cosmopolitismo capitalista aliados aos nacionalistas burgueses (aquilo a que o PRCF, nas condições presentes, chama U.M.-Pen-S., mostrando as convergências dos dois processos reacionários que são em França a fascização xenófoba e a euro-desintegração das nações soberanas) e do outro lado dessa mesma barricada, os partidários do patriotismo republicano e os defensores da solidariedade internacional de classe. E isso é ainda mais verdade nos nossos dias do que em 1871, visto que o capitalismo tomou a forma de imperialismo, de esmagamento dos países livres pelo capital financeiro, ou mesmo de vassalização dos países dominantes em declínio por outros, como se vê com a odienta UE dominada pelo imperialismo alemão e seus neocolaboracionistas « franceses » do grande patronato e do Partido Maastrichtiano Único (PS e ex-UMP). É por isso aliás que a palavra de ordem da Terceira Internacional já não era apenas « Proletários de todos os países uni-vos », mas « Proletários de todos os países e povos oprimidos do mundo inteiro, uni-vos », tendo no horizonte a palavra de ordem largamente unificadora e defendida por Lénine do « direito de todas as nações a disporem de si próprias ». Concretamente, isso traduz-se pela necessidade para os verdadeiros herdeiros dos «communards» de apelarem ao povo francês, não para esperar tontamente pela impossível «Europa social» cara a Pierre Laurent, mas a exigir que a França saia pela esquerda, numa dinâmica revolucionária de rotura com o capitalismo assassino de nações, com a mortífera UE atlântica e com o seu destrutivo euro.

Verificação histórica desta dialética materialista do patriotismo popular e do internacionalismo proletário é o facto de ser sempre a classe dominante que, desde a Idade Média (o bispo Cauchon entregando Jeanne Darc à fogueira inglesa) até aos nossos dias, se aliou à dominação estrangeira para se resguardar do povo e preservar os seus privilégios, enquanto que pelo contrário o povo trabalhador defendeu o solo nacional, como se viu durante a Grande Revolução, quando os soldados do Ano II saídos do Faubourg Antoine salvavam a França republicana, enquanto os emigrados nobres de Koblenz traíam o país combatendo nas fileiras inglesas e austríacas. E em 1871, enquanto Thiers suplicava ao vitorioso Bismarck a libertação dos soldados franceses feitos prisioneiros em Sedan jurando por escrito ao chefe do Segundo Reich alemão que os ditos soldados não seriam «utilisados a não ser contra Paris», os internacionalistas presentes em Paris defendiam a França ocupada, tal como os franco-atiradores e os resistentes da mão-de-obra imigrada, os Manouchian, os Epstein e Roger Landini, permaneciam fiéis à França dos direitos do homem o mesmo tempo que os Louis Renault produziam tanques para a ocupação nazi. Quem não se lembra da palavra do escritor gaulista Mauriac declarando, a propósito dos mineiros vermelhos do norte que aguentaram dois meses de greve debaixo da bota alemã em 1941, que « apenas a classe operária ficou fiel à França profanada» ?

É suicidário opor a democracia proletária de massas ao partido de classe e de vanguarda. Este partido comunista, que tanta falta fez aos « communards », entre os quais dominavam ainda as ideias pequeno-burguesas e anarquisantes hostis à organização, tinham-no os bolcheviques construído e temperado no fogo das lutas da Revolução russa de 1905, não opondo-o, mas apoiando-o nessa criação espontânea das massas operárias russas em movimento que eram os sovietes (conselhos) de operários e camponeses. Sem o partido bolchevique, sem a sua disciplina de ação baseada no centralismo democrático (a mais larga democracia antes da tomada de decisão e aplicação da decisão maioritária por todos, incluindo a minoria), não teria havido revolução proletária vitoriosa em outubro de 17, porque como seria possível unir e disciplinar o esforço de um povo-continente face a uma reação feudal-burguesa unida e armada até aos dentes, sem dispor desse elemento indispensável a todo o exército que quer ganhar e não apenas «dar testemunho» que é um Estado-Maior político ? E inversamente, que seria de um partido autoproclamado de vanguarda, um grupúsculo declarando-se « o » partido, sem manifestar a menor preocupação por federar os revolucionários e tornar-se a vanguarda efetiva do movimento popular aqui e agora ?

É aliás conjugando a construção do partido comunista (ao qual Lénine escolheu a denominação de origem francesa em tripla referência à Comuna, ao objetivo final comunista e não socialista do partido e também ao que ele chamava o «Estado-Comuna», o Estado visando a sua própria extinção, por muito longínqua que fosse) e a dinâmica própria dos sovietes de operários, camponeses e soldados, que a Revolução de Outubro triunfou, como o atesta de forma grandiosa o livro-reportagem de John Reed sobre Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, porque Outubro não foi apenas uma insurreição militar vitoriosa do proletariado e da guarnição vermelha de Petrogrado. A própria insurreição, que entregou imediatamente todo o poder aos sovietes (onde os bolcheviques tinham ganho democraticamente a maioria), foi sobretudo necessária para que se lançasse um imenso debate, ganho pelos bolcheviques em cada fábrica, cada caserna, cada aldeia em que foi necessário pronunciar-se sobre os três primeiros decretos do novo poder soviético : o Decreto sobre a paz dos povos, o Decreto sobre a terra para os camponeses e o Decreto sobre o contrôle operário nas fábricas.

É por isso que é aberrante ver alguns comunistas atuais, que acreditam no entanto opor-se à direção do PCF-PGE (Partido Comunista Francês – Partido da Esquerda Europeia – N.T.), tratarem por alto a « matriz leninista do comunismo » à maneira do primeiro euro-mutante caído do céu, sonharem voltar hoje à Primeira Internacional saltando por cima da experiência da Internacional Comunista e do primeiro campo socialista da história que, durante décadas, fez frente ao imperialismo construindo uma sociedade certamente imperfeita, mas sem desemprego, sem exploração capitalista e sem traficantes de canhões. Se se quer analisar como marxistas e não como derrotistas e pequeno-burgueses lamurientos as causas da derrota provisória do socialismo (tarefa que não é o objeto deste curto artigo), há melhor a fazer do que armar em bem-pensantes arrependidos, renegar o passado comunista, autoflagelar-se para agradar ao adversário, e sonhar com o regresso às formas antigas pré-bolcheviques do poder proletário, enquanto o capitalismo está mil vezes mais agressivo, destruidor, fascizante, exterminista até do que ainda não o podia ser o capitalismo do séc. XIX. Como dizia o poeta Arthur Rimbaud, «é preciso ser resolutamente moderno: aguentar o passo dado!» e não praticar o que já Lénine fustigava, essa dança do ventre própria dos elementos mencheviques que se traduz pelo tristemente famoso «um passo em frente, dois passos atrás !». Isto, a não ser que se queira perder eternamente os combates face a um inimigo de classe mais determinado que nunca e numa situação em que, mesmo no coração dos nossos países imperialistas em crise, a deterioração e a miséria de massas ameaçam muito diretamente os trabalhadores e a parte inferior das assim chamadas « classes médias » !…

• Finalmente, é desonesto opor a construção multissecular da nação e depois a instalação revolucionária da República una, laica, soberana, social legada por Robespierre, à descentralização democrática popular, ou parcialmente popular, que historicamente foi trazida não apenas pela Comuna de 1871, mas pelos insurretos medievais das «comunas de jurados» da Idade Média. São historicamente o Primeiro e o Segundo Império e não os «sans culottes», nem por maioria de razão os «communeux»**, quem suspendeu as liberdades comunais ao passarem à nomeação dos « maires » e imporem um super-presidente para Paris, Pelo contrário, a nação francesa e as comunas, apesar de muitas atribulações, foram contruídas a par. Foi o processo, historicamente progressista numa primeira fase, de construção de um Reino de França centralizado que viu os capetianos, desejosos de conjurarem as frondas feudais, aliarem-se às milícias comunais : em Bouvines (1214), a batalha contra a coligação entre o rei inglês, o Imperador alemão, o conde flamengo e diversos grandes feudatários rebeldes, foi ganha por Phillipe-Auguste e pelos seus aliados comunalistas aos gritos de «Comuna, Comuna !» e essa vitória permitiu a Paris consolidar o seu papel de capital política do Reino. Foi igualmente uma opção política real que tem a ver com alianças de classe a que inspirou François I quando escolheu erigir o francês (quer dizer, a língua falada pela burguesia e pelo povo, pelo menos na Ile-de-France) a língua administrativa e jurídica, afastando o latim caro aos eclesiásticos (sem por isso proibir as línguas periféricas). Quanto à República una e indivisível, criada pelos horríveis « centralizadores » jacobinos, os Marat, Robespierre, Saint-Just, Couthon, etc., ela liquidou as velhas províncias étnicas herdadas da feudalidade em proveito dos novos departamentos, mas nem por isso deixou de confirmar a eleição dos « maires » e conselhos comunais sem melindrar as suas prerrogativas, o que reduz a nada a atual contra-reforma territorial de inspiração maastrichtiana. Em resumo, antes de dizer tontamente que « em geral, o centralismo opõe-se à intervenção política local », é preciso verificar o conteúdo de classe do centralismo e da proclamada « descentralização », porque o centralismo nacional não se opõe à democracia local quando em todo o território francês é a classe progressista, ontem a burguesia jacobina, hoje o proletariado virtualmente « communard », que conduzem a iniciativa histórica. Mais uma vez, que diferença marcante com a nossa sinistra época contra-revolucionária em que, tudo de uma vez, sob a égide da grande burguesia agora oligárquica, temos o reagrupamento autoritário dos territórios confortando as « metrópoles » em detrimento das comunas, temos as super-regiões à custa dos departamentos, temos o Império europeu berlino-formatado e a União transatlântica centrada na América, ambos apoiados pelo poder planetariamente devastador da NATO, mil vezes mais perigosa para o futuro da humanidade do que nunca o foram os «reiters» de Bismarck ou os hussardos do duque de Brunswick !

Haveria mil outras lições a tirar da experiência cultural e humana sem precedentes que foi a Comuna sob a direção dos heróicos Varlin, Flourens, Ferré e Courbet, nomeadamente pela maneira pela qual separou claramente, pela primeira vez em França, o Estado republicano das Igrejas, coisa que outros historiadores do laicismo e das Luzes já disseram cem vezes melhor do que saberíamos fazê-lo.

Por ora, enquanto Hollande rasteja diante dos neo-versalheses do MEDEF (Movimento das Empresas de França – N.T.) e que o dito MEDEF aceita alegremente dissolver a República soberana, a língua francesa, a herança das Luzes e a de 1936 e do CNR (Conselho Nacional da Resistência – N.T.) nas águas geladas da UE maastrichtiana e do todo-inglês « transatlântico », os verdadeiros sucessores dos « communards » assumem orgulhosamente a herança dos heróicos proletários e artesãos parisienses que abriram ao mundo inteiro a era provisoriamente interrompida das revoluções socialistas. Sem opor Outubro de 1917 à breve primavera vermelha de 1871, a hora mais do que nunca é a da resistência popular, da contra-ofensiva de todos em conjunto e em simultâneo com os Goodyear, com os outros assalariados do público e do privado, com os reformados, os estudantes, os professores, os camponeses e os artesãos em luta, para que o nosso país volte a ser o que nunca devia ter deixado de ser, o país das Luzes comuns.

* G. Gastaud, filósofo francês, é amigo de odiario.info.
J.-P. Hemmen é diretor político da revista «Etincelles»

** Lembremos que a palavra «communard» era originalmente um insulto versalhês: segundo Jaurès, os partidários da Comuna chamavam-se entre si « communeux ».

Tradução : Jorge Vasconcelos

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