Víctor Jara, um crime que ainda se chora no Chile

imagemÀs vezes move levemente o canto de seus lábios para desenhar um sorriso, enquanto o olhar permanece ausente: chama-se Joan Turner, a viúva de Víctor Jara.

Tem 91 anos e todos a conhecem no Chile como Joan Jara. É a mãe de Amanda, a filha que inspirou Víctor Jara a compor umas de suas mais belas e reconhecidas canções, antes de ser cruelmente torturado pela ditadura de Augusto Pinochet.

Confinado no Estádio Chile depois do golpe de estado de 11 de setembro de 1973, sofreu torturas pelo simples fato de professar ideias de esquerda, pois era militante do Partido Comunista. Era mestre, dramaturgo, cantor e compositor.

Cinco dias mais tarde, foi assassinado na instalação esportiva que hoje leva seu nome. Queimaram-no com cigarros, cortaram-lhe a língua e esmagaram seus dedos. Depois, recebeu 44 tiros e foi jogado em um matagal ao lado do Cemitério Metropolitano.

Havia seis cadáveres, um era de Víctor Jara.

Te Recuerdo AmandaPlegaria a un LabradorEl Derecho de Vivir en Paz, entre outras, são canções que têm acompanhado a América Latina nestes 45 anos de ausência de Jara.

Cantava, escrevia poemas, foi professor, ator e diretor teatral. Seu pecado foi abraçar a causa da Unidade Popular do presidente Salvador Allende no Chile.

Em um dos muros do Museu da Memória, está registrado aquele que foi o último poema de Jara:

Somos cinco mil 

Somos cinco mil aquí.
En esta pequeña parte de la ciudad.
Somos cinco mil.
¿Cuántos somos en total

en las ciudades y en todo el país?

Somos aquí diez mil manos
que siembran y hacen andar las fábricas.

¡Cuánta humanidad
con hambre, frío, pánico, dolor,
presión moral, terror y locura!

Seis de los nuestros se perdieron

en el espacio de las estrellas.
Un muerto, un golpeado como jamás creí
se podría golpear a un ser humano.

Los otros cuatro quisieron quitar
se todos los temores,uno saltando al vacío,
otro golpeándose la cabeza contra el muro,
pero todos con la mirada fija de la muerte.

¡Qué espanto causa el rostro del fascismo!

Llevan a cabo sus planes con precisión artera sin importarles nada.
La sangre para ellos son medallas.
La matanza es acto de heroísmo.

¿Es éste el mundo que creaste, Dios mío?
¿Para esto tus siete días de asombro y trabajo?

En estas cuatro murallas sólo existe un número que no progresa.
Que lentamente querrá la muerte.

Pero de pronto me golpea la consciencia
y veo esta marea sin latido
y veo el pulso de las máquinas
y los militares mostrando su rostro de matrona lleno de dulzura.

¿Y Méjico, Cuba, y el mundo?
¡Qué griten esta ignominia!

Somos diez mil manos que no producen.
¿Cuántos somos en toda la patria?

La sangre del Compañero Presidente
golpea más fuerte que bombas y metrallas.
Así golpeará nuestro puño nuevamente.
Canto, que mal me salescuando tengo que cantar espanto.
Espanto como el que vivo, como el que muero, espanto.

De verme entre tantos y tantos momentos del infinito
en que el silencio y el grito son las metas de este canto.

Lo que nunca vi, lo que he sentido
y lo que siento hará brotar el momento…

A Corte Suprema de Justiça do Chile ampliou a solicitação de extradição aos Estados Unidos do oficial da reserva do Exército, Pedro Barrientos Núñez, como responsável pelos delitos de sequestro simples e homicídio de Jara e Litré Quiroga.

Em julho passado, o juiz Miguel Vázquez condenou nove ex-militares pelo crime contra Jara. O magistrado indicou que o artista foi submetido a constantes e violentos episódios de agressão física e verbal por parte dos militares.

Aplicaram-lhe torturas físicas, “sendo os golpes mais severos aqueles que recebeu na região de seu rosto e em suas mãos”.

O relatório da Comissão da Verdade e Reconciliação de 1990 detalhou que “o cadáver de Jara, com mãos e rosto muito desfigurados, apresentava 44 orifícios de disparos, prova da fúria na execução por parte dos militares”.

Em dezembro de 2009 Jara foi exumado, teve um funeral acompanhado por uma multidão de pessoas e foi sepultado em uma tumba onde pode ser lido: Víctor Jara Martínez. 1938-Setembro-1973.

Joan Jara, bailarina de origem britânica e com numerosas contribuições ao desenvolvimento de dança no Chile, foi condecorada com a Ordem ao Mérito Artístico e Cultural Pablo Neruda, das mãos da presidenta Michelle Bachelet, em dezembro de 2016.

Junto a suas filhas Amanda e Manuela (de seu primeiro casal), não tem deixado de se empenhar no sentido de que os assassinos de Víctor Jara sejam punidos.

VÍCTOR JARA

http://memoriasdaditadura.org.br/artistas/victor-jara/index.htmlEm 12 de setembro de 1973, cerca de 600 professores e estudantes da Universidade Técnica do Estado (UTE), em Santiago, faziam vigília no campus. O grupo manifestava seu apoio ao presidente Salvador Allende, deposto na véspera por um golpe militar patrocinado por Augusto Pinochet, quando foi conduzido ao Estádio Chile. Era um ginásio de esportes no qual se realizavam shows, partidas de vôlei e basquete, que tinha sido convertido desde o dia anterior em centro de detenção e quartel general da repressão. Entre os presos estava um conhecido compositor de cabelo encaracolado, logo identificado por um dos soldados. “Não o tratem como mulherzinha”, orientou o oficial. Seu nome era Víctor Jara.

Professor da Faculdade de Comunicação da UTE, Víctor Jara militava no Partido Comunista, havia apoiado a eleição de Allende pela Unidade Popular em 1971, e firmava-se como o maior nome da canção de protesto em seu país. Instantes depois de pisar no Estádio Chile, Víctor Jara foi brutalmente espancado. Seu rosto vertia sangue quando lhe esmigalharam também as mãos, a coronhadas, diante de todos. Seus torturadores afirmavam fazer aquilo para que ele nunca mais empunhasse um violão.

Cinco dias após a prisão, Víctor Jara foi assassinado. O laudo emitido após a autópsia, feita quando localizaram o cadáver num matagal, indicou uma porção de ossos quebrados e 44 marcas de balas. Antes de morrer, conseguiu redigir um poema, entregue aos companheiros de cárcere, que providenciaram cópias e conseguiram preservá-lo, dando-lhe mais tarde o título de “Estádio Chile“: “Somos cinco mil aquí/ en esta pequeña parte de la ciudad/ (…) Seis de los nuestros se perdieron/ en el espacio de las estrellas./ Uno muerto, un golpeado como jamás creí/ se podría golpear a un ser humano./ Los otros cuatro quisieron quitarse/ todos los temores, / uno saltando al vacío,/ otro golpeándose la cabeza contra un muro/ pero todos con la mirada fija en la muerte./ ¡Qué espanto produce el rostro del fascismo!”. Trinta anos depois, em setembro de 2003, o mesmo Estádio Chile foi nomeado Estádio Víctor Jara.

Filho de lavrador, Víctor Jara tocava e cantava num grupo de música folclórica quando conheceu Violeta Parra, na segunda metade dos anos 1950, e foi convencido por ela a continuar insistindo na carreira. Em 1965, já tinha gravado um disco com o conjunto quando passou a frequentar a Peña de los Parra. Seus dois primeiros LPs como artista solo foram lançados em 1967.

Aos poucos, a canção folclórica e os temas rurais foram cedendo espaço para a música de protesto, mais urbana e, ao mesmo tempo, profundamente alinhada às bandeiras políticas da época. Víctor apoia o líder vietnamita Ho Chi Min, citando-o nominalmente em plena guerra fria na canção “El Derecho de Vivir en Paz“. Grava “Cruz de Luz”, de Daniel Viglietti, solidarizando-se com o padre e guerrilheiro colombiano Camilo Torres. Monta um repertório com canções em homenagem a Pancho Villa, Che Guevara e Salvador Allende. Musica o poema de Neruda “Aquí me Quedo“: “Eu não quero a pátria dividida / cabemos todos na minha terra”.

Mais conhecido como compositor de “Te Recuerdo Amanda”, gravada por Mercedes Sosa, Joan Baez, Ivan Lins e muitos outros, Víctor Jara registrou sua missão na primeira estrofe da canção “Manifesto“: “Eu não canto por cantar/ nem por ter uma voz bonita/ Canto porque o violão/ tem sentido e razão.”

Mural a Víctor Jara, Santiago do Chile

Foto: Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0) https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0

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