100 dias de governo Witzel: a barbárie instituída
Era 30 de setembro de 2018. A uma semana do primeiro turno das eleições, a bizarra imagem do governador Wilson Witzel vibrando enquanto Rodrigo Amorim (PSL) quebrava a placa em homenagem à Marielle Franco pode ser tomada como a síntese mais clara do atual governo do Rio de Janeiro. A afirmação de que a investigação sobre o assassinato da vereadora não seria a sua prioridade, caso vencesse as eleições, se revelava não apenas como uma promessa vazia de um político fanfarrão, mas também como o prenúncio de um estilo de política que não poupa aqueles que ameaçam combater os abusos da polícia e a violação de direitos da população moradora das comunidades. Em outras palavras, a barbárie cotidiana enfrentada pela classe trabalhadora, em sua maioria negra e pobre, é agora escancarada como um projeto de Estado terrorista e criminoso, que garante à bala um nível de exploração e opressão que de outra forma pareceria insuportável.
Ao ser questionado sobre a quebra da placa, Flávio Bolsonaro disse à imprensa que os envolvidos estariam “restaurando a ordem”. Após 100 dias de governo Witzel e um ano do assassinato de Marielle e Anderson, pode-se chegar a algumas conclusões sobre que ordem está sendo restaurada no Rio de Janeiro. Se a violência do Estado, a criminalização e o assassinato da população negra na cidade não é novidade, ela parece ganhar contornos cada vez mais grotescos sob os novos governos estadual e federal.
Surfando na onda bolsonarista, as próprias declarações de Witzel demonstram uma hipocrisia deliberada e um sadismo de classe reveladores. O ex-juíz ao ser empossado declarou que em nossa sociedade “todos tivemos oportunidade”, portanto, para aqueles que não as aproveitaram, o governador defende o “abate”. A promessa não caiu no vazio e no dia 8 de fevereiro, a polícia executou a política do governador na chacina do Fallet-Fogueteiro, deixando 13 mortos na ação policial mais violenta em 12 anos. Se suas promessas não ficam nas promessas, a memória de curto prazo nos congela a espinha: não foi um simples disparate do ex-juiz afirmar em campanha a necessidade de fornecer assistência e cobertura para qualquer policial que precisasse enfrentar o tribunal de justiça por auto de resistência. Era o anúncio da tentativa de legitimação da barbárie!
Outra política do governador se concretizou em Manguinhos, onde atiradores de elite posicionados na torre da Cidade da Polícia assassinaram pelo menos cinco moradores. Os tiros vieram sem aviso, investigação, acusação, defesa ou direitos. A prisão de Guantânamo é outra referência frequente do governador. Conhecida pelas bárbaras torturas perpetradas pelos soldados americanos nos prisioneiros de guerra, tornou-se símbolo da crueldade do imperialismo americano.
Quando por diversas vezes ouvimos o ex-juiz declarar não ver problemas na utilização de helicópteros como plataformas de tiro nas operações em comunidades (em referência à desastrosa operação na favela do Jacarezinho, em janeiro de 2018), não tínhamos a dimensão da rapidez com a qual seus anseios se materializariam no cotidiano da vida dos trabalhadores das regiões mais periféricas. Antes mesmo de completar três meses de governo, o que se via era não somente o aumento da violência desvairada nos confrontos armados terrestres das operações policiais em áreas residenciais (como a operação no Complexo do Alemão, em março). Percebia-se, também, a banalização da utilização de helicópteros da polícia com atiradores, os quais, segundo relatos de ativistas e moradores, dispararam à esmo em pelo menos 7 operações nas favelas cariocas (Morro do Timbau, Complexo da Coréia, AP, Complexo do São Carlos, Complexo do Alemão, Karatê e Morro do Borel – neste último, em pleno horário de saída escolar).
O abate e a tortura como política de Estado não nasceu com Witzel, mas com ele torna-se mais descarada e orgulhosa de si, em um movimento que dissolve os limites entre o Estado e o crime organizado. No Rio de Janeiro, as milícias são extensões de quartéis e mandatos parlamentares, chegando ao governo do estado e à Presidência da República.
A burguesia parece ter chegado ao consenso de que a retirada de direitos dos trabalhadores não pode ser feita sem um constante aumento da violência e do controle sobre estes. Para isso, o Estado de Direito não é suficiente. Os golpes parlamentares, as prisões políticas e as reformas operados da cúpula são complementados pela política do “abate” e da tortura na base, na qual o verniz da legalidade é deixado, muitas vezes, de lado.
A virada de 31 de março para 01 de abril não somente será marcada pela necessidade de impedirmos as tentativas toscas de pressionar, bem ao estilo da caserna, a necessidade de “comemoração” do golpe militar de 1964. Deixará marcada, também, a certeza de que os 100 dias de governo Witzel igualmente não são dignos de exigências de comemoração. Pois a história nos prova que a ditadura também se revela e é revivida quando, sob marcos supostamente democráticos, aqueles que lutam são torturados e mortos pelas mãos treinadas e contratadas pelo Estado.
Assim como é na base que a exploração e a opressão se mostram com mais crueza, é nela que podem se organizar as forças de resistência e a contraofensiva. É a partir da classe trabalhadora e do conjunto de explorados e oprimidos que um outro projeto de sociedade pode surgir e se contrapor à atual barbárie. Apenas a organização do Poder Popular pode deter a violência do Estado burguês. Como dizia o bom e saudoso Luiz Gonzaga Jr.: “Labutar é preciso, ô menino! Lutar é preciso!”.