A pandemia como pedagogia política
Foto: Clóvis Miranda/ Divulgação
Hiran Roedel, membro do Comitê Central do PCB
A crise da pandemia do coronavírus expõe, para a classe popular e o conjunto dos trabalhadores, a face excludente do regime do capital defendido pela classe dominante no Brasil e no mundo. Um projeto de sociedade sem compromisso social, pois traz em si a lógica da concentração de riquezas nas mãos de poucas famílias e de pequenos grupos políticos, tradicionais ou modernos!
Como decorrência, cresce a dívida pública, que age como uma sangria de recursos retirados dos investimentos em saneamento básico, em habitação, em saúde e em educação, deixando milhões de brasileiros submetidos às mais precárias condições de vida. Uma sangria que tem por objetivo atender, principalmente, aos interesses dos rentistas, estejam eles no país e/ou no exterior.
Lógica que submete milhões ao desemprego, à miséria e à pobreza, para que alguns poucos ganhem. Não apenas o 1% dos bilionários que têm suas grandes fortunas, lucros e dividendos isentos de impostos são os beneficiados, mas também parcela da classe média que pode se dar ao luxo de aplicar parte de seus recursos, igualmente, no jogo da especulação financeira.
Mas é bom ressaltar que a versão desse projeto de sociedade da classe dominante, hoje conhecido como neoliberal, não surgiu da noite para o dia. É fruto de um processo radical que tem seu marco na conjuntura dos anos 90, quando se difundiu o discurso de que o mercado, como sujeito político, seria capaz de tudo resolver.
Não é coincidência que, a partir dessa década, o campo político tenha se alterado. Os dirigentes públicos passaram a se constituir, paulatinamente, como meros gestores da ordem estabelecida. O debate sobre projetos de sociedade foi retirado de pauta e a manutenção da lógica econômica, e seu funcionamento, passou a ser a principal palavra de ordem. As condições de vida e de saúde, para esse discurso, tinham de ser submetidas à lógica do mercado.
Foi para aprofundar e consolidar esse modelo que o golpe de 2016 foi orquestrado. Era necessária sua radicalização.
O apoio popular a esse modelo é, por sua vez, um paradoxo! Afinal, observa-se a exclusão dos trabalhadores e da classe popular das benesses, fruto do aumento da circulação de riqueza no país. A pobreza cresce, assim como as favelas e os bairros proletários que se expandem nos grandes centros urbanos, onde a ausência social do poder público os submete ao terror policial/militar do Estado e de grupos criminosos.
Mas não bastam intervenções objetivas do terror para se sustentar um conjunto de relações de poder. É necessário que elas sejam aceitas. Para isso, a entrada em cena das estratégias discursivas da grande mídia e das empresas religiosas, atuando sobre aqueles que não são beneficiados pela riqueza circulante, passou a ser central.
Por isso, não é de se estranhar que a crise provocada pelo coronavírus traga à tona o risco social da insalubridade das áreas de habitações populares e a precarização do sistema público de saúde. Este, há 30 anos, vem sendo desmontado em benefício dos planos de saúde privados e, por consequência, deixando a classe popular e os trabalhadores desamparados.
Para essa população, em suas experiências de vida, não restava outra alternativa senão a cultura da solidariedade. É flagrante como a classe popular, enquanto estratégia de sobrevivência, encontra, no estabelecimento de uma teia de relações microeconômicas, religiosas, de parentesco e de vizinhança, a fórmula para driblar as dificuldades impostas pelo modelo de sociedade em que vivem.
Contudo, mesmo essa rede de solidariedade, que lhes permite sobreviver em meio à escassez quotidiana, não dá conta em momento de pandemia. E isso tem sido por eles percebida! Por mais que existam aqueles entorpecidos por discursos que minimizem a situação.
É necessário, portanto, transformar essa cultura em solidariedade política. Não a política como é hoje concebida, que reduz o debate a soluções técnicas de gestão e burocráticas que os exclui, mas retomar o seu caráter transformador, de debate de projetos, de participação nas ruas.
Essa é a tarefa da esquerda: a de orientação e articulação política da população. É de contribuir para que a classe popular e os trabalhadores saiam da condição passiva a que estão submetidos e, partindo de suas experiências e estratégias de sobrevivência, assumam o papel de protagonistas na solução de seus problemas concretos. Pois essa é uma daquelas conjunturas em que as contradições do regime do capital se expõem a tal ponto que criam condições reais de se avançar no processo de educação política, para se romper com o ciclo vicioso da salvação divina ou do amparo do chefe político local, que cedo ou tarde cobra a fatura de sua “ajuda”!