Ato em Brasília pede revisão do número de vítimas da ditadura no campo
“A gente não quer só saber a história. Nós queremos que o Estado reconheça sua ação terrorista”.
Najla Passos
O reconhecimento dos 1196 camponeses assassinados entre 1964 e 1989 como vítimas da ditadura e a devida punição dos culpados foram as principais reivindicações que os camponeses brasileiros, liderados pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), levaram às ruas de Brasília, nesta segunda (31), véspera da data que marca os 50 anos do golpe que deu início à ditadura civil-militar.
Em ato simbólico, militantes do movimento cravaram no gramado do Congresso Nacional 1.196 cruzes, representando as vítimas já identificadas por estudos preliminares, e queimaram bonecos batizados com os nomes dos torturadores mais conhecidos do regime, como os coronéis Brilhante Ustra, diretor do Doi-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974, e o major Sebastião Curió, que atuou na repressão à Guerrilha do Araguaia.
De lá, seguiram em passeata para o Supremo Tribunal Federal (STF), onde cobraram a revisão imediata da Lei da Anistia editada em 1979, sob a tutela dos próprios militares, como intuito de impedir que eles fossem responsabilizados pelas torturas, assassinatos, estupros e desaparecimentos forçados do período. Em 2010, essa lei forjada pela ditadura foi declarada constitucional pela corte máxima do país.
De acordo com Beto Palmeira, da coordenação do MPA, além de vítimas prioritárias da ditadura civil-militar, os camponeses e seus apoiadores foram excluídos da justiça de transição criada já no regime democrático: o Estado só reconhece sua responsabilidade pelos assassinatos de 29 camponeses, enquanto estudos preliminares indicam que o número chega há pelo menos 1.196.
“As 1.996 vítimas são as já documentadas e contabilizadas. Mas, em função dos trabalhos realizados pelas comissões da verdade estaduais, nós já sabemos que este número é ainda maior. É por isso que estamos reivindicando mais condições para a Comissão Nacional da Verdade apurar o tema. O Estado brasileiro não oferece a infraestrutura para se fazer a pesquisa necessária”, afirmou.
Segundo ele, a instauração da Comissão Nacional da Verdade é uma vitória democrática do povo brasileiro, mas é preciso ir além. “A gente não quer só saber a história. Nós queremos que o Estado reconheça sua ação terrorista contra as vítimas e que os responsáveis sejam punidos”, acrescentou. O dirigente acredita que só uma punição rigorosa acabará com a cultura da violência que ainda gera tantas mortes no campo.
Palmeira criticou duramente a posição do STF, que revalidou a norma legal que permite impunidade aos criminosos do regime, tanto militares quanto civis, como os latifundiários que colocaram seus jagunços a serviço da repressão. “Esses torturadores estão aí soltos, recebendo pensões que não condizem com a realidade brasileira, que são maiores que o orçamento do Bolsa Família”, comparou.
A manifestação camponesa também lembrou a necessidade de se retomar o debate sobre a verdadeira reforma agrária, proposta pelo ex-presidente João Goulart, em 1964, às vésperas do golpe, e até hoje não efetivada. “As lutas dos camponeses do período pré-64 ainda são todas elas atuais: a reforma agrária como pauta prioritária, a democratização do acesso à terra, o apoio do governo para a produção de alimentos do pequenos agricultor”, acrescentou.